Igreja do Convento de Fiães |
“Ter que rebuscar origens, nas velhas crónicas dos
conventos, é ingrato labor a que satisfatórios resultados nem sempre correspondem.
Do seu confronto nasce a dúvida, que nunca se desvanece, por
ser tanto mais intrincado o dédalo quanto mais se aprofunda o estudo.
Nesses livros, em que a unção religiosa devia transparecer,
da calma e isenção de seus autores, não é raro ver-se aquela perdida, ou esta apaixonada
em controvérsia mesquinha, para firmar primazias e direitos que nunca existiram.
Nestas condições, pouco se pode coligir e aproveitar, e ainda
por estarem inéditos os principais escritos que a cada passo se encontram citados.
Duas são as ordens que por seus cronistas reclamam a prioridade
daquela habitação.
— A Augustiniana, e a Benedictina. Assevera o cronista Frei
António da Purificação, da Ordem Augustiniana, que o mosteiro de Santa Maria de
Fiães, que está junto ao rio Minho, a distância de uma légua da Vila de
Melgaço, foi edificado no anno de 870, e chama a seu favor a opinião de Frei Hieronymo
Roman, que na sua História Ecclesiastica de Hespanha, não declarando o tempo da
sua fundação, afirma contudo, que no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, achou memórias
de como ele fora em tempos antigos de eremitas d’esta Ordem, acrescentando que as
achou também nos cartórios dos Conventos de S. Cristovão de Lafões, e de S. João
de Tarouca.
Era naquele ano Sumo Pontífice, Adriano segundo, ou João
nono que lhe sucedeu. Reinava, em parte de Hespanha e de Portugal, o inclito Rei
D. Afonso Magno, com cujo favor e amparo nos fomos conservando naquele lugar,
até ao tempo dos réis portugueses.
Mais tarde, roubado e assolado o convento pelos Mouros, Afonso
Paes, e dois irmãos seus que professaram, dotaram-no e repararam-no e o deram à
Ordem do Cister que já por esse tempo havia sete mosteiros neste reino.
Tinha o D. Abade, grandes proeminências, as quais o mesmo
cronista não quis referir para se não deter com argumento alheio.
Contesta a asseveração feita por Frei Leão de S. Tomás, no
prólogo das Constituições da Ordem de S. Bento, de terem vivido neste mosteiro frades
de hábito preto, e argumenta que este habito não convinha aos de S. Bento, mas sim,
foi e era mais próprio aos da Ordem Augustiniana.
Parece que naquele tempo, já o hábito não fazia o monge.
Na obra Beneditina Lusitana, Frei Leão de S. Tomás, — assevera igualmente, — que
o mosteiro de Fiães foi, em tempos mais antigos, dos monges pretos da Ordem de S.
Bento, e chama a reforçar a sua opinião, a de Frei Bernardo de Braga, e Frei João
do Apocalipse, os quais afirmavam que constava isso de uma escritura de descambo
ou troca que se fez entre o mosteiro de S. Cristovão e o de Ganfei, da Ordem
Beneditina, que no cartório dele se conservava: « Especifica o mesmo padre, em
suas memórias, que foi fundado o de S. Cristovão na era de 889, por alguns
anos antes, por ser naquele ano que se fez o descambo.”
São Chistovão, foi o primitivo nome do mosteiro de Fiães.
Em seguida, nota que o autor da Crónica Augustiniana chamou seu a este convento,
o que contesta e espanta-se de também não ter feito de sua Sagrada Religião, um
outro de freiras bentas, que ficava próximo ao de São Cristovão, e se chamava de
S. Pedro de Merufe. Depois explica com graça a causa da morte deste mosteiro, —
que foi a pobreza, repetindo a frase de Diogenes: paupertas non parna agritudo est. A pobreza é grande doença; — isto
depois do mosteiro ter tido em seu principio a liberalidade cristã, como mostrava
pelo dístico seguinte:
Quas pietas jungens
Moniales pristina ditae
Pauperies delet petre
Morufe tuas.
