sábado, 4 de abril de 2020

As mais antigas referências documentais às terras de Cristóval (Melgaço): a primitiva vila de Doma



As mais antigas referências aos lugares da atual freguesia de Cristóval datam de há quase 800 anos e constam em documentos do mosteiro de Fiães que pertencem ao chamado Livro de Datas. Nos documentos mais antigos, fala-se da vila de Doma, nome atual de um dos lugares da freguesia. Este lugar, em tempos antigos, deve ter sido o mais importante desta terra, já que dava nome ao atual rio Trancoso. Nesse tempo, chamavam-lhe rio Doma, sendo que apenas no século XVII encontramos documentos com a designação de Ribeira ou Rio das Barges para este curso de água. A designação de Rio Trancoso é apenas usada de forma vulgar desde há pouco mais de um século. Ainda hoje, a localidade do lado galego, em frente a S. Gregório, se chama Ponte Barxas, tal como se chamava ao local, do lado português, onde se situava a antiga ponte internacional se dava o nome de Ponte das Várzeas. 
Nesta freguesia também se localiza o lugar mais a norte de Portugal: Cevide. A origem do seu nome devemos procurá-la relacionando-o com o sítio do outro lado do Trancoso chamado Acibido. Este deve ter relação com nomes de outras localidades na Galiza como AcevedoAceredo ou, em Portugal, Azevedo. Ainda no século XVIII ou início de XIX, este lugar da freguesia de Cristoval era chamado de Cevido. Qual o significado de Azevedo no português arcaico? Significa “terreno com azevos”, ou seja, com arbustos espinhosos.  
Como se disse atrás, Doma seria o lugar mais importante desta terra mesmo antes de o nome da freguesia começar a aparecer nos documentos que conhecemos. Contudo, em meados do século XVIII, o pároco diz-nos que na época S. Gregório era já o lugar mais extenso da freguesia. 
O padre Bernardo Pintor, no seu livro “Melgaço Medieval”, mostra-nos o conteúdo dessas referências mais antigas aos lugares desta freguesia e em particular à vila de Doma. O documento mais antigo que cita Doma data de 1142, ou seja é anterior à nacionalidade portuguesa. Nesse ano, a 12 de Dezembro, um tal Fernando Tedão, tendo entrado para o convento de Fiães, fez-lhe doação do seu casal e herdade em Doma. Para evitar futuras dúvidas, historiou as andanças da propriedade por diversos donos durante os últimos cinquenta anos. Já naquele tempo, ele mandou escrever no documento estas palavras: “os actos dos antepassados extinguir-se-iam se não fossem escritos para conhecimento dos vindouros. 
Doma é terra que nos aparece referenciada muitas vezes através dos tempos e deve ter sido importante em recuados tempos como no-lo prova o facto de o regato, atualmente Trancoso, ter sido conhecido pelo nome de Doma, sendo desde sempre linha de fronteira neste setor. 
Nos documentos do mosteiro de Fiães, voltamos a ter referências a Doma. No ano de 1162, um tal Pelágio Furtado fez doação ao convento de Fiães do seu casal em Doma chamado Rando. Nesta época, encontramos diversos documentos que atestam que o mosteiro de Fiães aumentou muito o seu património em termos de terras na atual freguesia de Cristóval.  
Assim, além dos citados, tem dois documentos em que pela primeira vez se referem a Cristóval explicitamente. O mais antigo é de 1182 em que um tal Mendo Gonçalves testa a Fiães a sua herdade que jaz na vila de Cristóval com os seus termos e lugares, com a sua parte na igreja de S. Martinho de Cristoval, com as pesqueiras e tudo o mais que lhe pertence, incluindo o seu quinhão de Quintã do outro lado de Monte Redondo (Galiza). Mendo Gonçalves devia ser uma pessoa importante para ter uma parte na igreja. 
