sábado, 28 de setembro de 2013

António Duque Gregório (1899-1970) de Cousso: Um emigrante melgacense no Brasil que nunca mais voltou...


O senhor António Duque Gregório nasceu no lugar da Cela, freguesia de Cousso, concelho de Melgaço, no ano de 1899. Era filho de Manoel Luiz Gregório e Angelina Afonso. Em 1919 embarcou em Vigo, Espanha, com destino ao Brasil. Ele foi trabalhar numa fazenda chamada "Fazenda dos Criminosos" que se situava no município de Silvestre Ferraz hoje chamado Carmo de Minas, no estado de Minas Gerais. Esse nome estranho, terá a ver com o facto de no século XIX ter sido uma fazenda de escravos.
Pelos anos 1931 ou 1932, o senhor António Duque Gregório fixou residência num outro município chamado Cristina, mais precisamente comarca de São Sebastião dos Campos, hoje um município chamado Olímpio Noronha. Então, deixou o trabalho na fazenda e passou a trabalhar na construção civil como pedreiro e carpinteiro. Ele veio a falecer em Maio de 1970 no Brasil.
O Sr. António Duque Gregório tinha uma irmã na sua terra, Cousso - Melgaço, chamada Emília Gregório, nascida a 1 de Abril de 1904. Viajou para o Brasil em Dezembro de 1946, chegando em 13 Janeiro de 1947. Estabeleceu-se na cidade de Niteroi. Morava à época na Travessa Júlio Froes, nº 74, na dita cidade de Niteroi. Era casada com Armindo Vaz e tinha uma filha chamada Arminda de Jesus Vaz que nasceu a 5 de Dezembro de 1926 em Melgaço.
O Sr. António Duque Gregório nunca voltou a Portugal à sua terra natal. A sua família no Brasil nunca teve contacto com a restante família em Melgaço. Por isso, a sua neta Maria Odete Alves Duque que nos segue no Brasil, tomou a iniciativa de procurar familiares descendentes de António Duque Gregório em Melgaço com vista a estabelecer contacto e conhecer a sua família e as suas raízes nesta linda terra.
Se for familiar do Sr. António Duque Gregório, pode entrar em contacto com a Maria Odete através de mensagem privada acedendo a https://www.facebook.com/mariaodetealvesduque?fref=ts ou utilizando o espaço de comentário desta publicação no facebook.
Manuel Duque Gregório em 1919 por altura da sua partida para o Brasil




José Gregório (irmão de António em 1943



Armindo ( cunhado ) - Provavelmente, na época que ele veio para 

Brasil,  em 1947.


Verso da foto anterior



Arminda Vaz (sobrinha de António Gregório) - Provavelmente, na época 

em que veio para o Brasil, em 1947.



 Irmã, de Manuel Duque Gregório da qual não sabemos o nome.




Familiares de António Duque Gregório. 

A sua mãe Angelina Afonso encontra-se no lado 

direito. Os restantes desconhecemos a identidade.




 Emilia Gregório (irmã de António) - Foto sem data exacta, provavelmente de 1920/1930



António Duque Gregório (de chapéu ) a trabalhar na construção em meados do século 

passado (Brasil).


Ficha no Consulado do Brasil no Porto de Emília Gregório 
(irmã de António Duque Gregório, que emigrou para o Brasil em 1946)

Ficha no Consulado do Brasil no Porto de Arminda Vaz 
(sobrinha de António Duque Gregório, que emigrou para o Brasil em 1946)




Fotos gentilmente enviadas por Maria Odete Alves Duque a quem muito agradeço esta bonita partilha!


quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Nascente das Águas de Melgaço, 1906 - Postal Antigo

Postal enviado de Lisboa por uma senhora de nome Júlia para uma amiga sua chamada Florinda d' Araújo também residente em Lisboa. O mesmo foi escrito em 15 de março de 1906 e despachado pelo correio no dia seguinte. De reparar também no selo com o rei D. Carlos.
Na frente deste postal encontramos encontramos as Termas do Peso nos seus primeiros anos de atividade. Sobre a nascente das águas minerais, foi construído esta pequena infra-estrutura. O edifício principal que hoje observamos renovado foi construído apenas no início da década de 1920.




domingo, 22 de setembro de 2013

O Castelo de Melgaço em ruínas (viragem do séc. XIX para o séc. XX)

Castelo de Melgaço na década de 1930. Parte da muralha já não existe.

