A
lenda da Inês Negra tem como pano de fundo um facto histórico
ocorrido em 1388 durante o cerco à praça-forte de Melgaço. O
cronista Fernão Lopes deixou relatado que “nesse dia
escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da villa, e outra do
arraial”. Apenas já durante a segunda metade do século XIX é
que a heroína aparece em alguma bibliografia com o nome de Inês
Negra e são deste período as primeiras versões escritas da lenda,
nomeadamente a contada pelo professor Pinho Leal no seu livro
“Portugal Antigo e Moderno".
Já
no primeiro terço do século XX aparecem a versão do Conde de
Sabugosa no seu livro “Neves de Antanho” e a lenda contada por
Júlio Dantas. Recentemente, apareceu publicada em livro infantil, a
lenda da Inês Negra contada pelo escritor José Jorge Letria. A
história é contada nestes termos:
"UM
DUELO POR PORTUGAL
A
História de Inês Negra
Tudo
aconteceu no ano de 1388, quando D. João I, o Mestre de Avis, lutava
para defender as fronteiras portuguesas dos constantes ataques dos
castelhanos, que não desistiam de nos subjugar.
Quando
os castelhanos ocuparam Melgaço, no norte de Portugal, Inês, uma
mulher do povo que ficou conhecida na História como Inês Negra,
abandonou essa praça-forte, mas fez uma jura:
—
Eu
hei de voltar, e há de ser para ajudar a expulsar o inimigo.
E
cumpriu a promessa. Quando as tropas portuguesas avançaram para a
reconquista de Melgaço, Inês juntou-se a elas, disposta a tudo para
ver o invasor derrotado. A batalha final entre os dois exércitos,
segundo reza a lenda, acabou por nunca acontecer, já que o seu lugar
foi ocupado por duas mulheres apenas.
Inês,
do lado português, e a Arrenegada, do lado dos castelhanos. Embora
sendo portuguesa, esta defendia-os com unhas e dentes. Foi ela que do
alto das muralhas do castelo desafiou Inês Negra para um combate
corpo a corpo. Inês logo aceitou o repto, empunhando uma espada e
contando com o apoio caloroso dos soldados do Mestre de Avis. A
Arrenegada, com um golpe certeiro, conseguiu arrancar a espada das
mãos de Inês, mas esta serviu-se de uma forquilha, tentando atingir
a adversária nas pernas. Seguiram-se alguns golpes certeiros e
outros falhados, e muitos gritos e ameaças.
Depois
de ser golpeada nas costas com um varapau, Inês Negra, já sem arma
para se defender, atirou-se à Arrenegada com tamanha fúria, que
esta, já muito mal tratada, correu a refugiar-se dentro do castelo,
enquanto as tropas portuguesas apertavam o cerco ao invasor. Só não
ouviu quem não quis a valente Inês a gritar:
-
Assim como eu te venci, ó Arrenegada, assim as tropas do Mestre de
Avis hão de vencer os castelhanos!
E
foi o que acabou por acontecer, mesmo sem ali se travar uma batalha.
Percebendo que o cerco iria ser longo e sem saída, os castelhanos
acabaram por abandonar aquela praça-forte, entregando-a às tropas
portuguesas. Assim se evitou um confronto sangrento.
-
Como recompensa, dar-te-ei o que me pedires pelo feito que praticaste
– anunciou o Mestre de Avis à brava Inês Negra.
Mas
esta, altiva, respondeu ao seu rei:
-
Senhor, ver o invasor vencido é a maior de todas as recompensas. Sou
uma pobre mulher do povo e assim irei continuar, lutando sempre por
aquilo em que acredito.
Haverá
quem diga que toda esta história é fruto da imaginação de um povo
que gosta de ser independente e soberano. Porém, existe na entrada
de Melgaço uma estátua que faz perdurar a lenda e a memória da
coragem de uma mulher portuguesa do século XIV: a Inês Negra."
Extraído de: LETRIA, José Jorge (2013) - Histórias Curiosas da Nossa História. Oficina do Livro.
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