Em Junho de 1942, foi descoberto volfrâmio num baldio em Castro Laboreiro (Melgaço). Estávamos no auge da 2ª Guerra Mundial. Foi constituída uma Sociedade Mineira e os membros desta convenceram a Junta de Freguesia a vender-lhes o terreno a um preço muito baixo. Da Sociedade faziam parte o Presidente da Câmara e outros membros ligados autarquia, além de Manuel Alves de San Payo. Então, o padre de Castro Laboreiro envia um telegrama a Salazar e uma carta demolidora ao Ministro do Interior (VEJA CARTA - CLIQUE AQUI), onde se queixa da atuação, especialmente, do Presidente da Câmara Dr. João de Barros Durães e do Presidente da Junta de Castro Laboreiro, acusando-os de terem feiro uma negociata e de se apropriarem de uma riqueza que pertence ao povo castrejo.
O Ministério do Interior pede à Guarda Fiscal do Peso (Melgaço) para realizar as devidas diligências com vista a apurar os factos. Então, a Guarda Fiscal redigiu um relatório que envia em 23 de Outubro de 1942 (VEJA RELATÓRIO INTEGRAL - CLIQUE AQUI).
Da denúncia do padre e do relatório da Guarda Fiscal resultou a destituição do Presidente da Câmara de Melgaço. Contudo, este sentindo-se atingido na sua dignidade, escreve uma carta, datada de 8 de Novembro de 1942, ao Ministro do Interior onde faz a defesa da sua atuação e ataca violentamente o padre de Castro Laboreiro acusando-o de tentar enganar o povo da sua paróquia, sobrepondo o seu próprio interesse ao dos seus paroquianos.
A dita carta diz o seguinte:
“Melgaço, 8 de Novembro de 1942
Ex.mo Sr. Ministro do Interior
Com as responsabilidades políticas que
tenho tido durante os últimos 12 anos numa luta constante em prol do Estado
Novo, exercendo os cargos de presidente da Câmara Municipal, Secretário da
Comissão Concelhia da União Nacional e delegado da Legião Portuguesa no
concelho de Melgaço, julgo-me autorizado a vir expôr a V. Exa. a exatidão
dos factos ocorridos no caso do volfrâmio de Castro Laboreiro que
motivaram a exposição e queixa do pároco da referida freguesia, senhor Manuel
Joaquim Domingues, que tão grande alarde causou e foi classificado até como,
escândalo por quem não conhece bem e com verdade como ele se passou.
Em princípios de Junho do corrente ano,
constou ter aparecido volfrâmio naquela freguesia.
Fizeram registos os Srs. José Esteves e
Abílio Domingues e outros, em determinados terrenos, registos esses que foram
anulados por portaria ministerial por já não serem permitidos por Lei a partir
de Outubro de 1941.
O Sr. Manoel Alves San Payo, melhor
avisado e mais habilmente, já resolvera pedir e conseguira a alienação daqueles
terrenos à Junta de Freguesia, visto saber que só em propriedades particulares
se poderia pedir autorização ou licença de exploração daquele minério.
Enquanto os demais esperavam ver
satisfeitos os seus pedidos de registo, este Sr. San Payo tinha conseguido
adquirir, em hasta pública, e precedido das devidas formalidades legais da
mesma Junta, o respetivo terreno.
Perante a posse do mesmo, pediu a
necessária licença à Direção Geral de Minas, que lha permitiu provisoriamente a
título de pesquisas.
Como estas fossem frutíferas, resolveu
constituir uma sociedade. Para tanto, convidou as pessoas de sua amizade e que
de algum modo pudessem emprestar à sociedade o seu melhor valimento no sentido
de a exploração se fazer ordeira e honestamente.
Julgou pois que o melhor seria associar-se
com essas pessoas, algumas das quais exercem cargos administrativos na sede do
concelho e outras na Junta de Freguesia de Castro Laboreiro, a fim de lhe ser
permitido o melhor rendimento na extração pacífica do minério.
Não tendo havido da parte destes
funcionários e administrativos qualquer interferência na aquisição do terreno
mas tão somente na constituição da sociedade que lhe foi oferecida por amizade
e por interesse próprio do ofertante, não compreendemos como se tenha feito
deste caso um alarido enorme com foros de grande escândalo e de imoralidade,
apoucando e vexando pessoas que sempre foram honestas e deram o melhor do seu
esforço na colaboração dos fins do Estado Novo.