Em 1910, quando da classificação do castelo de Melgaço, este encontrava-se em adiantado estado de ruína e, da cerca, já pouco restava. Desde 1884 que a Câmara Municipal tinha decidido vender boa parte da pedra da muralha.
Entre 10 de Outubro de 1914 e 3 de abril, de 1916 efetuou-se a escritura de compra do que restava da fortificação da vila para demolir, incluindo a Porta de Baixo com a inscrição medieval, a título de alargamento e aformoseamento da vila. Desse modo, a 14 de Outubro de 1914, procedeu-se à demolição da cerca desde a Porta de Cima, a que ligava com a couraça nova, para a Porta de Baixo, vendendo-se a pedra. Em 1916 a Câmara cedeu oito carros de pedra da muralha por troca de um pedaço de terreno pertencente a D. Maria da Nazareth Esteves dos Santos Lima, para o município abrir uma servidão junto à estrada de Prado a Paderne, no sítio de Cortinhas.
Em 1917 pretendeu-se acabar com este resto e se não fora o alarme lançado por António Maria Vasco de Melo Silva César e Meneses, 9º conde de Sabugosa a que se seguiu um movimento encabeçado pelo jornalista Humberto Beça, hoje nada restaria da fortificação.
A este respeito, escreveu o Conde de Sabugosa uma nota no livro “Neves de Antanho” que dizia que “Ainda hoje, enquanto isto escrevemos, (Agosto 1917), a vila conserva algumas dessas vielas de pitoresco aspecto, e é, em parte, cintada com as veneráveis muralhas que tanto a enobrecem. Consta-me, porém, que o município, com a deplorável mania de «modernizar», vício incorrigível das nossas edilidades. umas boçais, outras mal orientadas, está atentando criminosamente contra a majestade da sua terra, dilacerando-lhe os vetustos flancos para «fazer dinheiro» e colher materiais destinados a um edifício público, um tribunal, segundo me informam, que será provavelmente semelhante ao matadouro com que já se orgulha! Que lástima! Se alguma entidade há, que possa impedir o sacrilégio, acuda breve a afastar esta vergonha de Portugal!”
Em consequência, a 5 de Dezembro de 1917 um ofício do presidente do Conselho de Arte e Arqueologia indagava à Câmara por que motivo se demoliram as muralhas da vila, sem ser ouvida a Comissão dos Monumentos. A Câmara entendeu que a suspensão dos trabalhos era contrária aos interesses do município, decidindo informar a Inspecção-Geral das Fortificações e Obras Militares para garantir os seus direitos. Como resultado, em 23 de Janeiro de 1918, um despacho do Ministério da Guerra anulou a venda de talhões. Todavia, a Câmara decidiu vender o material proveniente da demolição de uma casa situada no largo do Chafariz e a pedra da muralha da couraça nova (26 de Junho de 1919). O entulho deveria ser deitado no espaço onde estavam os canastros, sobranceiro ao antigo lavadouro público (o atual jardim que rodeia o castelo). O Inspetor do Conselho de Arte e Arqueologia pediu que a Câmara o informasse sobre o plano de melhoramentos do castelo.
Contudo, Em 5 de Maio de 1920 a Repartição de Turismo solicitou a constituição de uma Comissão que tivesse como objetivo a "guarda e defesa do castelo". Nesse mesmo ano, a 24 de Novembro, tendo recebido um reforço orçamental, a Repartição de Turismo solicitou à Câmara o envio de lista das obras a empreender e o respetivo custo.
Sem preocupação de preservação, a 25 de Fevereiro de 1925 a Câmara deliberou vender a pedra dos alicerces das muralhas da vila, desde a extremidade do quintal das senhoras Almeidas até a extremidade do quintal de Emiliano Igrejas por oito escudos cada carro. A 1 de Abril seguinte, licitou dois lotes de pedra, um por 400$00 e o outro por 600$00. A 15 de Julho subsequente, colocou novamente em praça um terceiro lote de pedra das muralhas. À época, ainda, o presidente da Junta de Freguesia da vila solicitou à Câmara o refugo de pedra das muralhas para consertar o caminho público da Pigarra. No ano seguinte (1926), José Augusto da Cunha requereu à Câmara que lhe facultasse mais 80 carros de pedra, para além dos 120 que já havia levado, a qual se encontrava à entrada da vila, no lado sul, entulhada e em monte (27 de Outubro).

Depois de tudo isto, podemos olhar para o estado da torre e da muralha que restava na foto ao cimo. Sem mais palavras...

