José Cândido Gomes de Abreu é uma das personalidades mais célebres da História da nossa terra, responsável pela construção do primeiro hospital neste concelho e um dos culpados pela transformação da vila de Melgaço na segunda metade do século XIX. Foi no tempo em que esteve à frente dos destinos do município que foi demolida boa parte do chamado “Forte da Vila”, além de ter mandado rasgar a Rua Nova de Melo (hoje Rua da Calçada) e a Rua do Rio do Porto, vias estruturantes na vila de Melgaço. Augusto C. Esteves, um dos maiores sábios da história da nossa terra chamou-lhe o "maior melgacense do seu tempo".
Nascido em 1825, viria a ser administrador do concelho e um histórico provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, além de ter sido juiz e um bem-sucedido homem de negócios. A sua notoriedade é descrita num texto publicado há cerca de 130 anos no “Jornal de Melgaço”, por altura do seu 61º aniversário. De facto, na edição de 13 de Agosto de 1896, podemos ler um texto de página inteira que honra e louva tudo aquilo que José Cândido Gomes de Abreu representava para Melgaço na época: ““Passa no próximo domingo, 16 do corrente, o anniversario natalicio d'este venerando e prestimoso cidadão.
Deixaríamos de cumprir um dos mais sagrados deveres, senão comemorássemos esse dia. Seria uma falta indesculpável, senão enfileirássemos hoje nas modestas colunas do nosso humilde semanário o retrato deste cavalheiro, um dos mais distinctos da sociedade aristocrática do norte de Portugal.
Dotado de elevados dotes de coração e d'uma alma e sentimentos que muito o nobilitam, é e tem sido sempre, dizemo-lo ousadamente, um verdadeiro pai da caridade.
Possuidor de uma fortuna considerável, sua excelência divide-a com mão larga pelos necessitados, e rara será a rua d'esta villa onde não resida alguém que seja soccorrido por tão benemérito cidadão. Devido ao seu lucidíssimo espírito e inspirado por uma assiduidade sem rival, têm-lhe sido conferidos cargos de reconhecida importância, desempenhando-se sempre d'elles com a máxima imparcialidade e correcção.
Actualmente, está exercendo o espinhoso cargo de juiz de direito, e, achando-se por isso investido de tão nobres prerrogativas, nem assim deixa de estender a sua mão, como sempre, ao mais humilde dos seus empregados.
Isto não é lisonja, mas sim a pura verdade, porque temos razões, as mais convincentes, para o poder afirmar. Todos, sem distincção de classe, reconhecem demasiadamente a veracidade destas linhas, reconhecimento lhano que facilmente se denuncia em todas as conversações onde o seu nome é invocado.
Homens d'este quilate honram sobremodo a terra que os viu nascer; honram a história de seus antepassados. É desnecessário dizer-se que, devido à iniciativa d'este cavalheiro se devem, senão todos, a maior parte dos melhoramentos d'este concelho.
Faremos especial menção do magnifico Hospital da Misericórdia d'esta villa. Para esta casa de caridade não tem somente sua excelência concorrido com o seu aturado trabalho, mas também com avultadas somas.
Devido também à inconcussa honradez do seu passado, tem sido e ainda é provedor da Santa Casa da Misericórdia d'esta comarca. Os seus actos n'este honrosos cargos não desmerecem, antes aumentam, o conceito de que há muito goza.
Desconhecendo por completo o egoísmo, procede sempre correcto e leal para com todos. É amigo do seu amigo; é franco e sincero em todas as suas conversações; é ríspido quando é preciso e amável para quem lho merece.
É um cavalheiro na verdadeira accepção da palavra. Quiséramos poder dispor de avultados conhecimentos para assim descrevermos minuciosamente os seus feitos.
Sua excelência tem sido indigitada para cargos de summa importância e responsabilidade, em virtude dos muitos recursos intelectuais, conhecimentos e aptidões administrativas de que dispõe.
