terça-feira, 30 de janeiro de 2024

O plano para transformar as Águas de Melgaço na maior estância de Portugal (1919)


 

Há pouco mais de cem anos, em 8 de Setembro de 1919, é fundada a Companhia das Águas de Melgaço. Esta nova empresa, constituída para explorar as termas da nossa terra, propunha-se empreender um conjunto de grandes obras de expansão do complexo termal e que incluíam um hotel monumental, um casino, parque e balneários, projeto elaborado dois anos antes. Tal como se vê no desenho aqui mostrado, o hotel projetado teria alguma semelhança com o de Vidago. 

Um dos sócios desta empresa era o Prof. Ferreira da Silva, da Universidade do Porto. Este deu uma entrevista ao diário portuense ’Debate’, publicada nas edições entre 25 de Julho e 9 de Agosto de 1919 onde explica como se propõe transformar as Águas de Melgaço na maior estância termal de Portugal: 

Anuncia hoje o nosso jornal a subscrição para aumento do capital da Companhia das Águas de Melgaço. 

Mercê dos esforços que vem fazendo a direcção d’esta Companhia, vae aquela estância hydrológica passar por uma profunda transformação, no sentido de proporcionar aos doentes que ali vão procurar alívio aos seus sofrimentos, ou aos que somente desejam realizar uma cura de repouso, o máximo conforto, a par de todas as restantes condições indispensáveis para que o tratamento seja o mais profícuo possível. 

Hotéis obedecendo a todos os modernos requisitos, excellente balneário, magnífica buvette, elegante casino, largas avenidas em pittoresco e florido parque, taes são melhoramentos que a Companhia das Águas de Melgaço se propõe levar a efeito no mais curto prazo, esperando que, já na próxima época, segundo nos affirmam, aquella estância offereça aos seus frequentadores muitas dessas commodidades, vindo a ser, após a completa effetivação do seu vasto plano, uma das melhores de todo o Paiz e até da Península. 

Não é, pois, demais enaltecer os esforços que vem fazendo a direcção da Companhia das Águas de Melgaço, e animar a que auxiliem tão vasto e útil emprendimento, todos aqueles que, dispondo de capitaes, sejam capazes de encará-lo, não à luz do patriotismo, mas ainda no ponto de vista dos seus interesses financeiros. 

A este propósito, julgamos de toda a oportunidade, publicar o seguinte trecho da interessante entrevista há tempo publicada em o nosso jornal, e que um dos nossos redatores teve com o abalizado químico e distinto professor Dr. Ferreira da Silva. 

 A nova empreza – os melhoramentos em projeto 

Resta que vossa excelência nos diga, para o transmitir aos nossos leitores, quaes as transformações por que vai passar a deliciosa estância onde brotam as benéficas águas de Melgaço. 

Tão benéficas, que é para sentir que não sejam encontradas em todos os lugares onde são procuradas, apesar de se engarrafarem annualmente cento e tantos mil litros. No entanto, se mais águas se não gastam, a culpa não é de quem as tem à venda, nem de quem as procura, mas da empreza, que até agora as não espalhou em abundância por toda a parte como devia. Pode-se bem dizer, comparando a existência com a procura, que não há água de Melgaço à venda. Sei que a nova companhia vae imediatamente remediar tão grave inconveniente. Pois é pena que umas águas tão boas, que são procuradas sem reclame, não tenham a venda que devem ter. 

--Organizou-se então uma nova Companhia? 

--Organizou. 

--E pode V. Ex.a dizer-nos em que consistiu essa operação? 

-- Da melhor vontade. Como sabe, existiauma empresa (chamada a empreza velha), que tinha a concessão de três nascentes – duas das quaes (note-se a riqueza e abundância das águas) ainda não começaram a ser exploradas. 

A esta empreza concessionária tinha sido dado o perímetro reservado. Não obstante a existência daquella empreza, constitui-se uma outra com o mesmo da velha, para pedir a concessão de duas nascentes, qualquer dellas ainda mais abundantes ainda do que cada uma das nascentes da velha empreza, e dentro do referido perímetro. 