Informações recolhidas em:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa. 
- www.fortalezas.org.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O cerco ao Castelo de Melgaço contado no livro "Neves de Antanho" (1918) pelo Conde da Sabugosa (parte IV)

A rendição dos castelhanos



Alguns escritores, seduzidos pela ideia de atribuir a este episódio o resultado da empresa, outros copiando aqueles, (o que é pecha vulgar em quem não se dá grande trabalho nas investigações) afirmam ter sido decisiva para a entrega do castelo a pugna entre as duas mulheres. Fantasias!
A verdade é que, se este duelo animou e excitou a coragem dos Portugueses, foi só daí a horas, na manhã de Segunda-feira, três de Março, que a praça se rendeu pela acção dos nossos guerreiros e poder dos engenhos. Conta-o Fernão Lopes fazendo-nos assistir ao movimento da bastida sobre as suas rodas, avançando dezoito braças. Depois à escalada dos que «se chegavam tanto à Villa que punham um pé no muro outro na escala», atirando-se, primeiro que todos, o Prior do Hospital. A peleja foi feroz. Dez homens no mais alto estrado levavam pedras de mão que arremessavam aos de dentro, (como agora se arremessam granadas) enquanto outros se atiravam ao muro com grossos paus, De cima choviam pedras e fachos incendiados de mistura com imprecações e insultos («desmesuradas palavras») que assanhavam o animo de D. João I. Por isso, o Rei assomado e iracundo, quando os de dentro, reconhecendo a própria inferioridade, pediam novamente tréguas, recusou qualquer avença e resolveu continuar o assédio à viva força. Então João Rodrigues de Sá, o das Gales, —voz sensata— alvitrou que era de boa política aceitar a capitulação. D. João I, brutalmente, retorquiu : — «Quem medo houver não vá na escala». Subiu uma onda de sangue às faces do guerreiro, que tinha ainda frescas as quinze cicatrizes de feridas, que recebera quando foi do ataque das Galés na Ribeira de Lisboa. E resentido respondeu : 
— «Eu, Senhor, não sei se dizeis vós isso por mim, mas cuido que nunca me vós a mim por tal conhecestes».
E o Rei, caindo em si, pois que nele estes assomos de cólera eram logo dominados pela força calmante da razão, emendou : — «Nem eu não o digo por vós. Mas digo-o, porque os hei já por tomados.»
Dividiam-se ainda as opiniões. Uns queriam continuar o assalto, na esperança de farta presa. Outros seguiam o alvitre razoável do ponderado Sá, com o qual o Rei concordou afinal, enviando o Prior do Hospital a aceitar a preitesia e estipular as condições. Foram todas aceites. Não só entregariam a vila e castelo a El-Rei, mas obrigavam-se a sair da fortaleza em gibões sem outra coisa...
Assim foi. No dia seguinte, o rapazio foi apanhar feixes de varas verdes, e cada um dos que pela porta do castelo ia saindo era, por escárneo, obrigado a empunhar um desses ramos. Alguns mordiam-se de raiva pela humilhação imposta.
Houve até um escudeiro fidalgo que, fincando os joelhos em terra, pediu a El-Rei que lhe entregasse as suas armas e lhe poupasse a desonra, ao que D. João I galhardamente acedeu. Outros, contudo, com riso forçado, e levemente alvar, como gracejando, tomavam o expediente «por sabor» de dizer aos garotos que lhes davam as hastes verdes : — «Ai, rogo-te ora que me dês uma bem direita e boa».
Não ficou nenhum ! Quando na Quinta-feira seguinte, depois de cinquenta e três dias de assalto, o castelo e vila de Melgaço foram entregues a João Rodrigues de Sá, para governar. E quando El-Rei e a Rainha retiravam festivamente com a sua comitiva em direitura a Monsão, do alto da muralha, que olha para noroeste, um vulto de mulher (segundo reza a tradição local), empunhando a bandeira gloriosa das quinas, agitava esse pendão redentor. Era Inês Negra a batalhadora, imagem simbólica das energias femininas, proclamando assim a vitória que consolidava de vez a fronteira no extremo norte de Portugal. Se Aljubarrota tem a ilustrá-la pitorescamente Brites de Almeida, a denodada padeira, e a sua lendária proeza, não é menos digno de registo, no livro de ouro da epopeia joanina, entre as lutas pela independência, o feito autêntico e mais significativo de Inês Negra a heroína de Melgaço.

Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa. 

domingo, 15 de setembro de 2013

O cerco ao Castelo de Melgaço contado no livro "Neves de Antanho" (1918) pelo Conde da Sabugosa (parte III)

O episódio da Inês Negra




Sabendo que os dois chefes não se tinham acordado resolveu então provocar um combate singular, pois sabia que entre a gente do arraial se achava um contendor digno dela. Era uma mulher daquela região, a quem chamavam Inez Negra. Negra por apelido de família ? Talvez.
David Negro se chamava o rabi de Castela que urdiu o enredo contra D. Leonor Teles. E Afonso Pires—o Negro —era o escudeiro de Nun'Alvares na véspera de Valverde. Famílias com o nome de Negrão e Negreiros tem havido em Portugal, pertencendo à primeira, no século XVIII, o poeta da Arcádia — Almeno Sincero. Ou, seria antes a nossa Inês, negra, porque a sua pele exageradamente trigueira, como a da Sulamite do Cântico dos cânticos, contrastasse com a das suas conterrâneas, quási todas alvas, de olhos claros cabelos aloirados, revelando a origem celta das nobres raças?
A iconografia portuguesa é assas pobre. E, se nos faltam retratos de tanta figura predominante, não é maravilha que a galeria das mulheres ilustres careça de qualquer documentação acerca das feições da modesta, mas valente portuguesa dos arredores de Melgaço. Figuramo-la, porém, por artifício de imaginação, com encrespado cabelo da côr do seu apelido. De olhos igneos como o seu nome de Inês, a pele acastanhada, adusta e curtida pelo mordente
sol dos campos, na ceifa. Magra, musculosa e com farto buço a atapetar-lhe o lábio superior. Peito chato como a das amazonas. Tipo levemente aciganado e plebeu, mas não destituído de encanto. E no seu todo o interêssse que provoca
sempre uma personalidade fortemente acentuada. Visitando a casa onde segundo a tradição ela habitou depois da sua proesa, —a Venda de Angelina—(hoje um prédio modernizado), ou percorrendo as ruazinhas estreitas que descem até à porta de D. Afonso, encontrámos algumas moradoras ao soalheiro, que, por comparação retrospectiva, nos ajudaram a recompor uma efígie da Inês Negra, porventura sua remota parente. Devia ser assim como a evocámos!
Quando lhe chegou aos ouvidos o desafio da Arrenegada aceitou o repto. Entretanto El-Rei enviara à Rainha recado para que viesse. Os engenhos estavam concluídos, e quási aplanado o caminho pelo qual se de via fazer rodar a bastida e encostá-la às muralhas. É possível que o mensageiro anunciasse também no Mosteiro de Fiais, onde D. Filipa se achava, o desafio entre as duas mulheres de Melgaço. E isso seria certamente escutado com curiosa atenção pelo mundo feminino que rodeava a Rainha. Ávidas deviam estar por certo as suas Damas e cuvilheiras, de distrações e recreios, tão escassos naquela solidão. E logo entre o mulherio quantos comentários sobre o projectado duelo! Nas velhas, altos escarcéus, e motivo para ralharem de tão descomposta escaramuça. Nas novas, grande jubilação com a espectativa de comoções. Por isso quando naquela manhã do princípio de Março a Rainha, com a sua Corte, se aprontou para descer de Fiães a Melgaço, eram agitadas as discussões acerca do projectado combate. A primavera anunciava-se prometedora. O ar gelado da manhã bafejava a pele do rosto das senhoras, que, ao montarem, se embuçavam friorentas nos seus mantéus e biocos. Na descida, quási a pique, da íngreme ladeira, que durante uma hora percorreram, caminhando pelos carreiros do monte escalvado, algumas das boas donas iam só atentas ao perigo, que oferecia o marchar hesitante dos cavalos sobre os pedregulhos das veredas agrestes. E quando as facas em que iam montadas punham o pé com menos segurança, o que trazia a iminência de um tropeção, ouviam-se exclamações aflitas das mais timoratas, provocando risadas escarninhas entre as resolutas .Outras olhavam maravilhadas a paisagem deslumbrante, o panorama das extensas ondulações que formam o berço delicioso em que se espreguiça voluptuosamente o rio Minho.
Além à esquerda os montes de Pernidclo, em cuja verdura se aninhava o conventinho de Paderne. Mais ao largo Monsão, a terra de Deu-la-Deu. E, como a manhã era clara, lá muito ao longe, quási se distinguia a nobre Valença. Para a direita inferiormente, e já em terra estranha, as pequenas povoações galegas tão maneirinhas... que apetecia dá-las como brinquedo a uma criança!
A maior parte, porém, da comitiva só tinha olhos para a vila de Melgaço, ali em baixo com a sua airosa torre quadrada, que uma coroa de ameias enfeitava, e para a povoação em redor dela, metida nas faixas das muralhas defensoras, prometendo um espectáculo atraente, quando se rendesse à força, como fêmea dominada pelo seu legítimo senhor. Por de fora dessa muralha estendia-se em arruamentos de tendas de campanha o arraial português, sobresaindo a barraca elegante tomada em Aljubarrota aos Castelhanos, que já servira em Ponte de Mouro para firmar a aliança inglesa.
E, informe, como um animal antediluviano, destacava-se a medonha bastida, pronta a atacar. A comitiva da Rainha continuava a sua marcha descente. O caminho agora começava a estreitar-se entre muros e sebes avivadas de silvados e plantas agrestes, e tão apertado que mal cabiam a dois de fundo todos os do acampamento, sendo difícil a passagem quando de frente encontravam um boizinho barrosão de hastes enormes, ou as recuas de mulas que levavam provisões ao convento. Esse corredor serpenteante (quási escadaria) de mais de meia légua, desembocava abruptamente em pleno acampamento Neste, o Rei que logo veiu receber a Rainha, começou explicando o modo de arremeter, e como se realizaria a escaramuça entre as duas mulheres. Na Corte dos Valois perto de três séculos depois, em plena Renascença, os combates singulares, antigo julgamento de Deus, tornaram-se solenidades quási festivas, que chegariam ao apogeu de brilho no célebre torneio em que Jarnac, o favorito da Duqueza d'Etampes, i arretou o pomposo Chataignerie, defensor de Diana Poitiérs, na liça rutilante de St. Germain, sob os olhares do Rei, da nobreza, e de todas as sumidades da França.
Aqui, porém, nesse final do século XIV, e neste canto da Península, as escaramuças, perante uma Corte mais guerreira, que polida, mais austera que licenciosa, se não tinham o esplendor das cerimónias teatrais que deslumbram, não eram menos importantes os seus resultados. Pelo contrário. Na Corte de Henrique II digladeavam-se dois adversários para liquidarem uma intriga de alcova.
No arraial de D. João I batiam-se duas mulheres, disputando a honra de dois exércitos, empenhados em fixar a fronteira do Reino. Nessa manhã do começo de Março em que a Arrenegada saiu pelo postigo da fortaleza, para vir defrontar-se com a sua competidora Inês Negra, todos, de um lado e outro, se dispuzeram a presenciar o espectáculo desta pugna de nova espécie, a que deram foros de combate, e que a crónica regista com a designação honrosa de escaramuça entre duas mulheres bravas. Bravas no sentido de valorosas, e bravas na acepção de ferinas. Os de dentro subiam aos parapeitos das cortinas e bastiões, debruçando-se curiosos. Os do ariaial formavam círculo em volta das lutadoras, saudando com vozearia carinhosa Inês Negra a portuguesa, e enchendo de vaias e apupos a desnaturada castelã. As almas também têm sexo, como os corpos. Assim se aclaram, quando a natureza as troca, tantos casos inexplicáveis, tantas anomalias flagrantes—homens mulherengos, mulheres viragos.
Nos corpos destas duas moravam almas de lutadores valentes, herdadas talvez de seus avoengos, dos que em eras remotas haviam ajudado a expulsar da Península as raças invasoras. Foi logo impetuoso o primeiro embate das justadoras. Com fúria, com sanha, com rancor atiraram-se uma à outra sem mais armas do que as unhas, com que reciprocamente rasgavam as carnes, e os dentes com que se esfacelavam. Atropelando-se, arrancando os cabelos, afogando-se nos fortes braços nervosos, derrubando-se alternadamente na luta. Ensanguentadas, esfarrapadas, e rugindo como feras prolongaram durante minutos a encarniçada peleja. Davam mais a impressão de dois monstruosos animais enovelados em trapos, cabelos e sangue, que de duas mulheres humanamente construídas.

