Nos
anos
40 do século passado, os tempos eram de muitas dificuldades em
Melgaço e na generalidade do nosso país. Em 1946, a nossa terra
recebe uma visita muito especial, o
Padre Américo, fundador da Casa do Gaiato e da Obra da Rua, uma das
obras sociais mais meritórias alguma vez criadas no nosso país,
dedicada às
crianças. O
Padre Américo conta-nos alguns pormenores dessa sua viagem à nossa
terra num artigo na publicação “O Gaiato”, revista da sua obra
social com o título De
como eu fui a Melgaço:
“Fui
sim
senhor. Um sacerdote
dali,
pediu-me
que
fosse
à vila
dizer
da Obra
da Rua e
eu
não
me
fiz
rogado.
Foi
num domingo. Cheguei às
catorze e quê
e
logo
me dirigi à
igreja
dum
convento
que
fora de frades
franciscanos.
Como
os conventos
arruinados
não
falam à
alma
da
gente!
Se
ao
menos houvesse
uma
força
que os destruísse como
a
houve
para os arruinar,
eles
hoje
não
se
queixariam,
nem
nós
os chorávamos.
Não
existiam
e acabou-se. Mas
não.
Eles
estão.
O
povo da
vila
e aldeias esperava. Crianças pediram,
no
fim. Com
o ser moedas pequeninas, a
soma foi
tida por considerável,
para
os costumes da
terra.
Notava-se um
mar de garotos
na assistência.
Farrapões
autênticos.
Rapazes abandonados.
Que
será isto, dizia eu
com os
meus
botões?!
Uma
vila tão pequenina,
e
tantos
filhos sem pai - que será?! Entrado
que
fora na casa
aonde
me
quiseram instalar,
e que
bem, começa
a vir uma
bicha de Mães
em
cata do tal
padre que recebe
meninos. Era eu. Passou palavra,
e
aquelas
Mães facilmente
acreditavam,
que
essa
era a minha
missão.
“Leve-me
este”!
Eram
chusmas.
Rapazes
fortes, sadios,
muito sujos, todos repelentes.
As
mães
da
mesma sorte. Nunca tal vira!
No
dia
seguinte, o.
Senhor
aonde
pernoitei,
quis que eu
fosse
até S. Gregório,
ver onde
é
que
Portugal começa.
Fomos.
O amigo
Pires também
foi. O
Pires
é
o
mecânico da terra, chamado
para
tudo, por todos, desde Melgaço até
Monção.
E'
um homem de rara habilidade, sempre pronto a
servir.
O
nosso
jornal tem nele um amigo.
Não
assina,
mas
lê um que lhe emprestam e faz comícios!
O
Pires
guiava.
Em
10 minutos chegamos.
Lá
estava a
ponte,
guarda
de
cá guarda de lá, a
dizer
que portugueses e espanhóis não são
tão irmãos, como
praí
se afirma.
Pires
apontou uma casa lá no fundo, mesmo à
beirinha
do Minho:
-Sabe
de que é feita aquela
casa?
-Sei
sim senhor. É de
pedra e cal.
-Não
é
não
senhor.
-
?!
É
feita de sabão e
de
bacalhau!
E
o meu amigo, conta
de
como o dono dela, pedreiro que era, passou a senhor. Como aquele,
muitos
outros por ali.
Contou-me
coisas
negras
do comércio
negro,
e foi então que eu dei no vinte.
Compreendi
num instante a presença de inúmeras crianças abandonadas na vila
de
Melgaço.
Abandonadas
da família que é justamente o pior dos abandonos. É o sangue a
repelir
o sangue.
Já
cá se sabia há muitos séculos que a ambição
dos homens gera necessariamente a miséria.
Já
se sabia, mas ele
é bom
que o povo dê estas lições ao mundo,·
para
bem dos que não acreditam na lição do Evangelho.
Para
que esses
vejam e acreditem
e se convertam à
Pobreza.
O
Evangelho
também é pregado na vila
de
Melgaço, à
moda
dos seus habitantes. Ouvi
eu.
As
mulheres diziam
assim:
Padre,
porque esta nossa gente
se
ocupa no comércio
negro,
é
que
nós lhe
trazemos
estes filhos assim,
sem
pai!
Comércio
negro!
Casas feitas de bacalhau e
de
sabão!
Quantas delas, sepultura dos seus donos.
Como
gosto
eu
do qualificativo negro!
É
o
mesmo
que
se
atribui à cor
da fome, à
cor da
morte!
Desgraças
de mãos
dadas!"
Extraído de:
- Revista "O Gaiato", edição de 28 de Dezembro de 1946.
Ler estas histórias, compreende-se melhor os atrasos de Portugal!
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