De resto, primitivamente, toda a gente se
riu da formação de uma sociedade em que muitos dos que hoje a ambicionam,
chegaram a declarar não dar nem pelo terreno nem pelos trabalhos já realizados
na sua consecução, a importância correspondente às despesas feitas.
Tal era, portanto, a perspetiva futura
dessa sociedade para muitas pessoas das que depois fizeram a crítica e
acusações. Porém, o tempo encarregou-se de demonstrar que não foram baldados os
trabalhos realizados na organização e preparação desta. E só então, mas só
então, é que todos começaram a arregalar os olhos e a sentir-se com desejos de
partilhar do bolo. E desde que deste lhes tivesse sido permitido levar um
bocado, não haveria imoralidade nem ilegalidade!
Até então, nem o pároco nem tantos outros
da freguesia de castro Laboreiro, se importaram do caso. Ora, logo que o
minério começou a ser extraído e a aparecer em certa quantidade, não faltaram
os ambiciosos, ou melhor os invejosos, a protestar e reclamar em nome do povo
da freguesia, procurando mostrar interessar-se por esta quando afinal só o seu
interesse próprio defendiam!
Estes mesmos abeiraram-se do pároco com
ofertas de dinheiro para gastar como julgasse necessário para derrubar a venda
daquele terreno e conseguir a exploração do minério para a freguesia por meio de
uma comissão presidida pelo pároco.
Desses mesmos indivíduos, alguns houve que
anteriormente nos procuraram e pediram, com insistência, a sua admissão na
sociedade - mas só quando esta já auferia lucros - e afastaram-se de nós com
palavras de ameaça quando não viram satisfeitos os seus desígnios.
Infelizmente, o Homem é assim, capaz de
romper com todos os preconceitos e expor todos os seus haveres não vendo
cumpridos os seus caprichos e ambições mas incapaz de o fazer na minoração da
dor alheia e perante o infortúnio dos outros.
O povo mostrava-se satisfeito e acorria
aos trabalhos em grande número, tirando bom resultado da sua laboração. O
minério era pago no fim de cada dia e da semana à razão de 30$00 o quilo. Em
muitas casas onde não havia pão nem adubo para o caldo, já começava a sentir-se
a influência do minério. Não era de estranhar, dado o facto desta freguesia
viver quase exclusivamente da emigração, que muito prejudicada tem sido nos
últimos anos por motivo da guerra, não só não permitindo que os homens válidos
da terra emigrem como obrigou a voltar a seus lares os que moureavam por terras
de Espanha a França.
Com a promessa de que todo o minério
extraído poderia ser pertença do próprio povo e de quem o extraía, alguns
indivíduos e o pároco, Manuel Joaquim Domingues, desviaram dos trabalhos a
gente pacífica que, até então, trabalhava com ordem e disciplina. Primeiramente
levaram o povo a negar-se a entregar o minério extraído mas como não
conseguiram tal abuso por a isso se opor a força pública (da Marinha,
primeiramente e da Guarda Republicana ultimamente), conduziram-nos para a
greve, isto é impediram que alguém na freguesia se dirigisse para aquele
trabalho, com ameaças e não acolhiam quem de fora ali quisesse trabalhar.
Assim esteve paralisado a extração do
minério durante uns 20 dias aproximadamente. Durante este período da greve,
algumas pessoas que haviam pensado na aquisição de outra parcela de terrenos
confinante com o adquirido por San Payo, onde também esperavam encontrar algum
minério, fizeram as demarcações deste e apresentaram um requerimento à Junta de
Freguesia a pedir a sua alienação, que foi arrematado em hasta pública também e
precedido das formalidades legais ou tais consideradas.
Para evitar essa greve, que a todos
causava prejuízo (Sociedade Mineira, Povo e à própria economia nacional),
procuravam alguns elementos entender-se com o pároco da freguesia tendo-lhe
oferecido uma percentagem sobre os lucros obtidos da exploração, 10% e aumento
do custo do volfrâmio a pagar ao povo que passou de 30$00 para 40$00 o quilo.
Estes 10% seriam aplicados pelo pároco ou Comissão por ele presidida, em
melhoramentos locais julgados necessários pela freguesia de mais interesse ou
conveniência.