Em 1866, contra a sua vontade manifesta, foi eleito presidente da municipalidade Melgacense, e pode dizer-se afoutamente que foi desde essa ocasião que tiveram começo a grande carreira de melhoramentos, transformando assim Melgaço, a pátria da famigerada Ignez Negra, n'uma villa, senão asseada, regularmente polida.
Por decreto de 12 de janeiro de 1871, foi nomeado primeiro substituto do juiz de direito d'esta comarca, e, sucessivamente, segundo substituto, pelos decretos de 14 de março de 1872; 8 de março de 1873; 5 de junho de 1874; 10 de junho de 1875; 27 de abril de 1876; 12 de abril de 1877; 27 de junho de 1878; 20 de março de 1879; 21 de maio de 1884 e 3 de setembro de 1885. Em cada um d'estes períodos foi, por muitas vezes, chamado a desempenhar as respectivas funções jurídicas, como agora o está sendo, e nesse desempenho houve-se sempre com a maior constância pelas indicações da lei e escrupulosos dictames da sua consciência.
Em 1879 e 1885 ocupou novamente a cadeira presidencial d'este município, e, de ambas as vezes, soube manter-se sempre devidamente à altura da confiança que o povo de Melgaço d'elle depositará e ainda deposita.
Finalmente, os méritos e grandes feitos de tão prestante cidadão foram publicamente consagrados no decreto de 17 de fevereiro de 1886, que lhe concedeu, como distinção, o hábito da Ordem Militar de N. S. da Conceição de Villa Viçosa.
Não é isso, a nosso ver, recompensa suficiente dos actos de philantropia e da dedicação ao serviço publico, assiduamenle prestados pelo digno agraciado, no entanto é elle uma subida prova da muita consideração e estima para com sua excelência.
Melgaço tributa-lhe também, com justiça, a mais cordeal veneração e respeito, cumprindo assim um dever sagrado. Melgaço, na sua maior parte, adora-o como Deus adora os anjos, porque vê nelle a sua completa grandeza.
Finalmente, o seu nome, quer como homem, quer como funcionário publico, é sobejamente conhecido em grande parte do nosso reino.
Felicitamos, de todo o coração, o mais cordealmente possível este illustrado cavalheiro pelo seu anniversário natalicio; cumprimentamos sua excelência e sua excelentíssima esposa por tão feliz momento; felicitamo-nos a nós mesmo pela alegria que sentimos em noticiar aniversários d'esta natureza, e, por último, enviando-lhe os nossos mais sinceros parabéns, felicitamos lambem os habitantes de Melgaço por possuírem um cidadão tão prestadio.
PREITO DE ADMIRADA
José Cândido Gomes d'Abreu, é um d'esses nomes que tem o condão de recurvar as almas do concelho que se devem orgulhar com a sua posse. Na sua passagem por diferentes ramos da administração publica deixou um rasto luminoso, que a ninguém foi dado realizar e de que hoje gozamos, ainda que é triste é dizê-lo, esfarrapado como capa de pedinte. Figura gigantesca do bem, ainda há poucos annos, como para em nada desmerecer da estima que o concelho lhe tributa e, obedecendo aos impulsos de sua alma, feita d'um altruísmo admirável, empreendeu a obra mais benéfica, que num concelho, sem recursos, pode possuir — um hospital. Este hospital acha-se já concluído e funcionando, o que constitui um padrão de glória para s. excelência que na realização dos seus ideais, tem briIhantemente sabido furtar-se ao nosso meio deletério, que tudo corrompe e absorve, pondo-se sempre em evidência pelas suas obras. Fazer a história dos melhoramentos de Melgaço, é fazer a história do seu vulto mais proeminente, que se chama José Cândido Gomes d'Abreu, porque n'elle se radica tudo o que há ae grande nesta villa. Com a producção d'estes homens, fica a natureza cansada e, nisto, está a causa d'elles serem raros e por isso estimados. Domingo, que elle vence mais um marco miliário da estrada da vida, cumpre-me, em nome da admiração que por elle tenho, vir nas modestas colunas d'este semanário, felicitá-lo.
