sexta-feira, 6 de maio de 2016

Melgaço: Regresso às suas origens

Vila de Melgaço há cerca de 500 anos
Numa publicação de 1890 (Archivo Histórico de Portugal) encontramos um texto que faz referência às origens muito antigas e nebulosas da vila de Melgaço. "Fica esta vila na província do Minho, e pertence ao arcebispo de Braga. É praça de guerra, cabeça de comarca e dista 430 kms ao norte de Lisboa e 72 ao noroeste de Braga. A origem de Melgaço perde-se na penumbra da História. Sabe-se que é povoação antiquíssima mas ignora-se quando e por quem foi fundada. Querem uns que a sua fundação fosse devida aos lusitanos, outros que ela fosse obra dos romanos. Não há vestígios de espécie alguma que dêem qualquer ideia do que foi esta povoação na sua primeira idade. Nenhum monumento, nenhuma revelação arquitetónica tem aparecido a fazer luz nesta obscuridade de origem. Que existia no tempo da dominação árabe é incontestável, porém já a este tempo era Melgaço antiquíssima povoação, visto ter D. Afonso Henriques encontrado ali uma grande fortaleza inteiramente arruinada.
Era este castelo denominado castelo do Minho, e foi com certeza construído pelos árabes. Em volta dele apinhavam-se alguns casebres, talvez construídos com o fim de acolherem os seus habitantes à proteção do forte, pois que naqueles tempos não havia segurança longe destes colossos de pedra, que continham em respeito os aventureiros. Qual a importância que tivesse esta vila não é dado. No entanto, o facto de nela terem os árabes edificado uma fortaleza, prova que não era destituída de consideração dos seus possuidores.
No tempo de D. Afonso Henriques, achava-se, porém em míseras circunstâncias, e abandonada pelos seus habitantes. Não são também conhecidas as razões que levaram os mouros a esta migração. Talvez possa explicar-se o facto pela guerrilha acérrima que os cristãos lhes moviam. O audacioso e aguerrido filho do conde D. Henrique, encontrando a terra deserta, mandou-a povoar por cristãos e reedificar-lhe o castelo em 1170.
Em 1197, o Prior de frades crúzios, D. Pedro Pires, mandou à sua custa edificar a fortaleza e a torre. Era este Prior muito abastado de fortuna e dedicado ao engrandecimento do país. O mosteiro a que pertencia era o de Longos Vales. Em 21 de Julho de 1181 deu D. Afonso Henriques o primeiro foral a Melgaço e fez doação da aldeia de Chaviães aos seus moradores."
Tal como as origens desta terra, o topónimo Melgaço anda envolto na bruma da incerteza e deu origem a opiniões contraditórias, absurdas e risíveis, com aceitação de alguns, por entre álgidas cintilações celestes. Trago em meu socorro os grandes mestres de olho de lince para a sapiência toponímica, sem arranjar pretexto para criticar desfavoravelmente esta ou aquela alegação.
José Pedro Machado desembaraça o escorregadio assunto ao sentenciá-lo como de «origem obscura», aventando, contudo, a suposição de provir do latino mellicaceus, e este derivado de mellicus, não afirmava com certa certeza se para significar mel ou melga.
Já José Leite de Vasconcelos dedicou uma escassíssima penada à matéria, em nota de rodapé para aludir a um eventual antropónimo galaico, embora não de forma convincente ou definitiva: «Melgaço parece relacionar-se com o nome de homem Melgaecus, que se lê em inscrições romanas do Minho; o étimo seria Melgaceus igual a Mel-aceus».
Armando de Almeida Fernandes, vai vai na linha de um «nome de raiz pré-romana» melg-, com os sufixos equivalentes –az–azo–aço, tendo em conta a documentação do século XII, onde o burgo aparece grafado com as formas «villa de Melgazo» (1170, 1173) ou «eclesia de Melgaz» (1185). A tal raiz pré-romana melg-, sobrevinda «talvez de “mel” indo-europeu», designa «rocha ou altura».
Por sua vez Joaquim da Silveira defende outra justificação, para ele o «étimo não oferece dúvida», na medida em que Melgaço procede de «melga nome de planta», sendo que «melga é nome comum de uma planta forragínea» conhecida por medicagoalfafa ou luzerna. E, anotamos nós, o vocábulo tem origem no latim vulgar melica.
Na recente opinião de Batalha Gouveia, em abono da sua tese, o topónimo estaria ligado aos vocábulos celto-bretão “mael”«colina», e “cath”«guerreiro», de maneira que Melgaço seria, assim a modos, a “Colina do Guerreiro”.
Longe de cogitar algo conclusivo, o presente artiguelho tem tão-só a finalidade de recensão crítica, apreciar o estado geral do geotopónimo em causa e alinhavar algumas linhas sem fazer uso da luz clara das trevas. A explicação é deveras uma batalha difícil.
Estaremos na presença de “melga” – não, não é o insecto outra vez –, voz aferética de amelga, oriunda provavelmente do celta ambelica, e este composto do préverbo indo-europeu ambi-, que traduz «ao redor». Em tempos antiquíssimos o nome amelga designava «uma facha de terreno que o lavrador assinala para salpicar as sementes com igualdade e proporção».
Na Península Ibérica a geografia mostra, a par da povoação minhota, a existência de outra Melgaço, um mero lugarejo em Alcobaça, uma herdade Melgares no Alentejo, Melgaz (Alvaiázere), e diversas terriolas em Espanha, MelgazaMelgueiras (Galiza), Melgar (Burgos, Zamora, Palencia, Toledo, León e Valhadolid) e Melgares.
Note-se que nenhuma linha das citadas aparece claramente como aquela que claramente explica a origem do nome da nossa terra... .


Informações recolhidas em:
Archivo historico: narrativa da fundação das cidades e villas do reino, seus brazões d'armas, etc. (1890), 2ª Série, Typ. Lealdade, Lisboa.
- José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, II vol., Editorial Confluência, Lisboa, 1984, p. 974.
- José Leite de Vasconcelos, Revista Lusitana, III volume, p. 152.
- Almeida Fernandes, Toponímia Portuguesa: Exame a Um Dicionário, Arouca, 1999, p.420.
- Joaquim da Silveira, Toponímia Portuguesa (Esboços) – V, in Revista Lusitana, vol. XVII, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1914, p. 118.
- A luzerna é o nome vulgar da Medicago Sativa, erva leguminosa perene da subfamília das papilionadas, com elevado valor nutritivo para produzir forragem para os animais.
- Batalha Gouveia, A Origem dos Nomes – Melgaço, in NOTÍCIAS DE COURA, n.º 152, de 17 de Novembro de 2009, p. 19.
- Pierre David, Études Historiques sur le Galice et Portugal du VI.e XII.e Siècle, Livraria Portugália, Lisboa, 1947.

- Blogue "Escavar em Ruínas". 

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