Eram estas as duas reclamações
manifestadas pelo pároco e que aliás a Sociedade, antes da mesma reclamação já
publicamente tinha prometido, não só por achar justo, em sua consciência, como
também para evitar conflitos e não a lamentar qualquer desastre motivado pelo
excitação a que procuravam conduzir o povo.
Ora, além disso, o arrematante da segunda
parcela de terreno e outros juntamente com o pároco ou quem o representava,
pretendiam formar uma nova sociedade para a constituição da qual o pároco
oferecia um terreno com um filão à vista de volfrâmio o que se acrescentaria ao
terreno daquele ultimamente arrematado, com possível ou provável minério de
aluvião, visto estar junto ao do Senhor San Payo.
Em compensação do seu filão à vista, (no
dizer do pároco) apresentava este como condição fazerem parte da nova sociedade
os Senhores Ferreira da Silva, empregado superior da Empreza Eléctrica do
Varoza, Henrique Fernandes Pinto, advogado de Lisboa, Afonso Lares, Delegado
Policial do concelho de Anadia, os comerciantes Augusto Joaquim Domingues e
Vitorino Esteves, da freguesia de Castro Laboreiro. O Sr. Lares representava o
pároco e era ele quem estabelecia as ligações ou conversações com os indivíduos
que se associavam ao arramatante da segunda parcela de terreno - Manuel José
Domingues, de castro Laboreiro - e que todos fariam uma nova e segunda
sociedade.
Seria então requerida à Junta de Freguesia
e alienação do terreno onde estivesse o tal filão que o pároco conhecia e
levava para esta sociedade.
Tudo conforme e assente, o pároco mandou 4
cartas para Castro Laboreiro, que foram escritas na Pensão Braga, na vila de
Melgaço, onde se encontrava em negociações, para outros tantos indivíduos seus
associados ou propostos à nova sociedade, e dizer-lhes que da sua parte
comunicassem ao povo da freguesia para retomar o trabalho da extração do
minério, porém só o fizesse no terreno ultimamente adquirido e que constituiria
a segunda sociedade.
O povo, ao saber disso e conhecer as
intenções do pároco servindo-se dele para conseguir os seus fins e de mais
alguns amigos, foi de novo trabalhar para o terreno do Sr. San Payo por saber
que nele havia positivamente minério, vilipendiando o pároco e recebe-o
hostilmente quando do regresso da vila de Melgaço à sua freguesia.
Esse mesmo povo dizia muito
significativamente: Foi para isto que nos obrigou a estar de braços caídos
durante mais de 15 dias!...
Perante o receio e ameaças da população,
viu-se na necessidade de ausentar-se ou fugir da freguesia e nem sequer dizer
missa na próximo domingo, por ter conhecimento de que o povo tencionava levá-lo
ao extremo da freguesia e não mais o receber.
Entretanto substituía nas suas combinações
o tal terreno com filão por outro de aluvião e, finalmente, quando o Sr. Lares
e outros foram verificar este na sua companhia, chegaram à conclusão de que o
referido terreno era pertença ou fazia parte do arrematado por San Payo e
Manuel José Domingues.
Nesta conformidade e sem mais satisfações
para aqueles com quem estabelece entendimentos e combinações, prometendo um
filão que não conhecia e substituindo-o depois por um terreno de aluvião já
arrematado por outros, resolveu partir para Braga e daqui para Lisboa com a
série de acusações despeitadas sobre os mesmos com quem na véspera estabelecera
acordo.
As conversações ou entendimentos, eram
dirigidos da parte do pároco pela Sr. Afonso Lares e seu cunhado Dr. Henrique
Pinto, respetivamente delegado Policial em Anadia e advogado em Lisboa, ambos
em férias nesta localidade onde têm família, e da parte de Manuel José
Domingues pelos Drs. Cândido da Rocha e Sá e José Joaquim de Abreu, deste
concelho.
Entre a primeira sociedade e o pároco, o
Sr. Lares representava o pároco e os elementos da sociedade em reunião
deliberaram ouvi-lo e depois resolver em conjunto. estes senhores atrás
mencionados é que conhecem bem os factos narrados e podem melhor esclarecê-los
para se fazer o verdadeiro juízo das afirmações do pároco.
