sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Melgaço, 1942 - O Presidente da Câmara ataca o Padre de Castro Laboreiro (Ainda a novela do volfrâmio...)



Em Junho de 1942, foi descoberto volfrâmio num baldio em Castro Laboreiro (Melgaço). Estávamos no auge da 2ª Guerra Mundial. Foi constituída uma Sociedade Mineira e os membros desta convenceram a Junta de Freguesia a vender-lhes o terreno a um preço muito baixo. Da Sociedade faziam parte o Presidente da Câmara e outros membros ligados autarquia, além de Manuel Alves de San Payo. Então, o padre de Castro Laboreiro envia um telegrama a Salazar e uma carta demolidora ao Ministro do Interior (VEJA CARTA - CLIQUE AQUI), onde se queixa da atuação, especialmente, do Presidente da Câmara Dr. João de Barros Durães e do Presidente da Junta de Castro Laboreiro, acusando-os de terem feiro uma negociata e de se apropriarem de uma riqueza que pertence ao povo castrejo.
O Ministério do Interior pede à Guarda Fiscal do Peso (Melgaço) para realizar as devidas diligências com vista a apurar os factos. Então, a Guarda Fiscal redigiu um relatório que envia em 23 de Outubro de 1942 (VEJA RELATÓRIO INTEGRAL - CLIQUE AQUI).
Da denúncia do padre e do relatório da Guarda Fiscal resultou a destituição do Presidente da Câmara de Melgaço. Contudo, este sentindo-se atingido na sua dignidade, escreve uma carta, datada de 8 de Novembro de 1942, ao Ministro do Interior onde faz a defesa da sua atuação e ataca violentamente o padre de Castro Laboreiro acusando-o de tentar enganar o povo  da sua paróquia, sobrepondo o seu próprio interesse ao dos seus paroquianos.
A dita carta diz o seguinte:

“Melgaço, 8 de Novembro de 1942
Ex.mo Sr. Ministro do Interior
Com as responsabilidades políticas que tenho tido durante os últimos 12 anos numa luta constante em prol do Estado Novo, exercendo os cargos de presidente da Câmara Municipal, Secretário da Comissão Concelhia da União Nacional e delegado da Legião Portuguesa no concelho de Melgaço, julgo-me autorizado a vir expôr a V. Exa. a exatidão  dos factos ocorridos no caso do volfrâmio de Castro Laboreiro que motivaram a exposição e queixa do pároco da referida freguesia, senhor Manuel Joaquim Domingues, que tão grande alarde causou e foi classificado até como, escândalo por quem não conhece bem e com verdade como ele se passou.
Em princípios de Junho do corrente ano, constou ter aparecido volfrâmio naquela freguesia.
Fizeram registos os Srs. José Esteves e Abílio Domingues e outros, em determinados terrenos, registos esses que foram anulados por portaria ministerial por já não serem permitidos por Lei a partir de Outubro de 1941.
O Sr. Manoel Alves San Payo, melhor avisado e mais habilmente, já resolvera pedir e conseguira a alienação daqueles terrenos à Junta de Freguesia, visto saber que só em propriedades particulares se poderia pedir autorização ou licença de exploração daquele minério.
Enquanto os demais esperavam ver satisfeitos os seus pedidos de registo, este Sr. San Payo tinha conseguido adquirir, em hasta pública, e precedido das devidas formalidades legais da mesma Junta, o respetivo terreno.
Perante a posse do mesmo, pediu a necessária licença à Direção Geral de Minas, que lha permitiu provisoriamente a título de pesquisas.
Como estas fossem frutíferas, resolveu constituir uma sociedade. Para tanto, convidou as pessoas de sua amizade e que de algum modo pudessem emprestar à sociedade o seu melhor valimento no sentido de a exploração se fazer ordeira e honestamente.
Julgou pois que o melhor seria associar-se com essas pessoas, algumas das quais exercem cargos administrativos na sede do concelho e outras na Junta de Freguesia de Castro Laboreiro, a fim de lhe ser permitido o melhor rendimento na extração pacífica do minério.
