A revista “Serões”, magazine popular publicado no início
do século passado, lançou um desafio a vários vultos das artes e das letras do
país. Cada escritor ou artista teria que escrever um texto sobre aquela que
era, no seu entender, a paisagem mais linda de Portugal. Leia o que o escritor
Anthero de Figueiredo escreveu...
“Das muitas paisagens deste lindo Portugal, diante das
quais meus olhos tem parado commovidos e agradecidos, uma há que mais se demora
em mim. É esse bocado que vai de Melgaço a S. Gregório à beira do rio Minho, em
frente de terras espanholas – lá em cima, no extremo norte de Portugal. Desde o
Peso, a estrada, na encosta sobe, às curvas, sobranceira ao rio, que nesse
sítio, separa dois países. De cá campos de milho e outeiros de verdura. De lá,a
Galiza sombria e montanhosa. Numa extensão de meia légua, sempre o Minho se vai
deixando ver: próximo, suas águas são claras e simples. Mas vistas de longe, no
fundo do vale, são, ora lívidas, ora brilhantes e, na distância, de estranha
physionomia. O mesmo é nas terras baixas, e nos montes: são verdes os lameiros
e os milheiraes que nos cercam, relvadas as valetas, floridos os canteiros, as
hortas alinhadas, amiga a sombra dos carvalhidos, fartos os espigueiros, abastadas
as medas e as eiras, tranquilos os muros, modestas mas alegres as casas de
brancos telhados, resignados os mendigos, joviaes os remediados. Mas do outro
lado, para além, há collinas agrestes, campos pobres, espessas matas de bravios
pinheiraes, montes atormentados de arestas penascosas, montanhas escalvosas,
serenas e estoicas e, ao longe, nos
despovoados campos da Baixa Galliza, adivinham-se casaes sem pão, e mendigos
trágicos e pastores esfomeados. Lá, por essas serras distantes que noutras
serras se prendem e perdem, pela Espanha dentro da cordilheira cantábrica, até
às Vancongadas!
Paisagem amena e dura, amável e tremenda, próxima e
longínqua tem em si ensinos profundos: ella é uma voz de bondade e de força
clamando a lição penetrante da vida! Faz sorrir, pensar, sofrer! Olhamo-la com
olhos abertos e alegres, e, meditando, olhamo-la com olhos fechados e
pesarosos!
Ainda um dia voltarei a visitar a linda capella de Nossa
Senhora da Orada, que, no alto, à borda da estrada, olha para tal paisagem de
agrado e de meditação. E ahi, na paz do seu pequeno adro e à sombra do seu
portal românico, diante dessa terra de silencioso instruir, hei-de compor uma
oração, não à Athenêa, como Rénan na colina sagrada da acrópole, mas à deusa
Serenidade – a deusa dos olhos bellos e frios, a deusa calma e triumphadora que
ensinou a libertação a Budha e a renuncia a Epicteto."
Capela de Nossa Senhora da Orada em 1909, na estrada da vila de Melgaço para S. Gregório
Capela de Nossa Senhora da Orada em 1909, na estrada da vila de Melgaço para S. Gregório
Extraído de: FIGUEIREDO, Anthero de (1909) “A Paisagem
Portugueza: Inquérito aos homens de lettras e outros artistas” in: Revista
“SERÕES”, Nº 50, Agosto de 1909.
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