sexta-feira, 24 de junho de 2016

Uma visita a Melgaço de há 50 anos atrás (Parte 2)

Convento de Paderne (Melgaço), anos 50
Em Janeiro de 1955, é publicado um desdobrável destinado a promover o concelho de Melgaço que era uma espécie de um guia para o visitante. No mesmo, encontramos um texto da autoria do professor António Pinho, de Paderne. Apresentamos a segunda parte do mesmo que nos leva numa viagem pelo nosso concelho nessa época:
“(...) Lá ao alto, a sul, é Castro Laboreiro, é serra...
Ali, a terra se atapeta de urze que não de mimosa relva e as penedia desafiam alturas. Ali, as espécies cinegéticas proliferam e a truta tem um sabor muito agradável. Ali, rebanhos enormes se apascentam mais perto do céu  resguardados pelo corpulento cão de raça. Ali, no Inverno, quando as árvores se desnudam dos verdes, sobre o desfiladeiro e a cumeada, a encosta e o sopé,desce serenamente, com a sua alvura gélida, um denso manto de neve. Ali é típica região serrana, onde as casas construídas de granito nu, outrora, na totalidade, cobertas de colmo, já hoje em seus telhados predomina a cerâmica. Ali, ainda em nossos dias, embora nos lugares mais recônditos, se lobriga o velho colmo a resguardar do sol e da chuva, do vento e da neve, habitações rústicas e seculares que nos oferecem visões de outro tempo. Ali, existem tradições que, vindas de tempos imemoriais, ainda se não desvirtuaram.
Entre elas, ainda que sem pormenor, permitimo-nos trazer a lume uma, por ser das mais evidentes: O castrejo emigra de tenra idade. Onde quer que vá parar, dedica-se ao trabalho e procura amealhar uns cobres, vindo casar à terra. Casamento feito, volta em busca de meios de fortuna. A mulher, então, até que ele regresse, veste de luto. Só veste de cor a mulher cujo homem está na terra. Razão razão porque naquela freguesia poucos homens se enxergam e se vêem muitas mulheres com vestes pretas. Ali, mantem-se ainda um traje caraterístico: a castreja cobre no inverno com um capuz que a resguarda até à anca , veste saia de roda e chambre e usa polainas de lã.
É assim Castro...
Se a terra tem curiosa fisionomia, os seus costumes e tradições revestem-se de caraterísticas invulgares...
Nem por isso esta região é menos visitada pelo turista! É que Castro tem algo de diferente das demais regiões afins. A excessiva agressividade do seu solo e clima, o curioso traje dos seus habitantes e seus costumes, e, além do mais, a singularidade panorâmica dão ensejo a que seja amiudamente visitada por forasteiros que observam e admiram e que – além duma cabine telefónica, podendo daí, caso curioso, pôr-se em contacto com as grandes capitais – para tal, dispõem hoje de uma excelente estrada nacional, qual miradouro em toda a sua extensão, donde as vistas, num permanente contraste que maravilha e deleita, se distendem, desde os declives em que assentam esplendorosas algumas das freguesias do concelho, com casas semeadas a esmo, ora por entre urzes e pinhais, ora por entre exuberantes e viçosas veigas, até aos vizinhos concelhos de Monção e Valença, numa ampla visão cheia de originalidade, beleza e cor. Dali o vale e a serrania, o planalto e a várzea, a charneca e o pântano emitem trechos paisagísticos sem paralelos, já pelo constraste operado, já pelos cambiantes e horizontes de que usufruem.
Desse eminente rodovia, junto à freguesia de Lamas de Mouro, outrora Lucto ou Lágrima de Mouro, nome que à terra vincularam lágrimas de alta patente árabe, ali vertidas, após encarniçadas refrega, inglória ao sarraceno – deriva uma estradinha em direção à Peneda.
São dezoito as freguesias que completam a circunscrição administrativa de Melgaço. Nelas, aqui, e além, são diversos os momentos que imponentes se erguem e que no mutismo das suas pedras, embora corroídas pela ação erosiva do tempo, nos testemunham do patriotismo e da fé das gerações de antanho, que por aqui se enredaram.
Daquele, levantam a sua voz autorizada os castelos da Vila e Castro Laboreiro, quer nas suas pedras erguidas, ou tombadas, que importam, se o o significado é o mesmo? E, da fé, gritam-nos eloquentemente, os conventos de Paderne e Fiães e a Capela da Senhora da Orada, monumentos nacionais de excecional valor histórico e artístico.
Qual deixa do passado, a crença religiosas, como nas gerações avoengas, exorta os espíritos das massas atuais. Assim é que em todas as igrejas paroquiais e ermidas, como preito, pelas graças recebidas, se efetuam festividades que deslumbram quer pelo número de devotos que a elas ocorrem, quer pelo folclore nelas experimentado a emprestar-lhe graça e cor, quer ainda pela música e descantes regionais, que a todos deixam saudades.
Nesta região, os homens, na sua maioria, dedicam-se à cultura da terra.
Porém, quer aqueles que se empregam na lavoura, quer os que seguem o comércio ou a indústria ou os que se dão às artes ou às letras, onde quer que empreguem  a sua atividade, seja ela de que molde for, bem confirma a sua persistência e acendrado amor ao trabalho, o seu espírito altruísta e cristão, a sua honradez e dignidade. .
De índole inexorável, disciplinadores e disciplinados, os melgacenses são de fácil trato e afável convívio. Neles se repercute a grandeza panorâmica da sua terra, a fé e a galhardia de seus maiores. As mulheres, esbeltas e sadias, essas, acompanhando bem de perto os homens nas suas lides, nem por isso descuram o mester de donas de casa e bem condignamente cumprem o sagrado dever de filhas dedicadas, esposas estremecidas e mães amoráveis.
- Leitor, se ainda não conheces esta parcela do Minho, desse “rival da Suiça” não te sacies com o que nesta modesta e despretensiosa descrição te expomos, pois muito mais haveria a dizer para não corrermos o risco de sermos injusto. Por tal, perdoe-nos a terra e as gentes e desculpem-nos os leitores.
Visita-a e será mais um a bendizê-la!
Melgaço aquilata bem quanto vale, se bem que tenha sido demasiado moderado ao falar de si e dos seus.
Urge, pois, que difunda, valorize e enalteça o seu património e os seus pergaminhos.
A sua região necessita, sem dúvida, tornar-se mais conhecida para ser mais admirada.

Paderne, Janeiro de 1955”
Veja a parte 1 clicando AQUI
Melgaço, 1955 (desdobrável original)

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