Não tendo havido da parte destes funcionários e administrativos qualquer interferência na aquisição do terreno mas tão somente na constituição da sociedade que lhe foi oferecida por amizade e por interesse próprio do ofertante, não compreendemos como se tenha feito deste caso um alarido enorme com foros de grande escândalo e de imoralidade, apoucando e vexando pessoas que sempre foram honestas e deram o melhor do seu esforço na colaboração dos fins do Estado Novo.
De resto, primitivamente, toda a gente se riu da formação de uma sociedade em que muitos dos que hoje a ambicionam, chegaram a declarar não dar nem pelo terreno nem pelos trabalhos já realizados na sua consecução, a importância correspondente às despesas feitas.
Tal era, portanto, a perspetiva futura dessa sociedade para muitas pessoas das que depois fizeram a crítica e acusações. Porém, o tempo encarregou-se de demonstrar que não foram baldados os trabalhos realizados na organização e preparação desta. E só então, mas só então, é que todos começaram a arregalar os olhos e a sentir-se com desejos de partilhar do bolo. E desde que deste lhes tivesse sido permitido levar um bocado, não haveria imoralidade nem ilegalidade!
Até então, nem o pároco nem tantos outros da freguesia de castro Laboreiro, se importaram do caso. Ora, logo que o minério começou a ser extraído e a aparecer em certa quantidade, não faltaram os ambiciosos, ou melhor os invejosos, a protestar e reclamar em nome do povo da freguesia, procurando mostrar interessar-se por esta quando afinal só o seu interesse próprio defendiam!
Estes mesmos abeiraram-se do pároco com ofertas de dinheiro para gastar como julgasse necessário para derrubar a venda daquele terreno e conseguir a exploração do minério para a freguesia por meio de uma comissão presidida pelo pároco.
Desses mesmos indivíduos, alguns houve que anteriormente nos procuraram e pediram, com insistência, a sua admissão na sociedade - mas só quando esta já auferia lucros - e afastaram-se de nós com palavras de ameaça quando não viram satisfeitos os seus desígnios.
Infelizmente, o Homem é assim, capaz de romper com todos os preconceitos e expor todos os seus haveres não vendo cumpridos os seus caprichos e ambições mas incapaz de o fazer na minoração da dor alheia e perante o infortúnio dos outros.
O povo mostrava-se satisfeito e acorria aos trabalhos em grande número, tirando bom resultado da sua laboração. O minério era pago no fim de cada dia e da semana à razão de 30$00 o quilo. Em muitas casas onde não havia pão nem adubo para o caldo, já começava a sentir-se a influência do minério. Não era de estranhar, dado o facto desta freguesia viver quase exclusivamente da emigração, que muito prejudicada tem sido nos últimos anos por motivo da guerra, não só não permitindo que os homens válidos da terra emigrem como obrigou a voltar a seus lares os que moureavam por terras de Espanha a França.
Com a promessa de que todo o minério extraído poderia ser pertença do próprio povo e de quem o extraía, alguns indivíduos e o pároco, Manuel Joaquim Domingues, desviaram dos trabalhos a gente pacífica que, até então, trabalhava com ordem e disciplina. Primeiramente levaram o povo a negar-se a entregar o minério extraído mas como não conseguiram tal abuso por a isso se opor a força pública (da Marinha, primeiramente e da Guarda Republicana ultimamente), conduziram-nos para a greve, isto é impediram que alguém na freguesia se dirigisse para aquele trabalho, com ameaças e não acolhiam quem de fora ali quisesse trabalhar.
Assim esteve paralisado a extração do minério durante uns 20 dias aproximadamente. Durante este período da greve, algumas pessoas que haviam pensado na aquisição de outra parcela de terrenos confinante com o adquirido por San Payo, onde também esperavam encontrar algum minério, fizeram as demarcações deste e apresentaram um requerimento à Junta de Freguesia a pedir a sua alienação, que foi arrematado em hasta pública também e precedido das formalidades legais ou tais consideradas.
Para evitar essa greve, que a todos causava prejuízo (Sociedade Mineira, Povo e à própria economia nacional), procuravam alguns elementos entender-se com o pároco da freguesia tendo-lhe oferecido uma percentagem sobre os lucros obtidos da exploração, 10% e aumento do custo do volfrâmio a pagar ao povo que passou de 30$00 para 40$00 o quilo. Estes 10% seriam aplicados pelo pároco ou Comissão por ele presidida, em melhoramentos locais julgados necessários pela freguesia de mais interesse ou conveniência.