Um outro documento data de 1189 em que um tal Pedro Gonçalves, com a sua mulher, filhos e filhas, vendeu ao mosteiro de Fiães por oitenta moios a sua herdade vinda de seus antepassados e situada em Cristóval, sob o Monte de Aveleira, junto do rio Doma a correr para o Minho, excetuando a parte eclesiástica e a pesqueira da Touça. Possivelmente, as duas pessoas citadas nos documentos seriam irmãos a julgar pelo apelido e pelo facto de ambos terem quinhão na igreja e pesqueiras, dando-se o contraste de um incluir e outro excluir a parte da igreja e pesqueiras. 
Além dos citados, outros dois documentos nos falam de Doma, ambos datados de 1190. No primeiro, uma tal de Sancha Pais e o seu filho João Raimundo cedem ao mosteiro de Fiães meio casal em Doma, chamado Rando com os lugares e termos antigos e mais todas as pertenças. Num outro documento do mesmo ano, um tal Mendo Pais, cede um casal em Doma chamado Lama. Ambos situados sob a igreja de S. Martinho de Cristóval. A indicação “sob” nem sempre se pode entender por situação mais baixa. Aparece-nos em documentos antigos a explicar uma subordinação. Aqui pode interpretar-se pela situação das propriedades no âmbito da igreja de S. Martinho, ou seja, na sua paróquia. 
Ainda do século XII, temos um outro documento onde se cita Cristóval. Em 1195, um tal Soeiro Afonso vendeu a D. Pedro, abade de Fiães, e ao seu convento, a sua herdade que recebeu de seu pai. Entrega-a com todos os seus termos e lugares, sita no lugar chamado Cristóval, sob o monte da Aveleira, correndo o rio Doma para o Minho. Recebeu de preço um cavalo avaliado em onze morabitinos e cem soldos e uma capa, e pela róbola, um carneiro. 
Um outro documento de 1202 fala-nos de Cristóval. Uma tal Onega Rodrigues. Mór Rodrigues e Maria Rodrigues, juntamente com seus filhos e filhas, fizeram a D. João, abade de Fiães, e seu convento, carta de venda da sua herdade própria que receberam de seus pais e avós. Venderam-na com os seus termos, lugares antigos, montes e fontes. 
Temos ainda um documento de 1210, muito importante para a história de Cristóval, pois fala-nos do Paço, que era onde morava o senhor da vila. Naquele, João Raimundo e sua mãe doaram ao mosteiro de Fiães uma herdade situada em Doma, chamada de Palacio, nome que geralmente deriva para Paço. O Paço era a morada da autoridade que poderia ser de toda a terra de Cristóval ou apenas da vila de Doma. Atualmente, não existe nesta freguesia nenhum lugar ou sítio chamado Paço. 
A dita doação foi feita em sufrágio de suas almas, de seus antepassados e de todos os fiéis defuntos em louvor de Santa Maria de Fiães, e para construir a igreja por mão do abade, seu convento e cabido.  
Aqui tem os investigadores referência à construção da igreja de Fiães, de que restam a capela mor e as das naves laterais com abóboda de cantaria.  
Uma outra escritura data de 1217. Nesse ano, um tal Munho Fernandez, juntamente com as suas irmãs Maria, Urraca e Guncina, vendeu ao mosteiro de Fiães a sua herdade chamada Doma, que lhe veio de sus avós, com saídas e entradas, montes, águas, pedras móveis e imóveis, culto e inculto. O preço foi cinquenta soldos, e de róbora um cabrito muito bom. 
Há outro documento deste mesmo ano que tem por objeto parte da herdade do documento acabado de referenciar. O abade D. Diogo, com o seu convento e cabido de Fiães fez uma troca com Urraca e clérigos de S. Pedro de Crecente (Galiza). Fiães deu uma sexta parte de um casal que tinha por compra feita a Munho Fernandez e suas irmãs, casal esse em Doma, sem as árvores e seus quinhões em Pico, e recebeu a porção que os outros tinham em Pico a partir com Agro-Longo, Agro de Galinhas e via pública. Ambas as escrituras foram lavradas em Março, não referindo o dia. 
