Vista parcial sobre S. Paio (Foto de Annabelle Pereira) |
Recuamos
cerca de 300 anos até S. Paio, freguesia deste concelho de Melgaço.
Na sua igreja paroquial, no dia 13 de Março de 1703, sob a coordenação
de um tal Padre João de Nápoles Loureiro, decorre uma reunião da
Comissão do Processo de Inquirição de Genere referente a um tal
António Dias de Castro, clérigo natural do lugar de Carvalha Furada. Antes
de mais, é importante esclarecer os leitores o que é exatamente uma
Inquirição de Genere, um instrumento jurídico criado pela Igreja
Católica que visava verificar se a pessoa em causa é de “sangue
limpo”.
Nessa
época, há 300 anos, para se poder enveredar pela carreira
eclesiástica, como ser padre por exemplo, era condição obrigatória
que o candidato, além de católico de conduta exemplar, fosse de
“sangue limpo”, ou seja, que os seus pais e restantes ascendentes
fossem cristão católicos não podendo ser convertidos, ou seja,
cristão novos. Assim, qualquer indivíduo que tivesse pais ou avós
mouros, judeus ou de outras confissões bem como cristãos novos, não
poderia nunca seguir a carreira eclesiástica.
De
facto, a Inquisição forçou judeus e mouros a converterem-se ao
cristianismo mas criou-lhes uma barreira intransponível pois os
cristãos-novos estavam manchados pelo “pecado” da sua origem.
Consequentemente, era exigida limpeza de sangue. Qualquer suspeita
quanto à sinceridade religiosa dos cristãos, originava uma rigorosa
discriminação quanto à sua admissão a benefícios eclesiásticos.
Uma
Inquirição de Genere consistia numa averiguação que incluía
interrogatórios a diversas testemunhas acerca das origens familiares do candidato a uma carreira ou cargo eclesiástico bem como acerca dos seus usos e costumes.
Assim
sendo, foram chamadas várias testemunhas para falarem acerca do tal
António Dias de Castro e
da sua família para se saber se provinha de uma família cristã.
A primeira testemunha é um tal Pedro Cyntrão, morador no lugar das
Cavencas, da mesma freguesia de S. Paio e disse, quando interrogado
que “…
conhecia muito bem o justificante António Dias de Castro e sabe ser
o próprio e conhecido nesta Comissão que he natural e morador do
lugar de Carvalha Furada.” Acrescentou que “...sabia ser o
justificante filho legítimo de António de Castro e de sua mulher já
defunta Páschoa Rodrigues e morador do dito lugar de Carvalha
Furada, ella natural dos Lourenços, ambos lugares desta freguesia,
(…) filho legítimo matrimónio, he o justificante tido, havido e
de todo respeitado por tal sem haver outra fama.
(…)
Disse que sabia ser o justificante neto pela parte paterna de
Gonçallo Dias natural da freguesia de Parada do termo de Valladares
e de sua mulher Maria de Castro natural do lugar do Fecho freguesia
de Rouças, e pela parte paterna de Pedro Rodrigues, natural do lugar
de Cavaleiro
Alvo e de sua mulher Maria Rodrigues natural do lugar dos Lourenços,
lugares desta freguesia de S. Paio e que estes avós paternos e
maternos, afirma, eram todos lavradores honrados
que
viviam de suas fazendas e que não tinham alguma alcunha e que a
estes os conhecia por tempo de trinta anos e que nesse tempo os
conversou e tratou por neto dos sobreditos…
Em
relação à limpeza de sangue, a testemunha afirma que “o
justificante, por si e pelos ditos pais e avós paternos e maternos é
cristão velho inteiro limpo, e de limpo sangue e geração sem ter
raça alguma de cristão novo, ou de outra alguma infecta nação das
contendas, nem disso há fama, nem rumor, em contrário, se a houvera
a saberia por elle testemunha ter muito conhecimento das sobreditas
pessoas...”
De
seguida, são chamadas outras testemunhas para serem interrogadas
acerca de António Dias de Castro, nomeadamente um tal Francisco
Álvares do lugar da Veiga, e um tal de João Domingues do lugar do
Paço e que se limitam a confirmar as informações dadas pela
primeira testemunha.
De
seguida, é chamado a testemunhar um tal Luís Gomes, também do
lugar do Paço. Em relação às origem e aos costumes da família do
candidato, confirma as informações dadas pelos testemunhos
anteriores. Contudo, em relação àquilo que se entende por “pureza
de sangue” é bastante mais explicito quando “disse que o
justificante, por si e pelos ditos seus pais e avós paternos e
maternos, he christão velho inteiro, limpo e de limpo sangue, e
geração sem ter raça alguma de judeu, mouro, mulato, mourisco, ou
de outra infecta nação...”
De
seguida, os membros desta Comissão rumaram a Rouças realizar
inquirições para aferir da “limpeza de sangue” da avó materna
do justificante, natural daquela freguesia.
Depois
de todas os trâmites do processo, no dia 14 de Março desse mesmo
ano de 1703, o Padre João de Nápoles Loureiro redigiu o veredicto nos seguintes termos: “Certifico eu, João de Nápoles Loureiro,
abade da ifreja de Sta. Eulália de Valladares que fiz inquirição
que me foi encomendada (…) que o justificante por si e pelos ditos
seus pais, avós paternos e maternos, é christão velho inteiro,
limpo de sangue e geração...”.
Informações extraídas de:
- Portugal,
Braga, Processos de Habilitação Sacerdotal (Genere et Moribus),
1596-1911,"
images, FamilySearch (https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:3QS7-89CS-N46J?cc=2125025&wc=SSVC-H67%3A363118001%2C363228501%2C363233901%2C363236101
: 10 June 2014), Viana do Castelo > Melgaço > São Paio >
Processos de habilitação sacerdotal, Pasta 695, 1703 > image 13
of 17; Arquivo Distrital de Braga (Braga District Archive, Braga).
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