sexta-feira, 30 de agosto de 2019

S. Paio de Melgaço (1703) - O que é um clérigo de "sangue limpo"?

Vista parcial sobre S. Paio
(Foto de Annabelle Pereira)



Recuamos cerca de 300 anos até S. Paio, freguesia deste concelho de Melgaço. Na sua igreja paroquial, no dia 13 de Março de 1703, sob a coordenação de um tal Padre João de Nápoles Loureiro, decorre uma reunião da Comissão do Processo de Inquirição de Genere referente a um tal António Dias de Castro, clérigo natural do lugar de Carvalha Furada. Antes de mais, é importante esclarecer os leitores o que é exatamente uma Inquirição de Genere, um instrumento jurídico criado pela Igreja Católica que visava verificar se a pessoa em causa é de “sangue limpo”.
Nessa época, há 300 anos, para se poder enveredar pela carreira eclesiástica, como ser padre por exemplo, era condição obrigatória que o candidato, além de católico de conduta exemplar, fosse de “sangue limpo”, ou seja, que os seus pais e restantes ascendentes fossem cristão católicos não podendo ser convertidos, ou seja, cristão novos. Assim, qualquer indivíduo que tivesse pais ou avós mouros, judeus ou de outras confissões bem como cristãos novos, não poderia nunca seguir a carreira eclesiástica.
De facto, a Inquisição forçou judeus e mouros a converterem-se ao cristianismo mas criou-lhes uma barreira intransponível pois os cristãos-novos estavam manchados pelo “pecado” da sua origem. Consequentemente, era exigida limpeza de sangue. Qualquer suspeita quanto à sinceridade religiosa dos cristãos, originava uma rigorosa discriminação quanto à sua admissão a benefícios eclesiásticos.
Uma Inquirição de Genere consistia numa averiguação que incluía interrogatórios a diversas testemunhas acerca das origens familiares do candidato a uma carreira ou cargo eclesiástico bem como acerca dos seus usos e costumes.
Assim sendo, foram chamadas várias testemunhas para falarem acerca do tal António Dias de Castro e da sua família para se saber se provinha de uma família cristã. A primeira testemunha é um tal Pedro Cyntrão, morador no lugar das Cavencas, da mesma freguesia de S. Paio e disse, quando interrogado que “… conhecia muito bem o justificante António Dias de Castro e sabe ser o próprio e conhecido nesta Comissão que he natural e morador do lugar de Carvalha Furada.” Acrescentou que “...sabia ser o justificante filho legítimo de António de Castro e de sua mulher já defunta Páschoa Rodrigues e morador do dito lugar de Carvalha Furada, ella natural dos Lourenços, ambos lugares desta freguesia, (…) filho legítimo matrimónio, he o justificante tido, havido e de todo respeitado por tal sem haver outra fama. (…) Disse que sabia ser o justificante neto pela parte paterna de Gonçallo Dias natural da freguesia de Parada do termo de Valladares e de sua mulher Maria de Castro natural do lugar do Fecho freguesia de Rouças, e pela parte paterna de Pedro Rodrigues, natural do lugar de Cavaleiro Alvo e de sua mulher Maria Rodrigues natural do lugar dos Lourenços, lugares desta freguesia de S. Paio e que estes avós paternos e maternos, afirma, eram todos lavradores honrados que viviam de suas fazendas e que não tinham alguma alcunha e que a estes os conhecia por tempo de trinta anos e que nesse tempo os conversou e tratou por neto dos sobreditos…
Em relação à limpeza de sangue, a testemunha afirma que “o justificante, por si e pelos ditos pais e avós paternos e maternos é cristão velho inteiro limpo, e de limpo sangue e geração sem ter raça alguma de cristão novo, ou de outra alguma infecta nação das contendas, nem disso há fama, nem rumor, em contrário, se a houvera a saberia por elle testemunha ter muito conhecimento das sobreditas pessoas...
De seguida, são chamadas outras testemunhas para serem interrogadas acerca de António Dias de Castro, nomeadamente um tal Francisco Álvares do lugar da Veiga, e um tal de João Domingues do lugar do Paço e que se limitam a confirmar as informações dadas pela primeira testemunha.
De seguida, é chamado a testemunhar um tal Luís Gomes, também do lugar do Paço. Em relação às origem e aos costumes da família do candidato, confirma as informações dadas pelos testemunhos anteriores. Contudo, em relação àquilo que se entende por “pureza de sangue” é bastante mais explicito quando “disse que o justificante, por si e pelos ditos seus pais e avós paternos e maternos, he christão velho inteiro, limpo e de limpo sangue, e geração sem ter raça alguma de judeu, mouro, mulato, mourisco, ou de outra infecta nação...
De seguida, os membros desta Comissão rumaram a Rouças realizar inquirições para aferir da “limpeza de sangue” da avó materna do justificante, natural daquela freguesia.
Depois de todas os trâmites do processo, no dia 14 de Março desse mesmo ano de 1703, o Padre João de Nápoles Loureiro redigiu o veredicto nos seguintes termos: “Certifico eu, João de Nápoles Loureiro, abade da ifreja de Sta. Eulália de Valladares que fiz inquirição que me foi encomendada (…) que o justificante por si e pelos ditos seus pais, avós paternos e maternos, é christão velho inteiro, limpo de sangue e geração...”.







Informações extraídas de:
- Portugal, Braga, Processos de Habilitação Sacerdotal (Genere et Moribus), 1596-1911," images, FamilySearch (https://familysearch.org/ark:/61903/3:1:3QS7-89CS-N46J?cc=2125025&wc=SSVC-H67%3A363118001%2C363228501%2C363233901%2C363236101 : 10 June 2014), Viana do Castelo > Melgaço > São Paio > Processos de habilitação sacerdotal, Pasta 695, 1703 > image 13 of 17; Arquivo Distrital de Braga (Braga District Archive, Braga).


Sem comentários:

Enviar um comentário