O drama começava a abalar o ânimo ainda dos menos- susceptíveis de sofrer comoções, quando a Arrenegada, ou porque tivesse menos elasticidade nos másculos que a Inês Negra, ou porque o espírito dos que renegam crenças e opiniões é sempre menos resistente, entrou a fraquejar, saindo logo desfalecida. Então Inês, que a suplantara, foi gloriosamente levada em triunfo e saudada com aclamações, ao som de trombetas e charamelas festivas. 

...CONTINUA...

Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O cerco ao Castelo de Melgaço contado no livro "Neves de Antanho" (1918) pelo Conde da Sabugosa (parte II)

As tropas de D. João I chegam a Melgaço e começam as escaramuças...


-- Ano de 1388 --

Aqui e além deparavam-se numa volta do caminho povoações ou casas isoladas. E do fundo escuro dos estreitos postigos, perfurados nos rústicos tugúrios de pedra cinzenta, debruçavam-se bustos de mulheres com olhar curioso. De sobre os muros, com as cabeças hirsutas os camponeses olhavam embasbacados os comboieiros de munições, e pasmavam para as hacâneas em que cavalgavam as donas, as aias, as criadas e as cristaleiras. Dos cancelos surdiam garotos a misturarem-se na comitiva, mendigando sobejos dos farnéis, enquanto bandos de galinhas e de patos fugiam espavoridos da perseguição da soldadesca, que dissimuladamente tentava deitar-lhes a mão, na espectativa de uma ceia restauradora. E a extensa comitiva coleando pelos caminhos do vale deixava à esquerda os montes levemente ondulados de Galiza a padrasto do rio Minho, e começando a subir a encosta, que vai ao Prado, avistava já a senhoril Melgaço com a sua torre tão nobre a destacar-se sobre o verde escuro dos pinheiros de Bouças.
A Rainha com a sua Corte, contornando Melgaço, foi aposentar-se no opulento mosteiro de Fiães, onde os oitenta monges beneditinos, com o Dom Abade à frente, a vieram receber fidalgamente na avenida que conduzia à portaria do convento.  
El-Rei D. João I, ficou com as suas mil e quinhentas lanças, afora a gente de pé, no campo a nordeste de Melgaço, onde logo ordenou que se assentasse o arraial. Armaram-se as tendas em que pousaram, além do soberano, o Prior do Hospital, D. Álvaro Gonçalves Camelo. D. Pedro de Castro, que havia pouco abraçara a causa de Portugal, JoãoFernandes Pacheco ; (filho de Diogo Lopes, assassino de Dona Inês), de quem Mem Rodrigues dizia ter as qualidades de Lancelote do Lago, e muitos outros capitais e senhores. Tudo se preparou para a arremetida. Melgaço, dentro das fortes muralhas em que D. Dinis envolvera a quadrada torre afonsina guarnecida de dentes que mordem o céu, era defendida por Álvaro Pais de Souto Maior, e Diogo Preto Eximeno, que tinham trezentos homens de armas e muitos peões.
Além da gente de guerra, era a pequena vila povoada por moradores pacíficos, cujas famílias habitavam as casinholas de granito, com pequenas escadas exteriores, de poucos degraus, e um varandim, que formavam junto à parte interna das muralhas estreitos arruamentos. Entre as famílias que nesse fim do século XIV se acoitavam naqueles habitáculos, havia a de uma portuguesa a quem, por se ter bandeado com os castelhanos, tinham dado a alcunha de Arrenegada. Era esforçada. Aquilo a que o povo chama uma refilona e, como todos os renegados, odiava fidalgamente os seus antigos compatriotas. Fervia-lhe o sangue em cachão com o presencear, do alto das muralhas, os preparativos do campo português. Ardia em fúria e ância de arremeter ela própria. E não foi estranha aos primeiros lançamentos de trons contra os nossos. Assistiu também inquieta e fervilhante às primeiras escaramuças, rejubilando logo que viu que, com uma seta, fora ferido Pêro Lourenço de Távora, um português do arraial. Era uma verdadeira virago, mais aguerrida que muitos dos seus camaradas castelhanos. Durante nove dias houve tiroteio sendo lançadas contra o arraial sessenta pedras de trons, ao que do lado português foi correspondido, não havendo grande dano de parte a parte. Resolveu-se então El-Rei a mandar armar em cima da ponte da vila, um engenho, com que os sitiantes arremessavam muitos projecteis que destruiram algumas casas e caramanchões de Melgaço.
Ao mesmo tempo mandou que nas imediações se cortasse madeira, e se acarretassem materiais para se construírem duas escadas e uma bastida, formidável máquina de guerra sobre rodas, de temeroso efeito contra as praças fortes.
Descreve Fernão Lopes minuciosamente essa bastida, muito larga de roda a roda, e de padral a padral; com os seus três sobrados madeirados de pontões, para serem guarnecidos de homens de armas ; com estrados de mui grossos caniços para se andar por cima. Com escadas de alçapão e nos pontões superiores, três mil pedras de mão, que mandaram apanhar pelas regateiras. Havia também trebolhas cheias de vinagre para evitar o fogo, e seis grandes caniços forrados de carqueja, assim como vinte e quatro couros verdes de boi para guardar do fogo que viesse.
Era um rudimento do moderno tanque, era o precursor dessa máquina de guerra, que nos campos da Bélgica está actualmnte  exercendo a sua terrível acção devastadora.

Esta de D. João I, que levou quinze dias a construir, era mais modesta e de mais acanhados recursos. Mas o seu efeito, ainda antes de manobrar, foi eficaz, pois os de dentro, que assistiam aterrados à fabricação do aparatoso engenho, apressaram-se a pedir tréguas, propondo que João Fernandes Pacheco conferenciasse com Álvaro Pais. Por mandado de El-Rei chegou-se o Pacheco à barbacã, e de dentro, encostado ao muro, falou-lhe o comissário castelão. Longo espaço de tempo durou esta conversação entre os dois guerreiros arvorados em plenipotenciários. E enquanto eles falavam, assediados e assediadores suspenderam as investidas, acudindo ao ânimo de uns, (os mais pacíficos) esperanças de uma concordância. Refervendo no de outros (os mais belicosos) desejos impacientes de recomeçar a pugna. Destes o mais irreprimível era o da Arrenegada que ardia em sanha. Sabendo que os dois chefes não se tinham acordado resolveu então provocar um combate singular, pois sabia que entre a gente do arraial se achava um contendor digno dela. Era uma mulher daquela região, a quem chamavam Inez Negra.

...CONTINUA...

Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa.

domingo, 8 de setembro de 2013

O cerco ao Castelo de Melgaço contado no livro "Neves de Antanho" (1918) pelo Conde da Sabugosa (parte I)

