A descoberta das propriedades das águas minero-medicinais seria o início de uma época que mudaria para sempre o Peso, com o aparecimento das termas e um conjunto de hotéis que irão surgir à sua volta, o primeiro dos quais o Ranhada que já se encontrava em funcionamento desde 1891.
Na verdade, a origem do primeiro hotel construído no Peso tem uma história curiosa e a mesma é contada pelo Sr. José Ranhada, filho do fundador, na edição da “Voz de Melgaço” de 1 de Junho de 1973: “Por meados de 1887, António Maria Guerreiro Ranhada regressava do Brasil para mais uma cura de águas ao fígado.
Consultando um médico amigo de Caminha (pois António Ranhada era natural de Vilar de Mouros) este insistiu com ele para fazer um tratamento a sério e definitivo ao fígado pois o estado de saúde não lhe permitia fazer tantas e tão penosas viagens ao Brasil. Naquele tempo demoravam meses os barcos para fazer a viagem. Não era como hoje... em 9 horas e confortavelmente, de avião.
Por outro lado, meu pai estava já desiludido, quer do Gerês onde já tinha ido vários anos, quer de Mondariz, congénere do Peso e, portanto, olhou com ar descrente para o médico.
Até que se lembrou que um lavrador de Melgaço lhe tinha falado de umas águas que brotavam junto das suas propriedades e cujos efeitos medicinais eram espantosos. Eram muito parecidas com as de Mondariz, mas diziam que os efeitos eram superiores.
Acompanhado de uma carta do médico amigo, dirigiu-se ao Peso e só a muito custo foi recebido em casa de um lavrador chamado Ventura.
Hotéis, nem sonhar. Uma Pensão mesmo pobre, nem por sombras. A gente, por um lado, desconfiava e no caso concreto era grande o medo que se apossou da família do lavrador, pois não aceitava a ideia de uma possível morte do estranho hóspede em casa.
A parte romântica está até no facto de ser a filha mais velha do casal a que mais barafustava contra a presença do meu pai lá em casa.
O medo crescia tanto mais, que o meu pai nessa data estava verdadeiramente mal de saúde e chegou a tomar as águas na cama.
De paredes meias com a cozinha, conseguia ouvir as conversas em que a filha mais velha insistia tenazmente com o pai para o mandar embora antes que viesse a falecer inoportunamente.
Mas as águas surtiram um efeito maravilhoso e o meu pai ficou completamente restabelecido, pelo que resolveu dedicar-se em cheio às águas dando-lhes o impulso indispensável para as tornar frequentadas e conhecidas do maior número possível de gente.
Passados tempos, volta a Melgaço com a ideia de comprar terreno onde pudesse construir uma hospedaria. (…)
E António Ranhada constrói a primeira hospedaria do Peso. Logo no primeiro ano teve hóspedes e breve foi preciso aumentar com novo acrescento o edifício primitivo.
Entretanto, deu-se o desenlace mais imprevisto: a filha mais velha do bom Ventura, a adversária tenaz de António Ranhada enamorou-se dele e casou-se com o meu pai. E não foi por acaso porque a minha mãe veio a ser o braço forte da casa que permitiu o engrandecimento do “Hotel Ranhada”.
Posteriormente, construíram-se outras estalagens e hotéis. Os aquistas cresciam e outros se abançaram na construção de edifícios capazes de os receber e onde pudessem albergar-se as pessoas das simpatias dos proprietários...”
O crescimento de ano para ano do número de aquistas justifica a ampliação do Grande Hotel Ranhada tal como nos conta o “Jornal de Melgaço” de 20 de Maio de 1897: “Grande Hotel do Pezo – O proprietário d’este magnifico hotel, Sr. António Maria Ranhada, attendendo à grande affluência de aguistas que houve no anno passado, mandou-o aumentar com um segundo andar, afim de aferecer maior commodidade aos seus hóspedes. As obras estão quasi concluídas e satisfazem plenamente às exigências dos aguistas. Segundo nos consta, este hotel deve abrir-se hoje ao público, ou então muito brevemente.”
O crescimento do Grande Hotel Ranhada é visto como essencial para o desenvolvimento das termas melgacenses e recebe o elogio numa notícia no “Jornal de Melgaço", na edição de 12 de Agosto de 1897: “Aguistas em Melgaço - Continua a manter-se a concorrência que de anno para anno se vai acentuando às nossas famosas águas de Melgaço, que esperam só de pulso de iniciativa e de verdadeiro amor pátrio para que tomem o logar proeminente que sua natureza está reclamando.
O número de pessoas que este anno tom vindo tomar águas, na semana finda era já superior a 200. Mas esta concorrência que é já animadora, é devida, inquestionavelmente, ao sr. António Maria Ranhada, proprietário do “Hotel do Pezo”. Porque se não fora o hotel quem é que poderia vir tomar as Águas de Melgaço? Ainda que estranho à nossa comarca, é, todavia, certo que é quem mais tem feito e trabalhado pela propaganda das nossas águas que, bem exploradas, estão destinadas a ser uma fonte de riqueza para esta terra.
Estes esforços do Sr. António M. Ranhada vão sendo coroados de feliz êxito pela concorrência sempre crescente ao seu hotel, único por enquanto.
Ao presente, estão no hotel umas 50 pessoas. (…) Há umas 17 damas. Informam-nos que alli a convivência é muito familiar e agradável, fraternizando todos os hóspedes um excelente espírito de sociedade e respeito mútuo.
Todos elles estão encantados com o sítio e bendizem as águas, em cujo uso experimentam melhoras, que nós desejamos sejam completas para todos.”
O estabelecimento hoteleiro foi sendo ampliado e melhorado, respondendo a um crescimento da procura destas águas termais. Ainda relativamente aos melhoramentos no Grande Hotel Ranhada, diz, na edição de 26 de Agosto desses mesmo ano de 1897 que “...António [Ranhada] este anno introduziu já no Hotel do Pezo, que assim como é um grande benemérito das Águas de Melgaço, assim terá um grande futuro. Acrescentou a casa de modo que está concluído o 2º andar, podendo acommodar uns 30 hóspedes.
Alargou a sala de palestra de modo que já lhe podemos chamar salão: a porta para o refeitório, com que comunica, foi transformada n'um elegante arco.
Para a cozinha comprou em Lisboa um fogão de 200$000 rs. Em logar de um tem agora dois cozinheiros; e em logar de dois tem quatro creados de mezas. O serviço de meza, ainda que o anno passado era já bom, satisfazendo geralmente os hóspedes, a ponto que só algum exigente, e por certo menos autorizado, torcia o nariz, também me parece muito melhorado...” O autor deste texto é Almeida Silvano, que tinha estado no Peso na temporada de 1896, e tinha voltado no ano seguinte, que ainda nos dá nota de como andava o aspeto do novo parque termal no então ano de 1897 e acrescenta: “Das águas, nada posso adiantar ainda. A nascente e dependências d'ella acham-se ainda como no anno passado. Só a vegetação é que deu um pulo admirável: os plátanos, que eram pouco mais que pequenos arbustos, já agora parecem árvores, que tornarão o local do passeio das águas, um túnel de verdura.”
O Hotel Ranhada irá manter-se em atividade durante cerca de um século. No início, deu um grande impulso para o crescimento das termas e no final acabou por ser vítima da decadência das Águas de Melgaço...
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