Exalta-se por não suceder o mesmo ao de Fiães, que era mais
antigo, e estava fronteiro à Galiza, onde as guerras entre Portugal e Castela andavam
acesas, servindo o mosteiro de castelo, em defesa do Reino, mostrando-se os padres Cistercienses, tão devotos no coro como Moisés no campo, e rebates tão
valorosos
como Josué, tendo por seu capitão ao glorioso São Cristovão
governador das armas daquelas partes. Não quis Frei Leão, ter a percepção de que
tudo neste mundo acaba, e que a doença que feriu de morte o mosteiro de Merufe,
tornar-se-ia epidémica para aquelas casas, como o atestaram o de Fiães, e muitos
outros para quem a pobreza também foi grande doença.
O Padre Carvalho, na sua Corografia, assegura que o
mosteiro foi de monges Bentos, no reinado de D. Ramiro I, e de sua mulher D. Paterna,
da qual supõe ter tomado o nome o Vale de Paderne e admite, por isso, que se ela
não foi a fundadora deste mosteiro, foi então do de S. Paio, que existiu no mesmo
termo de Melgaço. Isto pelos anos de 851, do que encontrou notícia, sendo aquele
referido mosteiro um dos primeiros desta ordem que houve em Hespanha. O anterior
título foi, São Cristovão de Fiães, e como pelos anos de 1150 houvesse entrado em
Portugal a Reformação da Ordem do Cister, — para a qual passaram os de São Cristovão
de Lafões, e de Santa Maria de Bouro, ambos de eremitas de S. Agostinho, — cujos
filhos, deixando o hábito preto, vestiram a branca cogula de São Bernardo no ano
de 1159: este de São Cristovão de Fiães; — levado também pela fama de grande santidade
dos novos filhos de São Bernardo, que haviam vindo de França, — que também foi a
melhor coisa que de lá veio, diz Frei Agostinho, — se passaram à
sua Ordem, e acrescenta: “Como o exemplo,
que é muito poderoso, dos Eremitas, assim os de São Cristovão de Lafões, onde era
prelado o nosso Santo Frei João Cerita, como o de Santa Maria de Bouro, mandaram
o prior do Convento de Fiães e dois religiosos a pedir aos filhos de São Bernardo
a relação de seus Estatutos, e modo de vida, e a que dar obediência ao seu Abade.
É de crer que ficando-lhe o Convento do Bouro tão vizinho, a ele recorressem, e
que dele se lhe mandasse algum religioso para lhe praticar o modo de sua vida e
Santa Reformação. E desde então até ao presente ficou esta casa de Fiães sujeita
à Ordem de Cister.»
Depois que receberam a
reforma Cisteriense, tomaram para padroeira a Virgem Maria, pela grande devoção
que São Bernardo lhe tinha, e deixando o antigo titulo de São Cristovão, passaram
a denominar aquela casa: — Santa Maria de Fiães. Assim como é de tradição
antiga que os mesmos eremitas, quando voltaram monges, trouxeram consigo uma imagem
da Senhora de Fiães, a qual era de pedra branca, com guarnições de ouro, tendo sobre
o braço esquerdo o Infante Jesus. Tinha de altura quatro palmos. Após a vinda desta
Santa, começaram-se a operar os milagres naqueles que com fé viva a ela recorriam.
Diz mais:
«Esta Santa Imagem, já
hoje não existe, que a devia acabar o tempo. Foi muito grande incúria daquele
mosteiro não a mandar reparar, por que a cabeça e mãos, que eram encarnadas, não
se podiam desfazer, e o corpo podia-se consertar com algum betume, de gesso pó de
pedra com cera. Depois mandaram fazer outra, que colocaram em seu lugar.” (Extrato retirado de:
OLIVEIRA, Gilherme (1903) - Uma visita às ruínas do Real Mosteiro de Fiães.
Livraria Ferreira, LIsboa.)
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