Quanto ao direito de alienação do terreno
pela Junta, não o discutimos para nos faltar para tanto a competência e
autoridade. Mas a Junta alienou-o na convicção de que assim o poderia fazer ao
abrigo da lei estabelecida no Código Administrativo e desconhecendo outras leis
sobre tal matéria posteriormente à publicação daquele Código. Fê-lo pois na sua
boa fé e convicta da sua legalidade, vendeu, é certo por pouco mas ninguém dava
mais nem tanto por aquele terreno antes de conhecida a sua riqueza em minério,
em vista de ser um terreno a mais de 100 metros de altitude, sem vegetação,
coberto de neve grande parte do ano e nos limites de Portugal, junto aos marcos
fronteiriços, a confinar com as serras de Espanha, onde nem sequer os pastores
costumam levar os rebanhos. Só assim se explica um valor tão baixo na sua
aquisição e a falta de concorrentes à praça, havendo, também a acrescentar que
foram novecentos mil e não nove milhões de metros quadrados o terreno
arrematado. É claro que, depois de sabida a quantidade de minério nele
existente, já não faltava quem oferecesse muito!!! muito… com o fim de lucrar
muito mais.
Em conclusão e sem que na nossa
consciência surja a mais leve culpa por tudo o que se passa, julgamos que não
há imoralidade onde se estabeleceu até o pânico do escândalo nem a má fé onde
se quer fazer ver um crime degradante.
O alto arbítrio e o espírito de eleição
que informa V. Exa., mandará certamente ouvir as pessoas honestas e livres da
paixão que neste caso melhor poderão fazer luz para que justiça seja feita a
quem a merece e que já sofreu o vexame de ser desautorizado de funções públicas
como cúmplice de ilegalidades.
A Bem da Nação.”
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 1) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 2) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 3) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 4) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 5) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 6) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 7) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942) (Página 8) |
Entretanto, a Comissão Concelhia da União Nacional tinha estado reunida em 6 de Novembro e decidiu escrever também uma carta ao Ministro do Interior onde defende a honra e caráter do ex-Presidente da Câmara de Melgaço :
Exmo. Sr Ministro do Interior:
A Comissão Concelhia da União Nacional de Melgaço,
reunida no dia 6 de Novembro corrente, tomou conhecimento duma exposição
apresentada pelo seu secretário, Dr. João de Barros Durães, respeitante a uma
queixa apresentada a Sua Excelência, o Senhor Presidente do Ministério, pelo
pároco da freguesia de Castro Laboreiro, acusando de irregularidades no
exercício das suas funções, as autoridades administrativas da Câmara Municipal
e seus funcionários e bem assim a Junta de Freguesia de Castro Laboreiro, por
motivo de alienação de terrenos feitos por esta junta e onde se procede à
exploração de volfrâmio.
Pelas informações por esta colhida e pelo conhecimento
que temos das pessoas atingidas pela queixa do pároco, repelimos tais
informações por as julgarmos incorretas e injustas para pessoas honestas, de
caráter, e que desinteressadamente tem servido o Estado Novo.
Pelo seu passado e por todos os atos públicos e
particulares que são do nosso conhecimento, jamais tivemos oportunidade de
considerar os indivíduos visados como homens de má fé ou com intenções
reservadas.
O facto de fazerem parte de uma sociedade para que
foram convidados e que na sua boa fé aceitaram sem sequer lhes passar pela
ideia a possibilidade de os considerarem capazes de tais vilanias, não se
escondendo ou abrigando com qualquer subterfúgio como é próprio de quem não
costuma tomar a responsabilidade das suas atitudes, mais convencem o nosso
espírito de que não presidiu a esse ato a má fé ou a falta de moralidade.
Quem não conhece no concelho o presidente substituto
da Câmara, professor Abílio Domingues, pela sua bondade, correção, prudência,
paciência e porte moral à altura do cargo que desempenhava?!...
A sua modéstia de sempre não se alterou com a confiança
que nele depositaram as autoridades superiores do distrito ao conceder-lhe o
mandato de Presidente da Câmara na substituição do presidente efetivo, Dr. João
de Barros Durães.
Os funcionários da mesma Câmara têm sido zelosos e
cumpridores dos seus deveres, podendo verificar-se isso pela inspeção aos
serviços desta Câmara realizada no ano de 1941, onde se verifica a competência,
a ordem, disciplina e o interesse pelo bom funcionamento dos diversos serviços
a seu cargo."
Carta da Comissão da Concelhia de Melgaço da União Nacional (9 de Novembro de 1942) (Página 1) |
Carta da Comissão da Concelhia de Melgaço da União Nacional (9 de Novembro de 1942) (Página 2) |
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