Um benemérito
As homenagens, prestadas aos grandes homens, representam, cumulativamente, o cumprimento de um dever e uma alta lição de moralidade. O cumprimento de um dever — porque para se ter força d'alma suficiente para resistir às sugestões do egoísmo, para se vencer as baixas tendências da natureza humana, e é preciso ter a fragilidade do coração couraçada pelo arnês diamantino do amor, é preciso ler os ouvidos constantemente cerrados às vozes do ódio e aos conselhos perversos da vingança. Por isso, os caracteres de eleição, que se destacam gloriosamente no meio d'uma multidão de intuitos mesquinhos e de ideais baixíssimos, merecem o aplauso unânime de todas as consciências honestas, o preito sincero e entusiasta de quantos se enamoram da Verdade e do Bem.
E. ao passo que se cumpre um dever, dá-se uma alta lição de moralidade. Se é certo que o homem de espírito alevantado tem na satisfação da própria consciência o galardão e o prémio das energias que despende em resistir às tentações do mal. Não lhe são, todavia, indiferentes os testemunhos d'apreço com que os seus concidadãos, aquelles a quem favorece com a sua bondade e educa com o seu exemplo, lho patenteiam a estima, a consideração e o respeito conquistados pelas suas benemerências e pelos seus rasgos de virtude. Demais, o espectáculo sympathico e commovente d'um povo inteiro, aplaudindo, no fundo do seu coração, quer o nome d'um benemérito, ainda vivo, quer a memoria d'um grande homem, envolto já, nas brumas do mistério eterno, é próprio e azado para derramar na sociedade a noção da virtude, indicando, bem ao vivo. a sua alta valia intrínseca e as homenagens que ella acarreta a quem a estremece e a pratica.
Apelando, por isso, com todas as veras de minha alma a iniciativa do Jornal de Melgaço, que aproveita o ensejo do anniversário natalício do excelentíssimo Sr. José Cândido Gomes d'Abreu para lhe dar uma prova da religião que lodos os melgacenses têm pelo seu caracter diamantino, pelos preclaríssimos dotes, pelas raras qualidades que exornam e apanagiam a sua alma generosa e boa.
Tem sido tantas vezes feito o elogio d'este cavalheiro, está tão profundamente arraigado no coração de todos os seus conterrâneos a consideração pela sua iniciativa profícua, pela sua caridade comprovada e pela sua lhaneza fidalga, que se torna inútil quanto a tal respeito se reedite.
Porque o amor d'um povo inteiro não se conquista com palavras ou com dedicações tingidas. A obra do excelentíssimo Sr. José Cândido Gomes de Abreu é uma obra toda de amor, não há ódios a ensombrarem a sua carreira luminosa e exemplaríssima.
O seu peito, peito de um portuguez antigo. tem batido sempre pelos desgraçados, pelos pequenos, pelos humildes, por todos os que sofrem e todos os que choram.
Por isso não há desgraçados perseguidos por uma vingança que lhe maldigam o nome ou lhe execrem a memória.
Há um coro unanime de bênçãos a enaltecer-lhe os méritos, a pedir a Deus que prolongue os dias da sua vida, vida toda votada ao culto de todas as grandes ideias e de todos os sentimentos altruístas. Por dever. que não por outro motivo, não falta, nem faltará nunca, a esse coro, a voz humildo de Rosiclér.
O homem que fundou uma casa de beneficência, como é o hospital d'esta villa, apesar do ter de vencer, para realizar o seu grandioso emprehendimento, grandes obstáculos e enormes difficuldades, entre os quaes avulta a má vontade dos homens, é digno de que lodos aquelles que tomam a peito a grandeza moral desta terra, ensinem às crianças de hoje e homens de amanhã, que é assim, praticando o bem e tendo o coração cheio de piedade por lodos os infortúnios, que ó assim que se conquista a consideração e o respeito de todos.
Assim faz a digna redação do “Jornal de Melgaço” e por isso a felicito.”
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