As tropas do rei marcham em direcção a Melgaço




Cumpria caminhar sobre Melgaço, única praça que no Minho ainda conservava voz por Castela. Foi resolvido partir logo, de Coimbra para o Porto, onde El-Rei e a Rainha, que o acompanhava, despediram o Duque de Lancastre e a sua reduzida hoste, que, em seis galés, numa clara manhã de fins de Setembro largou de foz em fora, para Bayonna, então inglesa.
Desembaraçado assim do hóspede, e aviados outros assuntos, que se antolhavam urgentes, dirigiu-se D. João I para Braga a reunir as Cortes. Foi durante elas que D. Nuno Álvares Pereira, o Condestável, teve notícia da morte de sua mulher. Correu ao Porto onde ela falecera, fez-lhe exéquias solenes, mandou a filhinha para Lisboa à guarda da Avó—Iria Gonçalves—e, arrumadas assim as cousas domésticas, voltou para Braga onde o reclamava o interesse do Estado, verdadeiro fulcro do seu espírito.
Negócio de Estado eram também por certo e de alta importância para D. João I, essa viuvez de Nuno Álvares. Grande conchavador de casamentos, até mesmo sem audiência prévia dos interessados, El-Rei resolveu logo, de acordo com a Rainha, casar o seu Condestável com D. Beatriz de Castro, filha do Conde D. Álvaro Pires, «uma donzella assaz formosa e bem filha d'algo». Próxima parenta da linda Inês, collo de garça possuía porventura o mesmo poder de encanto, que seduzira o Rei D. Pedro. Este viúvo, porém, era pouco susceptível de se deixar captivar com graças femininas.
Avesso por índole ao tracto conjugal, não lhe sofria também o ânimo independente aquela imposição de um consórcio, assim improvisado. Resistiu bisonhamente, —ao Rei com uma simples negativa ; à Rainha, pela qual professava um respeitoso afecto, respondeu esquivamente : — «Para offerecer a D. Brites os braços, era preciso que estivessem desarmados e não convém ainda lançar a espada.» Escusa de guerreiro ! Sentir de monge!
Desobrigado assim, e livre da teia em que podia ser enleiado, levantou voo para entre Tejo e Guadiana, onde a fronteira estava ameaçada. D. João I conhecia o seu irmão de armas. Era inútil insistir, podendo até qualquer teima provocar alguma daquelas desavenças, que entre os dois às vezes surgiam.
D. Beatriz, se acaso edificara naquele terreno o castelo da sua felicidade, viu-o desfeito em névoa, antes mesmo de o habitar. E continuou, (até que ao diante levou outro destino) a ser ornamento na Corte de D. Filipa, acompanhando-a
como as outras na jornada que logo El-Rei empreendeu sobre Melgaço, e onde por certo foi das que mais aplaudiram a aventura da aguerrida Inês Negra, que logo vamos presencear. Compunha-se a casa da soberana de nobres senhoras
que El-Rei puzera ao seu serviço. A ela pertenciam : como aia a camareira-mór D. Beatriz Gonçalves de Moura viúva de Vasco Fernandez Coutinho, senhor de Liumil, e como damas a filha desta, Tareja Vasques Coutinho, viúva do filho do Conde D. Gonçalo, e, portanto, cunhada de Leonor Teles ; a irmã daquela, Leonor Vasques, que depois casou com D. Fernando, que chamaram de Bragança, filho do Infante D. João; D. Biringueira Nunes Pereira, prima do Condestável e filha de Rui Pereira, que morrera na peleja das naus ante Lisboa; e ainda outras que formavam um luzido batalhão volante, nesse cortejo que ia assistir ao mais típico episódio daquela época.
D. João I preparava-o adrede para mostrar à Rainha como se assediava uma praça, e para exibir perante a sua Corte, a valentia dos homens de armas, que vinham consolidando a independência do Remo. Era uma genuína galanteria de guerreiro medieval, esse desejo de fazer assistir a fina flor da Corte feminina ao rude embate dos seus besteiros contra a fortaleza rebelde. E era ao mesmo tempo um poderoso incitamento para a hoste, esse torneio revelador da arte, da dextreza, e do valor com que se pelejava. Era também uma vistosa parada de forças combatentes perante os olhares mulheris, o mais aguilhoante estímulo da cavalaria gloriosa.
Era, finalmente, uma ala de namorados de nova espécie, batalhando em frente de suas damas. Era, em resumo, uma fantasia de herói! Marchou a numerosa comitiva de Braga para Monsão, onde D. Filipa foi acampar, indo logo a seguir ao mosteiro de Santa Maria de Fiães, perto de Melgaço. Acompanhavam-na João das Regras —o Doutor, João Afonso de Santarém, e ainda outros letrados e jurisperitos, mais exercitados no manejo das Pandectas e das Institutas, que no brandir das espadas e dos arremeções.
Corria o mês de Janeiro de 1388. As chuvas tinham ensopado os campos. A paisagem minhota, tão festiva de cambiantes durante o verão, com os seus soutos de castanheiros florentes; com as suas videiras de enforcado enroscando-se nos troncos e ensombrando os páteos das habitações; com os fetos de franjas recortadas, adornando as sebes; com as eras e musgos revestindo os penedos graníticos; com o veludo esmeraldino das nogueiras, e as folhas bicolores das tílias opulentas ; com a pradaria clara rindo alegremente

na voluptuosidade das regas abundantes ; toda essa sinfonia de verde, executada a grande orquestra, sob a regência de um sol brilhante, que vivifica o torrão ; que se reflecte nas lantejoulas de feldspato e de mica, tapete dos caminhos feito como do pó de diamantes, e que dá a essa região o geito de um sorriso da natureza; essa paisagem apresentava naquela quadra do ano a fisionomia rabujenta de uma criança amuada. O inverno ia rigoroso. As chuvas tinham engrossado as levadas, e avolumado os regatos, dificultando a marcha da hoste guerreira, e os movimentos da comitiva real. Por isso o séquito proseguia lentamente, mas sem desfalecimento. O tropear dos cavalos e dos machos sobre o lagedo da estreita estrada romana, que segue de Monsão a Remoães, e dali à aldeiazinha do Prado, galgando os rios com a ponte do Mouro e a ponte da Folia (duas relíquias de eras já idas), que as urzes e as eras enfeitavam com garridice; o vozear dos homens de armas; as exclamações e gritos femininos; e as pragas rouquenhas dos moços bagageiros e condutores de equipagens, alvoraçavam a gente do campo.

...CONTINUA...

Texto extraído de:
CONDE DA SABUGOSA (1918) - Neves de Antanho. Edição da Livraria Bertrand, Lisboa.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

