quarta-feira, 19 de março de 2014

A estrada de Melgaço a S. Gregório em 1909 - A paisagem mais bonita de Portugal


S. Gregório (Melgaço) em postal de início do século XX


A revista “Serões”, magazine popular publicado no início do século passado, lançou um desafio a vários vultos das artes e das letras do país. Cada escritor ou artista teria que escrever um texto sobre aquela que era, no seu entender, a paisagem mais linda de Portugal. Leia o que o escritor Anthero de Figueiredo escreveu...
“Das muitas paisagens deste lindo Portugal, diante das quais meus olhos tem parado commovidos e agradecidos, uma há que mais se demora em mim. É esse bocado que vai de Melgaço a S. Gregório à beira do rio Minho, em frente de terras espanholas – lá em cima, no extremo norte de Portugal. Desde o Peso, a estrada, na encosta sobe, às curvas, sobranceira ao rio, que nesse sítio, separa dois países. De cá campos de milho e outeiros de verdura. De lá,a Galiza sombria e montanhosa. Numa extensão de meia légua, sempre o Minho se vai deixando ver: próximo, suas águas são claras e simples. Mas vistas de longe, no fundo do vale, são, ora lívidas, ora brilhantes e, na distância, de estranha physionomia. O mesmo é nas terras baixas, e nos montes: são verdes os lameiros e os milheiraes que nos cercam, relvadas as valetas, floridos os canteiros, as hortas alinhadas, amiga a sombra dos carvalhidos, fartos os espigueiros, abastadas as medas e as eiras, tranquilos os muros, modestas mas alegres as casas de brancos telhados, resignados os mendigos, joviaes os remediados. Mas do outro lado, para além, há collinas agrestes, campos pobres, espessas matas de bravios pinheiraes, montes atormentados de arestas penascosas, montanhas escalvosas, serenas e estoicas e, ao longe,  nos despovoados campos da Baixa Galliza, adivinham-se casaes sem pão, e mendigos trágicos e pastores esfomeados. Lá, por essas serras distantes que noutras serras se prendem e perdem, pela Espanha dentro da cordilheira cantábrica, até às Vancongadas!
Paisagem amena e dura, amável e tremenda, próxima e longínqua tem em si ensinos profundos: ella é uma voz de bondade e de força clamando a lição penetrante da vida! Faz sorrir, pensar, sofrer! Olhamo-la com olhos abertos e alegres, e, meditando, olhamo-la com olhos fechados e pesarosos!
Ainda um dia voltarei a visitar a linda capella de Nossa Senhora da Orada, que, no alto, à borda da estrada, olha para tal paisagem de agrado e de meditação. E ahi, na paz do seu pequeno adro e à sombra do seu portal românico, diante dessa terra de silencioso instruir, hei-de compor uma oração, não à Athenêa, como Rénan na colina sagrada da acrópole, mas à deusa Serenidade – a deusa dos olhos bellos e frios, a deusa calma e triumphadora que ensinou a libertação a Budha e a renuncia a Epicteto."


       Capela de Nossa Senhora da Orada em 1909, na estrada da vila de Melgaço para S. Gregório

Extraído de: FIGUEIREDO, Anthero de (1909) “A Paisagem Portugueza: Inquérito aos homens de lettras e outros artistas” in: Revista “SERÕES”, Nº 50, Agosto de 1909.

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