Se folhearmos o jornal “Commercio do Minho”, na sua edição de 18 de Setembro de 1900, podemos ler na sua primeira página, um artigo intitulado “Uma Carta de Melgaço”, onde o autor nos conta como eram passados os dias nas Termas do Peso há mais de 120 anos. O autor conta-nos que “...Achando-me aqui, de que lhe poderei falar senão destas águas e vida que n’ellas passam os que aqui vêm buscar cura para seus incómodos, nomeadamente de estômago e diabetes, ou retemperar as forças e lavar este complicado mundo interior?
Quer saber com que aqui se mata, ou como se passa o tempo? Pouco mais ou menos como nas demais estações; mas aqui poderá haver algo de caracteristico: é como que a vida de família. De manhã, até às 8 e meia horas, correm os aquistas para a nascente, que d’aqui dista uns 800 metros, de caminho pela estrada real, havendo madrugadores e refratários mas vão todos tomar as doses, dando-se então as consultas médicas. Às 8 e meia, vêm os aquistas retardatários em caminho do hotel, onde os espera ás 9 horas o almoço, a que geralmente se atiram com gana, que faz desapparecer travessas de bifes, de ovos estreitados ou em omelete, peixe — pescada, corvina, goraz, etc.; tudo depois sossegado com chávenas de café com leite, ou leite, ou chá, ou chá com leite, segundo o gosto de cada um, e pão com manteiga.
Os apreciadores elogiam muito a manteiga da fábrica de Coura. Eu nada digo sobre o caso, porque ainda não a provei, nem é coisa de que use. Eu tenho para mim que a melhor é sempre suspeita. Em que se consome no paiz tanta margarina que nos entra pelas alfândegas?... Os amadores passam adiante, e lambem-lhe os beiços. Pois que lhes faça muito bom proveito.
Terminado o almoço ás 10 horas, pouco depois se distribuem os aquistas em grupos no salão, em frente do hotel; outros se deitam por esses caminhos fora em deleitoso passeio; uns leem, outros conversam, e alguns, algumas vezes se entretêm na bisca ou voltarete: isto, ainda assim, raramente.
Às 2 horas da tarde, toca a corneta do carro ripert que chega a porta para levar os aquistas às Águas, que sem tal commodidade eram do penoso acesso, em dias quentes, e a tal hora. N’este vaivém anda até às 3 e meia horas da tarde, em que traz os últimos aquistas. O carro ripert é propriedade do hotel, que cobra de cada aquista, 1$5000 réis, qualquer que seja o tempo por que se demore, 15 dias, ou 30, ou 60, ou toda a temporada, de Maio a Outubro.
Às 4 horas, jantar que termina às 5; e a seguir quase todos, excepto os mais pesados, se espalham em ranchos por esses caminhos fora, em alegres e hygiénicos passeios, que todos para aqui são lindos, na opinião do nosso Pe. Airosa, que é perfilhada por todos, sem distinção.
À volta das 7 horas, começam os ranchos a recolher; pouco depois, os meninos e senhoras e cavalheiros reúnem-se no salão e entretêm-se em jogos de prendas até ao chá, às 9 horas da noite. E de como elles correm alegres e animados possam dar testemunho pela quasquinada das gargalhadas que me ao perto chega; parece que vae tudo abaixo. Que engraçadas coisas para lá não devem ir! Às 10 horas, começa a debandada para os quartos; cada mocho a seu souto; e assim vae indo n’este desfilar sucessivo de modo que às 11 horas recolhem os mais resistentes apreciadores do fresco da noite.
Esqueceu dizer que no intervallo das 11 da manhã às 2 da tarde também algumas prendadas damas tocam piano (está tão constipado, coitado!) e fazem-se ouvir bellas vozes, que os assistentes cobrem de palmas ao terminarem os vários trechos de seu reportório. Algumas vezes também tocam e cantam em seguida do chá, até às 10 e meia da noite, o mais tardar.
Não é vida de bulício, como leio de outras estâncias, e por isso aqui não foram felizes os estúrdios e pândegos. Será um mal? Eu pergunto, antes de responder: Quem vem para aqui é para se divertir e pandegar ou para tratar da saúde? E convirá a esta perder noites em bailaricos, soirées esfalfantes?
Voto por este viver plácido de família contra o reboliço prejudicial dos bailes: estâncias de águas minerais não são salões de carnaval. Cada coisa no seu logar. Descanso, passeio e bons ares do campo é o que agora convém aproveitar...”
Extraído de:
Jornal "O Comércio do Minho" . Folha commercial, religiosa e noticiosa / ed. e propr. José Maria Dias da Costa. Braga : J.M.D. Costa, 1873-1922 (Braga : Typographia Lusitana).CDU: 070(469.112)(05). Descrição Física: 47 cm. Edição de 18 de Setembro de 1900.