Passaram annos travados em combates de portarias, decretos e leis referentes ao assunto, que nada resolviam, e que só prejudicavam o progresso e o desenvolvimento da estância thermal. Qual o meio de fazer acabar um estado de coisas, que não podia permanecer sem o prejuízo público? Estava manifestamente indicado um acordo entre as duas emprezas num paiz onde a justiça se agradece, quando se faz. 

A Companhia das Águas de Melgaço é o resultado desse acordo. Essa Companhia é possuidora de grandes capitais, e a exploração das águas vae ser feita com todas as inovações necessárias, e seguindo o que há de melhor no estrangeiro. 

Para isso adquiriu a Companhia todos os terrenos à volta das nascentes, e obedecendo a um plano maduramente estudado, vae construir um bello hotel, um casino com um lindo parque e balneários. É uma obra de grande arrojo, mas absolutamente garantida. Repito que os capitaes empregados em tal Companhia serão imediatamente valorizadas. 

Melgaço, além de tudo, é uma estância internacional. É frequente irem pessoas de Madrid a Melgaço, algumas da alta aristocracia e finança, e retirarem por não encontrarem commodidades. Defronte de Melgaço, por Arbo, passam os Expressos de Madrid e de Vigo. 

Não poderá dar-se o caso de uma vez lançada na América a reputação das águas, virem por Vigo esses americanos ávidos de novidades, encontrarem na soberba estância de Melgaço aquilo que só até agora encontram em Mondariz, Vichy, Carlsbaden, etc, ? 

Mas além disto, que muitos podem reputar um sonho, há factores de riqueza na exploração destas águas que dão valor extraordinário a esta iniciativa. Só a exportação das águas é uma riqueza. A Companhia, em virtude do acordo, fica com 5 nascentes, todas ricas e abundantes, estando somente uma em exploração. E é tal o valor das águas, que são frequentes os pedidos para representação, principalmente em Londres. E não vai muito longe a proposta duma entidade estrangeira para a sua aquisição. 

Para explorar as nascentes? Não, suponho que para as encerrar, ou pelo menos, conservar como estavam até aqui. Tal é o medo justificado da concorrência. 

Diga-me, V. Ex.a, este ano já se sentirão alguns benefícios derivados da constituição da nova Companhia? 

O Balneário já está começado. Parece que numa parte dele já este ano haverá algumas banheiras. A Companhia adquiriu o vasilhame necessário para que não faltem à venda as águas que são reclamadas. Além disso, a nova sociedade vai instar junto dos hotéis para que façam um certo número de reformas, absolutamente indispensáveis. Não pede luxo, mas limpeza e commodidade. 

Para o ano espera que o Peso de Melgaço já seja a primeira estância hydrológica de Portugal. O empenho da Companhia é fazer o que possa a favor da estância, no menor prazo de tempo possível. 

Eis, em traços rápidos, descrita a região. Só por ella, repetimos, vale a penas a viagem, que de resto, já nada tem de fatigante, por via da linha férrea até Monsão, e das carreiras de automóveis que, em pouco mais de vinte minutos, conduzem desta villa ao estabelecimento das Águas de Melgaço. 

Sobre tudo isto, um ar delicioso; fino, puríssimo, que dilata os pulmões e oxigena rapidamente o sangue. A sombra das árvores e a frescura das correntes atenuam consideravelmente o calor. A circulação acelera-se alli, o apetite desenvolve-se. Já isto, só por si, é meia cura.”

Deste ambicioso plano, o hotel e o casino nunca foram uma realidade...

Eis alguns dos esboços dos melhoramentos projetados:


Projeto do Parque


Projeto das Barracas para Banhos de Natação 

Projeto do Ginásio

Fonte da notícia: Artigo de jornal intitulado “A Companhia das Águas de Melgaço. Uma das primeiras estâncias hidrológicas portuguesas”. (1919) Arquivo da Reitoria da Universidade do Porto.






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