sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A lenda da Inês Negra contada a crianças pelo escritor José Jorge Letria




A lenda da Inês Negra tem como pano de fundo um facto histórico ocorrido em 1388 durante o cerco à praça-forte de Melgaço. O cronista Fernão Lopes deixou relatado que “nesse dia escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da villa, e outra do arraial”. Apenas já durante a segunda metade do século XIX é que a heroína aparece em alguma bibliografia com o nome de Inês Negra e são deste período as primeiras versões escritas da lenda, nomeadamente a contada pelo professor Pinho Leal no seu livro “Portugal Antigo e Moderno".
Já no primeiro terço do século XX aparecem a versão do Conde de Sabugosa no seu livro “Neves de Antanho” e a lenda contada por Júlio Dantas. Recentemente, apareceu publicada em livro infantil, a lenda da Inês Negra contada pelo escritor José Jorge Letria. A história é contada nestes termos:

"UM DUELO POR PORTUGAL

A História de Inês Negra

Tudo aconteceu no ano de 1388, quando D. João I, o Mestre de Avis, lutava para defender as fronteiras portuguesas dos constantes ataques dos castelhanos, que não desistiam de nos subjugar.
Quando os castelhanos ocuparam Melgaço, no norte de Portugal, Inês, uma mulher do povo que ficou conhecida na História como Inês Negra, abandonou essa praça-forte, mas fez uma jura:
Eu hei de voltar, e há de ser para ajudar a expulsar o inimigo.
E cumpriu a promessa. Quando as tropas portuguesas avançaram para a reconquista de Melgaço, Inês juntou-se a elas, disposta a tudo para ver o invasor derrotado. A batalha final entre os dois exércitos, segundo reza a lenda, acabou por nunca acontecer, já que o seu lugar foi ocupado por duas mulheres apenas.
Inês, do lado português, e a Arrenegada, do lado dos castelhanos. Embora sendo portuguesa, esta defendia-os com unhas e dentes. Foi ela que do alto das muralhas do castelo desafiou Inês Negra para um combate corpo a corpo. Inês logo aceitou o repto, empunhando uma espada e contando com o apoio caloroso dos soldados do Mestre de Avis. A Arrenegada, com um golpe certeiro, conseguiu arrancar a espada das mãos de Inês, mas esta serviu-se de uma forquilha, tentando atingir a adversária nas pernas. Seguiram-se alguns golpes certeiros e outros falhados, e muitos gritos e ameaças.
Depois de ser golpeada nas costas com um varapau, Inês Negra, já sem arma para se defender, atirou-se à Arrenegada com tamanha fúria, que esta, já muito mal tratada, correu a refugiar-se dentro do castelo, enquanto as tropas portuguesas apertavam o cerco ao invasor. Só não ouviu quem não quis a valente Inês a gritar:
- Assim como eu te venci, ó Arrenegada, assim as tropas do Mestre de Avis hão de vencer os castelhanos!
E foi o que acabou por acontecer, mesmo sem ali se travar uma batalha. Percebendo que o cerco iria ser longo e sem saída, os castelhanos acabaram por abandonar aquela praça-forte, entregando-a às tropas portuguesas. Assim se evitou um confronto sangrento.
- Como recompensa, dar-te-ei o que me pedires pelo feito que praticaste – anunciou o Mestre de Avis à brava Inês Negra.
Mas esta, altiva, respondeu ao seu rei:
- Senhor, ver o invasor vencido é a maior de todas as recompensas. Sou uma pobre mulher do povo e assim irei continuar, lutando sempre por aquilo em que acredito.
Haverá quem diga que toda esta história é fruto da imaginação de um povo que gosta de ser independente e soberano. Porém, existe na entrada de Melgaço uma estátua que faz perdurar a lenda e a memória da coragem de uma mulher portuguesa do século XIV: a Inês Negra."



Extraído de: LETRIA, José Jorge (2013) - Histórias Curiosas da Nossa História. Oficina do Livro.

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