Romaria da Peneda em 1912 |
A
romaria da Nossa Senhora da Peneda (Gavieira - A. de Valdevez) é uma
das concorridas de todo o norte de Portugal e tem um caraterísticas
singulares. Todos os anos, por esta altura, a esta romaria acorrem
muitos melgacenses.
Há
cerca de um século, em 1918, José Luíz de Caldas escrevia-nos
sobre esta romaria na época:
A
Senhora da Peneda
“Antes
que comecem as vindimas e desfolhadas – dois quadros cheios de luz
e encanto da festejada vida campestre – é que passam bandos e
bandos de romeiros de dez léguas em redor, a caminho da Peneda.
Num
anceio confortável de devoção e regozijo – os traços mais
característicos da alma popular – elles lá vão, quer entre
os crepes immensos da noite, quer illuminados por pérolas de luar,
para o local festivo, agreste, longinquo, que, embora rodeado por
montanhas enormes e bruscas, ali arrasta innúmeros campesinos.
Formam-se
os grupos. Recordam-se promessas. Rejubila o coração em impulsos
d'uma alacridade louçã, virtuosa, querida. Juntam-se cachopas
esbeltas com seus namorados. Prepara-se uma esturdia. E, por fim, lá
seguem por caminhos invios e pedregosos, atravéz dos tufos rígidos
de tojo e urze, em franca galhardia, com sacolas á cabeça e um
sorriso nos lábios. São longas horas de inalterável folguedo,
sempre abrilhantado affavelmente pelo som dos pandeiros e harmónicas,
e pelo trovar metálico, suave, encantador, de raparigas garbosas com
pernas roliças ao vento, que então suspira de volupia casta, e
arrecadas sobre o peito – o altar mais divino, com o brilho do
jaspe e o perfume do mangericão, dos seus conversados.
Soltam
cantigas poéticas, admiráveis, lindíssimas, como esta:
Á
Senhora da Peneda
Nos
leva meigo luas,
Sendo
o nosso pegureiro
Nos
tempos do verbo amar.
De
mistura com toda esta jovialidade alacre, como que espadanando-se em
gaiatices e alegria santa, fervilha a devoção por essas veredas
montanhosas. São pessoas que ali vão sem falla; outras sem comer
nem beber; e ainda outras com velas de cera e valiosas promessas;
enquanto lá muitos penitentes sobem a longa escadaria de joelhos ou
dentro de caixões. É a fé arreigada do povo humilde a expandir-se
sinceramente em manifestações comoventes.
Mas,
por outro lado, o aspecto da romaria é deveras interessante e único,
com varias patuscadas, as mais alegres travessuras, e as delicias
ruidosas do vira e da caninha verde, ora
entre amigas e conversados, ora com guapas hespanholas, que ali
affluem.
A
graça da vida aroal distribui por ali os seus melhores beijos, as
suas mimosas caricias, a sua mais enternecida crença, o seu mais
expansivo prazer. Parece até que um côro uníssono de vozes, quer
ridentes e satisfeitas, quer sentimentaes e sinceras, se levanta para
o Azul immenso, bemdizendo a ventura intima da vasta
família campesina.
E,
decorridos alguns dias de constante diversão amiga, elles lá
voltam, com braçados de carqueja e cobertos de pó, para os seus
lares tão simples, trocando os pandeiros pela enxada, mas sempre com
um êxtase de satisfação bemdita a acalentar-lhes os peitos e
um sorriso casto a reflorir momento a momento nas pétalas carminadas
de garrulas moçoilas.”
In:
Caldas, José Luiz de (1918). A Senhora da Peneda. In O. Xavier
Cordeiro (dir.), Novo Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro
para o anno de 1919, (pp. 77-78). Lisboa: Parceria António Maria
Pereira, Livraria Editora.
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