Vejamos ainda um outro documento interessante de 1223. Nele, um tal Nuno Fernandez e sua irmã Urraca, doaram ao mosteiro de Santa Maria de Fiães, na pessoa do seu abade D. Gonçalo, metade de um casal na vila chamada Doma, quanto tinham na igreja de Cristóval, na igreja de Padrenda, em S. João de Crespos e S. Miguel de Britamil e quanto tinham em todos os termos das vilas das mesmas igrejas. Urraca Fernandez recebeu 7 soldos pela róbora do documento. Deram mais seus quinhões nas pesqueiras do rio Minho. No fim, menciona-se o rei de Leão e não o de Portugal naturalmente por serem em terras galegas as três igrejas mencionadas a par com a de Cristóval. 
Temos ainda referência à vila de Doma num documento de 1226. Nele D. Pedro, abade de Celanova e seu convento cederam a D. Gonçalo, abade de Fiães e seu convento, um casal em Doma legado por um tal Álvaro Munhós, militar, recebendo em troca o casal de Gandarela que Fiães recebera de D. Elvira Joanes em sufrágio pela alma do seu marido e por 280 soldos que lhe deram e mais toda a herdade que teve em Orga o monge de Fiães, Mendo Dias. 
É importante também fazer alusão a um documento de 1243. No mesmo, se menciona Cristóval com categoria de paróquia. Fernando Pires, filho de um tal Pedro Maravilhas, vendeu ao mosteiro a sua parte no Pomar de Onego que lhe adveio por sucessão de seu pai. Vendeu-o “com todos os seus direitos e pertenças em toda a paróquia de Cristóval”, pelo preço de 30 soldos e de róbora um sesteiro de pão. 
Faço alusão a um último documento que provam que o mosteiro de Fiães foi progressivamente alargando as suas posses de terras em Cristóval. Nesse sentido, em 1246, um tal Lourenço Martins e sua mulher Guncina Vidal venderam ao abade João e convento de Fiães quanta herdade tinham cerca da vila de Cristóval, no lugar chamado Lédaro, herdade que lhes havia dado o concelho de Melgaço por dinheiro que lhe devia.  
Em 1258, quando se fizeram as inquirições de D. Afonso III, era pároco de Cristóval um tal Martinho Rodrigues. Ele e outros homens importantes da freguesia disseram que as terras da mesma eram reguengas, ou seja, do rei, as terças de Cristóval e Doma fazia parte do couto de Melgaço. 
Nas primeiras inquirições de D. Dinis, feitas em 1290 viu-se que Doma não era um lugar privilegiado. 
Nas inquirições de D. Dinis de 1307, foi de novo notado que lugares como Doma, e a granja que o mosteiro de Fiães aí tinha, era lugar devasso, isto é sem privilégios quanto a impostos, todo o lugar de Doma. 
Desta forma, através de documentos pertencentes ao mosteiro de Fiães, ficamos alguns conhecimentos acerca dos registos documentais mais antigos com referências a lugares de Cristóvalparticularmente Doma, sendo este durante bastante tempo o lugar mais importante por estes lados. Contudo, é importante ter presente que poderá essa antiga vila não corresponder exatamente ao lugar com esse nome que existe na atualidade nem sabemos a sua delimitação geográfica. 
Sabemos, contudo, que o atual rio Trancoso é desde a independência de Portugal, a linha de fronteira. Nos documentos de Fiães, sempre apareceram mencionadas as autoridades portuguesas nas escrituras que referem propriedades em Cristóval, e são mencionadas as de Leão em duas escrituras de Padrenda, freguesia galega que confronta com Cristóval do outro lado do outrora chamado Rio Doma. 
Com a consolidação da fronteira, a importância de S. Gregório cresceu e tornou-se como o maior lugar da freguesia. Se observarmos as Memórias Paroquiais de 1758, verificamos que o número de fogos em S. Gregório é destacadamente superior em relação a qualquer um outro. Prosperou até à abertura das fronteiras já em tempos recentes... 

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