A vida em Parada do Monte na 1ª metade do século XIX



O art.º 8º da Lei dos Forais de 3 de Junho de 1822 vem regular a questão dos baldios: Os Baldios, e maninhos, são verdadeira propriedade dos Povos, enquanto não se mostrar reserva, ou doação expressa deles. Sua administração pertencerá às Câmaras pela maneira que a Lei determinar; salvo porém aos povos o uso, e direitos que por posse antiga tiverem em quaisquer logradouros, baldios, maninhos e edifício.
São elaborados Tombos dos concelhos, obrigação que já havia sido estabelecida pela Alvará pombalino de 23 de Julho de 1766. O de Valadares começou a ser redigido em 27 de Outubro de 1823 na ‘Caza de Apuzentadoria do Doutor Manoel Lopes de Figueiredo, Dezembargador da Caza e Relação do Porto com exercício de Provedor nesta Câmara e de Viana da Foz do Lima’. Depois de invocar o Alvará de 1766, aludiu-se a um edital de 2 de Outubro de 1820 pelo no qual foram avisados por pregão todos os possuidores de maninhos para virem louvar e verem as medições sendo ainda obrigados a reconhecer a Câmera como Directa Senhora deles’ sob ‘pena de Rebeldia’ (A. M. M., 1829: 2v).
Parada do Monte entrou no Tombo a partir de 12 de Novembro daquele ano. Lavraram-se autos nos quais os louvados atestaram a existência de ‘tomadas sem título algum’, tendo procedido a medições e indicado as confrontações em varas. Referiram a capacidade em semeadura e arbitrou-se o valor anual do foro. Para algumas das tomadas indicaram o seu estado.
Uma primeira constatação é a de que as tomadas situavam-se em terrenos hoje integrados no núcleo urbano da freguesia (caso dos localizados na Trigueira ou Aldeia Grande) ou próximos dele. Em algumas das actas refere-se: ‘tomada no baldio’ ou ‘tomada que tinha sido baldio’ (as localizadas nos lugares de Costa e Trigueira), ou ‘tomada no monte’ (lugar de Cotto Santo, hoje Couto Santo). Em algumas (muito poucas) designava-se o cereal cultivado: centeio ou trigo.
Distinguia-se ainda as que estavam em ‘estado rústico’ das que se encontravam cultivadas. A capacidade em ‘semeadura’ era de 13 alqueires para as 22 tomadas. Não havendo indicação, em todas as actas, do cereal cultivado ou podendo ser cultivado torna-se impossível estabelecer comparações de produtividade entre os terrenos. Contudo, para o conjunto das freguesias que pertenciam ao concelho de Valadares, existe um ‘Relatório’ enviado pela câmara ao Governo Civil com o cálculo da produtividade em trigo, milho, centeio, batata e feijão. Pode-se encontrar diferenças de produtividade conforme o produto agrícola considerado: o milho é o cereal com maior rendimento, seguido do centeio e do trigo. Diferenças também em dois grupos de freguesias: um primeiro grupo reunindo as freguesias situadas na Ribeira Minho ou pouco dela afastadas e que se revelavam mais produtivas em milho e feijão. O outro conjunto agrupava quatro freguesias serranas, entre as quais estava Parada do Monte, com a mesma produtividade em centeio , maiores rendimentos em batata, mas menos produtivas em milho e feijão. Para este grupo não se refere resultados para o trigo pois nas quatro freguesias, segundo o Relatório, ‘apenas se colhe milho grosso’.  Em Parada do Monte ele ocupava os prados situados nas férteis veigas irrigadas pela água trazida por um conjunto de levadas e regos partindo de várias presas.
Algum vinho em latadas bordejando as leiras. O centeio era cultivado em tomadas que tinham sido baldio e nos barbeitos junto às brandas de Mourim e Travassos. Semeava-se linhaça em certos terrenos (linhares) constantemente objecto de irrigação e monda de modo a manter a cultura fresca sem ervas daninhas . Era o início de um conjunto de trabalhos ou ‘tormentos’ do linho. Havia entreajuda na época das lavradas: ‘Marcam-se de antemão os dias de cada um para a sua lavrada".
Chegado ele, todos aparecem aos campos dispostos a trabalhar como sendo para si próprio .O proprietário oferece, pelas oito horas, uma parva; ao meio dia, o almoço ou o jantar como se chama na terra, e ao terminar, pelas 17 ou 18 horas, a merenda. Cada lavrada tem quase vinte pessoas para cima. Dentro de um mês fica a terra com a semeadura feita e os gados sobem para as brandas, acompanhados dos seus pastores’ (Domingues, 2008).
Nas malhadas participava ‘muita gente, principalmente vizinhos, parentes e amigos. O acto de malhar era reservado aos homens, formando-se dois grupos que se enfrentavam na mesma eira. Os instrumentos eram os manguais que consistiam em dois paus desiguais, servindo o mais delegado e comprido para as mãos dos homens , e o mais grosso e mais curto para zurrar o cereal. Eram ligados por um pedaço de couro cru de animal forte’ (Idem, ibidem).
Para a cultura do linho prevalecia o mesmo espírito comunitário quando se tratava de picar e aplanar a terra, dividi-la em talhões, semear, arrancar a baganha no ‘ripo’, enfeixar os caules e alagá-los nas poças, depois estendê-los para secar, maçar, espadelar e fiar.
Este quadro de uma economia agro-pastoril era complementado com um conjunto de actividades e ofícios: a trituração dos grãos de milho e centeio em mós de pedra movidas pelos rodízios dos moinhos permitia obter a farinha para produzir broa de milho ou pão meado; nos fulões , os malhos preparavam a lã das ovelhas com que se faziam ‘mantas para as camas, capas para andar a guardar os rebanhos, polainas para agasalho das penas e até casacos para os homens’ (Idem, ibidem); as serras nos engenhos cortavam os troncos em tábuas com que se soalhavam as casas e as mobilavam.
No interior do agregado, ferreiros fabricavam nas forjas as alfaias, ‘desde as cardas para os tamancos até foices e enxadas, passando pelas ferraduras e o apontar dos picos e até garfos em arame‘. Socas e tamancos saíam de hábeis  mãos e nos teares, a teia de linho transformava-se, ao fim de muitas horas de trabalho das tecedeiras, em panos de que se faziam ‘camisas, toalhas de mesa, e guardanapos, e ainda, lindas e brancas como a neve, toalhas franjadas, com que adornavam os açafates que levavam à feira, admirados pelas senhoras da «ribeira» (Idem. Ibidem).
Ao longo da primeira metade do séc. XIX estas actividades conheceram um crescimento induzido pela evolução demográfico: Entre 1801 e 1845 o número de habitantes de Parada do Monte passou de um total de 662 para 800 pessoas, ou seja um aumento de 20,8%. O número de fogos era de 206 em 1801 e de 233 em 1845, a que corresponde um acréscimo de 13,1%2.

É desta época o aumento e melhoria das habitações até aí construídas sem grandes preocupações de conforto com paredes em alvenaria irregular e cobertas a colmaço sobre varedo e amparado pelas cápeas das empenas. Os espigueiros em pedra substituíram os canastros em vime.

