Lamas de Mouro (Melgaço) em meados do século passado |
O "Guia de Portugal" é uma obra
iniciada em 1924 por Raúl Brandão. É reconhecido como um dos mais completos
roteiros de Portugal do século XX. Foi publicado em vários volumes dedicados a
cada uma das regiões do nosso país. A edição do volume dedicado ao Alto Minho é
de 1965 e fala-nos desta região e em particular das estradas e caminho de
Melgaço e das contemplações do autor com as paisagens da nossa terra. Deixamos
aqui um extrato do dito livro onde o autor faz uma viagem da vila de Melgaço
até às terras serranas do nosso concelho, percurso já feito pela estrada
nacional, inaugurada uns poucos anos antes. Conta-nos então que...
"Melgaço é o ponto de partida para uma
excursão à aldeia serrana de Castro Laboreiro. A antiguidade deste povoado, o
seu isolamento em plena montanha e, portanto, o seu primitivismo, constituem
motivo de atração para o estudioso das Ciências do Homem, José Leite de
Vasconcelos que a visitou em 1904, no início da sua carreira científica. Não
existia ainda a atual estrada. Fez a ascensão do maciço por caminhos
primitivos, seguindo pelo vale da Ribeira do Porto (que passa pelo sul de
Melgaço com a orientação este-oeste) e passando por Cavaleiros, Cabana,
Candosa, Ledronqueira e Fiães, onde se deteve, contemplando as ruínas do velho
convento. Neste local,situado a 700 metros de altitude, termina a zona dos
pinheiros, seguindo-se a dos “vidos” ou “bidos” (vidoeiros ou bétulas) e dos
carvalhos.
A estrada atual contorna, pelo largo e a
Oeste, a lomba dos Picos (1255 metros), indo entroncar, um pouco no sul de
Alcobaça, nos vales por onde seguia o caminho velho.
É esta via que pressupomos ser aproveitada
pelo excursionista. A partir de Melgaço, a estrada sobe em plano inclinado, de
100 a 400 metros. Depois da ponte sobre a ribeira de S. Lourenço, em Roussas, à
medida que vai subindo através de campos cuidadosamente cultivados, marginados
pelas típicas ramadas de vinha, podemos contemplar, cada vez mais empolgante
pela sua vastidão, o quadro paisagístico dos campos de Melgaço, fechado, para
as bandas do Norte, pelo cenário longínquo dos relvados da Galiza.
O rio Minho, lá em baixo, vai serpenteando no
seu sulco profundo entre rochedos titânicos apontados para as águas, que
perante eles rumorejam tragicamente, numa luta milenária, que se embravece na
época das grandes chuvas invernais. O rio, que depois de Roussas (altitude 300
metros) que se avista lá em baixo, não é ainda a corrente de águas mansas que
flui amorosamente entre margens idílicas, como sucede, para jusante, a poucos
quilómetros, em Monção. Aqui, é ainda uma corrente indómita e selvagem.
A cerca de 400 metros de altitude, depois das
aldeias de S. Paio, e transposto o pontão sobre a Ribeira de Lavandeira, a
estrada começa a contornar, já em plena zona serrana, cimos com altitudes
superiores a 700 metros. Para trás ficou a região pitoresca da “ribeira”, com o
seu caraterístico povoamento disperso. Entra-se, agora, num ambiente geográfico
diferente, onde despontam, nas linhas austera do relevo, pequenos grupos de
casais muito distantes uns dos outros.
Na Primavera, o ambiente solene das altas
encostas do Alto Minho anima-se pela presença das cores vivas das flores da
vegetação espontânea. Nessa quadra, os trabalhadores ocupam-se na faina do
“corte” do mato ou na preparação de pequenos tratos de terra para as
sementeiras, após o período rude da invernia.
Constitui uma feição original das serras do
noroeste português a existência de povoamento de altitude: onde a arquitetura
do relevo se traduz por uma rechã, aí se encontra, em geral, um foco de
ocupação humana, com as casas aglomeradas rodeadas por campos cultivados ou por
prados que a “água de lima” vai fertilizando. Tal é que sucede no lugar de
Pomares (575 a 600 metros de altitude), pequeno povoado rodeado de retalhos de
prados murados. Aqui, a estrada transpõe a linha divisória das águas entre a
bacia da Ribeira das Lages, que corre para norte, atravessando a plataforma de
Melgaço, e a bacia do rio de Mouro, que sulca o maciço de Leste para Oeste até
ao cotovelo de Tangil. A 800 metros, passa pela aldeia de Cubalhão, dividida em
dois núcleos – o Lugar de Cima e o Lugar de Baixo.
Transposto o vale do Porto Covo, o viajante
encontra-se, agora, a contornar, pelo sul a grande lomba que culmina no Alto
dos Picos (1255 metros), seguindo através de ampla rechã, por onde vão
correndo, em meandros, as águas da Ribeira da Igreja. Neste planalto,
enquadrado por cimos elevados, cruzam-se velhos caminhos de ligação entre os
povoados distantes. Nos lameiros, há mulheres vestidas de escuro, pastoreando
gado.
Daí parte o caminho (praticável para
automóveis), que no interior da serrania, atinge o santuário da Senhora da
Peneda.
No silêncio meditativo dos fraguedos, onde o
tempo, dir-se-ia haver parado na sua marcha inexorável, como voz dorida da
própria paisagem, ouve-se, por vezes, o ranger cavo das rodas pesadas de um
carro regional, que avança, aos solavancos, sobre o tosco lajedo. Nem uma
árvore põe uma nota e vida vegetal nos climas graníticos.
O Homem sente-se esmagado perante o ambiente austero, e nos recessos nublosos da consciência, em face desses rochedos soerguidos para o alto, ouve-se o tumultuar eterno da inquietação humana perante o mundo.
O Homem sente-se esmagado perante o ambiente austero, e nos recessos nublosos da consciência, em face desses rochedos soerguidos para o alto, ouve-se o tumultuar eterno da inquietação humana perante o mundo.
A 900 metros, numa encosta, encontra-se a
aldeia de Lamas de Mouro...
Extraído de:
SANT'ANA DIONÍSIO (1965) - Guia de Portugal - Entre o Douro e Minho II. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa
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Que bonito! Conheço bem este itinerário.
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