quarta-feira, 26 de março de 2014

A família Carabel e a Fábrica de Chocolates de Castro Laboreiro

(PARTE I)

Domingos "Carabel", fundador da Fábrica de Chocolates de Castro Laboreiro 
(Início do século XX)

A Família Carabel era mão para toda a obra. O fabrico de chocolates constituía a sua principal fonte de rendimento, mas, não contente com o que ganharia com isso, ainda tinha loja aberta, em Castro Laboreiro, há 70 anos. Entre tamancos, miudezas e fazendas, também arranjava tempo para tratar de caixões e funerais, além de publicar um jornal.
Ainda hoje ninguém sabe explicar que guinada deu a Domingos António Alves, Carabel por alcunha, para... montar uma fábrica de chocolates em terra bem alta e fragosa, flagelada pela neve de Dezembro a Fevereiro, agreste como poucas, cheia de agruras (e amarguras), de invernias infindáveis, onde o cacau não aparecia aos pontapés, nem com alquimias elaboradíssimas, e ainda mais numa época de isolamento total! A verdade é que a imprescindível matéria-prima subia à aldeia serrana de Castro Laboreiro, vinda lá do Brasil, com a mesma facilidade com que as trutas sobem ainda o rio Laboreiro.
Parece que o homem andara por Trás-os-Montes, parece que terá corrido meio-mundo, entregando-se à arte de pedreiro ou a outras que para aí calhassem, mas dar-lhe assim para a doçaria, e logo de chocolate, será cousa que a memória da terra não registará assim do pé para a mão.
Corria o ano de 1908, quando Domingos Carabel, já talvez homem para os seus 38 anos, se pôs a fazer tabletes de um saboroso chocolate, que ganhara fama nas décadas que se seguiram, ao redor de Melgaço, ao redor de Monção, ao redor de Valença, tendo chegado, mais tarde, aos olhos e ouvidos dos ingleses, que até mandaram pedir, por carta, amostras dos rótulos do dito produto, vá lá hoje saber-se porquê. Domingos Carabel faleceu em 1918, e o negócio dos chocolates, se não acabava por aí, teria, pelo menos, conhecido uma pausa ou abrandado o ritmo produtivo.
Deu-se o caso de o seu filho Abílio Alves, que ainda andaria de luto por ele, ter assentado praça no Regimento de Caçadores nº 9, à época sediado em Valença do Minho. Parece que já andaria preocupado com o futuro do negócio, quando ainda batia o “esquerdo e o direito” lá pela parada do quartel. Pelos vistos, mal regressasse à vida civil, a cousa fiava fino, agora que não tinha o pai para lhe valer.
Parece que do melhor apuro em chocolates saberia tanto como os seus colegas de camarata perceberiam de jesuítas. Um dia, estando de licença, vai à Fábrica de Chocolates de Valença, assim como quem não quer a coisa, passando então por um tropa que apenas lá ia sem ter mais para onde ir ou que fazer.
Fez-se desentendido e muito mais de desinteressado e, durante a visita, se mais não viu, foi porque não quis: abriram-lhe a fábrica como quem abre um livro com todos os capítulos. Espiou os ingredientes, numa rápida introdução à matéria, espreitou a melhor aplicação das fórmulas, tomou o gosto e o cheiro ao cacau que por lá se gastava, e depressa aprendeu a receita da casa. Estava com ela ferrada!
Acabado o serviço militar, andou, ainda, por terras galegas a micar umas quantas outras receitas e, já catedrático na cousa, aperfeiçoou a sua própria receita, a tal que deu sabor especial aos “Chocolates Carabeis, Sucessor” ou “Chocolates Castro Laboreiro”, como era mais conhecidos. Abílio Alves Carabel fez então contas à melhor rentabilidade do fabrico, para relançar o negócio.
As primitavas instalações que ocupavam parte do edifício em pedra do atual Núcleo Museológico de Castro Laboreiro, não tinham ao tempo energia elétrica, e o carvão, a que o pai Domingos Carabel sempre recorrera, onerava os custos.
Abílio Carabel consegue então autorização dos Serviços Hidráulicos, onde chegou a trabalhar, para um barracão no rio Laboreiro, e aproveita a força motriz da água. Energia assim de borla não havia, nem haverá para fazer chocolate.
Por essa maré, ainda o seu irmão Germano Carabel estava emigrado na América do Norte, pensando talvez no regresso, após uma longa ausência. Germano tinha sido um aventureiro como poucos: aos 14 anos, conhecer um galego de Entrimo, concelho da Galiza contíguo a Castro Laboreiro, que o influenciou a emigrar.
“Queres ir para a América? Olhas que lá ganhas mais do que aqui, e não estás sujeito a tantos trabalhos.” Estas palavras do galego desencaminhador deram a volta à cabeça do rapaz. Correu a pedir autorização ao pai, mas Domingos António Carabel disse redondamente que não. Tinha quatro filhos, três rapazes e uma rapariga e, se germano partisse, era menos uma mão na lide da fábrica.
O moço cismou, porém, que haveria de ir, o galego prometeu-lhe que o ajudava a emigrar, e um dia fugiu de casa paterna seguindo o vizinho de Entrimo. Apanha com ele o comboio até Vigo, e daqui embarca, clandestinamente, rumo às Américas. No alto mar é descoberto, mas o compincha convence o capitão do navio a deixar o rapaz em paz. Em Havana, Cuba, é obrigado a desembarcar. À América do Norte só chegaria muitos meses depois. Regressa a Castro Laboreiro já feito homem, e associa-se ao irmão Abílio, que continuava solteiro e solteiro continuou até ao fim da vida, apesar das aventuras amorosas, envolvendo-se até com uma criada “de alto lá com ela”.
Os dois irmãos, Abílio e Germano, deram-se bem no negócio dos chocolates. E até ao fim da vida também nunca andaram desavindos. Só uma ida de Germano ao Rio de Janeiro, para uma permanência prolongada, os separa, novamente. As encomendas de cacau eram feitas a importadores do Porto, os pedidos iam por carta, quem as escrevia era sempre Abílio Carabel.

Forneciam os chocolates a casas comerciais da região, mas dedicavam-se à venda direta pelas feiras e romarias. As tabletes iam metidas em papel especial, que nunca se soube onde o arranjavam, mas que conservava o chocolate com a mesma eficácia das pratas. Ricos e pobres adoravam o produto!


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Informações extraídas de:
- "A Fábrica de Chocolates da família Carabel e os sabor que se desfez ao redor de... Castro Laboreiro", reportagem de Pedro Leitão in: SIM, Revista do Minho, nº 143 de Dezembro de 2013.


Nota: Um enorme OBRIGADO à Sra. Teresa Lobato. Ao jornalista Pedro Leitão, um especial OBRIGADO por esta magnífica reportagem e pela partilha!

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