Informação extraída de:
LEITE, Antero & LEITE, Maria Antónia Cardoso - Parada do Monte, História e Património. ACER.
IAN/TT–Memórias Paroquiais, vol. 27, memoria 58, pp. 383-388 (publicado em CAPELA,J.
FEIJÓ, Rui Graça – Liberalismo e Transformação Social, Ed. Fragmentos, Lisboa, 1992
VILLASBOAS, Custódio Jozé Gomes de – Descripção Topographica das Commarcas
Fronteiras da Província do Minho, 1800 (inserido em Fernando de Sousa e Jorge
Fernandes Alves- ‘Alto Minho. População e Economia nos Finais de Setecentos,
Editorial Presença, Lisboa, 1997,

Minho: Memória, História e Património, Ed. C. M. de Melgaço, 2005).

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Parada do Monte (Melgaço) na segunda metade do século XVIII (Parte II)


(...continuação)...

Em outras freguesias do termo de Valadares onde o vinho constituía a produção principal a evolução económica sofreu influência da política magestática do Marquês de Pombal . Em 1756 um Alvará cria a Companhia Geral do Alto Douro com privilégios vários entre os quais o que lhe foi concedido em 16.12.1760 do exclusivo da produção e venda das aguardentes nas três Províncias do Norte-Minho, Trás-os-Montes e Beira. Os lavradores destas regiões não podiam exportar vinho mas apenas vendê-lo à Companhia que o destilava em ‘fábricas’. Valadares tinha uma: a do Hospital (Leite, 2006: 180).
Bela, Cambeses e Longos Vales foram as freguesias com maiores contingentes de vinho entregues, entre 1779 e 1780, ao comissário Balthazar Coutinho que pagava aos lavradores um preço médio inferior ao tabelado anteriormente pela Câmara de Monção, quer em épocas de grandes colheitas, quer quando o vinho era escasso. Houve recusa dos lavradores em venderem vinho à Companhia nos anos de 1784 e 1785, o que lhes causou prejuízos por não poderem escoar a sua produção para outros destinos (Idem, ibidem: 192). Um projecto de constituição de Sociedade Pública d’Agricultura e Comércio da Província do Minho, apresentado à Rainha D. Maria I em 7 de Outubro de 1784 pelos ‘Comerciantes e Homens Bons de Viana’, procurava contrariar a situação de ‘deplorável decadência em que se acha a agricultura das vinhas’. (Idem, ibidem: 188). A petição não foi aceite e a produção de vinho desceu entre 1787 e 1796 Capela, 2003: 68-72). ‘Para esta evolução recessiva da produção e vendas contribuiu o abandono de muitas vinhas em resultado da acção da política comercial da Companhia via compressão dos preços e a exclusividade das compras para o fabrico da aguardente’ (Leite, 2006: 198).
Ocorreu, então, no Alto Minho uma alteração estrutural nas economias camponesas: vinhedos deram lugar a milheirais, sendo o alargamento da área cultivada em ‘milhão’ também devida ao abandono da produção de outros cereais. Segundo uma Estatística de 1792, ‘para toda a região da antiga comarca de Viana, a média geral dá 78,2% ao milho, 13,7% para o centeio, 5,7% para o trigo e 2,3% para o feijão’ (Capela, 2005: 607).
Esta especialização na cultura do milho e perda da importância relativa do vinho tornou a economia agrária do Alto Minho extremamente dependente da evolução do preço daquele cereal caracterizada por flutuações acentuadas com subidas e descidas alternadas que se verificaram ao longo de quase todo o Séc, XIX , dando lugar a períodos de açambarcamento e de especulação (Feijó, 1992: 159).
Para o incremento dos milheirais concorreu a apropriação de novos espaços onde se pudessem implantar leiras. Os férteis vales já estavam suficientemente agricultados e havia necessidade de colocar milho em todo o terreno que o pudesse produzir. O corregedor Morais Homem, em 1792, ‘considerava que, apesar das capacidades produtivas da região, a agricultura na comarca de Viana apresentava «infinitos defeitos», criados pela obsessão do milho em detrimento do trigo ou centeio, levando a semear aquele em terrenos impróprios por falta de água’ . Propõe 215 baldios para arrotear no distrito de Viana , susceptíveis de 248 móios de semeadura. Em Monção, existiam 18 montes maninhos que podiam levar 42 móios de semeadura( Sousa, 1997: 74, q. 25), ou seja 2.520 alqueires.
Os montes maninhos comunais ou ‘baldios do povo’, passam a ser vistos como terras que poderiam se repartidas e aforadas para darem maiores rendimentos. Privados e Câmaras concorrem para essa apropriação em tapamentos e apoiados na legislação publicada durante e após a transição do Antigo Regime para o Portugal Novo saído do Liberalismo.
As novas leis inspiram-se nas ideias fisiocráticas veiculados por alguns autores nas Memórias Económicas da Academia que sustentavam que ‘a repartição dos baldios acarretaria um aumento da quantidade de terra arável disponível’ (Feijó, 1992: 108). De pouco valeu a chamada de atenção de Villasboas para ‘ a necessidade que os lavradores tem dos montes, não só para o pasto dos gados , mas para o roço dos adubos, o que he huma razão demais para ser menor a extensão das terras cultivadas que demandão sempre huma certa porção de baldios propícios ao matto que as terras exigem: matéria para reflexão sobre as novas tapadas que se fazem nos baldios com obrigação de os rotear’ (Villasboas, 1800: 157).

...(continua)...

Informação extraída de:
LEITE, Antero & LEITE, Maria Antónia Cardoso - Parada do Monte, História e Património. ACER.
IAN/TT–Memórias Paroquiais, vol. 27, memoria 58, pp. 383-388 (publicado em CAPELA,J.
FEIJÓ, Rui Graça – Liberalismo e Transformação Social, Ed. Fragmentos, Lisboa, 1992
VILLASBOAS, Custódio Jozé Gomes de – Descripção Topographica das Commarcas
Fronteiras da Província do Minho, 1800 (inserido em Fernando de Sousa e Jorge
Fernandes Alves- ‘Alto Minho. População e Economia nos Finais de Setecentos,
Editorial Presença, Lisboa, 1997,

Minho: Memória, História e Património, Ed. C. M. de Melgaço, 2005).