Eram estas as duas reclamações manifestadas pelo pároco e que aliás a Sociedade, antes da mesma reclamação já publicamente tinha prometido, não só por achar justo, em sua consciência, como também para evitar conflitos e não a lamentar qualquer desastre motivado pelo excitação a que procuravam conduzir o povo.
Ora, além disso, o arrematante da segunda parcela de terreno e outros juntamente com o pároco ou quem o representava, pretendiam formar uma nova sociedade para a constituição da qual o pároco oferecia um terreno com um filão à vista de volfrâmio o que se acrescentaria ao terreno daquele ultimamente arrematado, com possível ou provável minério de aluvião, visto estar junto ao do Senhor San Payo.
Em compensação do seu filão à vista, (no dizer do pároco) apresentava este como condição fazerem parte da nova sociedade os Senhores Ferreira da Silva, empregado superior da Empreza Eléctrica do Varoza, Henrique Fernandes Pinto, advogado de Lisboa, Afonso Lares, Delegado Policial do concelho de Anadia, os comerciantes Augusto Joaquim Domingues e Vitorino Esteves, da freguesia de Castro Laboreiro. O Sr. Lares representava o pároco e era ele quem estabelecia as ligações ou conversações com os indivíduos que se associavam ao arramatante da segunda parcela de terreno - Manuel José Domingues, de castro Laboreiro - e que todos fariam uma nova e segunda sociedade.
Seria então requerida à Junta de Freguesia e alienação do terreno onde estivesse o tal filão que o pároco conhecia e levava para esta sociedade.
Tudo conforme e assente, o pároco mandou 4 cartas para Castro Laboreiro, que foram escritas na Pensão Braga, na vila de Melgaço, onde se encontrava em negociações, para outros tantos indivíduos seus associados ou propostos à nova sociedade, e dizer-lhes que da sua parte comunicassem ao povo da freguesia para retomar o trabalho da extração do minério, porém só o fizesse no terreno ultimamente adquirido e que constituiria a segunda sociedade.
O povo, ao saber disso e conhecer as intenções do pároco servindo-se dele para conseguir os seus fins e de mais alguns amigos, foi de novo trabalhar para o terreno do Sr. San Payo por saber que nele havia positivamente minério, vilipendiando o pároco e recebe-o hostilmente quando do regresso da vila de Melgaço à sua freguesia.
Esse mesmo povo dizia muito significativamente: Foi para isto que nos obrigou a estar de braços caídos durante mais de 15 dias!...
Perante o receio e ameaças da população, viu-se na necessidade de ausentar-se ou fugir da freguesia e nem sequer dizer missa na próximo domingo, por ter conhecimento de que o povo tencionava levá-lo ao extremo da freguesia e não mais o receber.
Entretanto substituía nas suas combinações o tal terreno com filão por outro de aluvião e, finalmente, quando o Sr. Lares e outros foram verificar este na sua companhia, chegaram à conclusão de que o referido terreno era pertença ou fazia parte do arrematado por San Payo e Manuel José Domingues.
Nesta conformidade e sem mais satisfações para aqueles com quem estabelece entendimentos e combinações, prometendo um filão que não conhecia e substituindo-o depois por um terreno de aluvião já arrematado por outros, resolveu partir para Braga e daqui para Lisboa com a série de acusações despeitadas sobre os mesmos com quem na véspera estabelecera acordo.
As conversações ou entendimentos, eram dirigidos da parte do pároco pela Sr. Afonso Lares e seu cunhado Dr. Henrique Pinto, respetivamente delegado Policial em Anadia e advogado em Lisboa, ambos em férias nesta localidade onde têm família, e da parte de Manuel José Domingues pelos Drs. Cândido da Rocha e Sá e José Joaquim de Abreu, deste concelho.
Entre a primeira sociedade e o pároco, o Sr. Lares representava o pároco e os elementos da sociedade em reunião deliberaram ouvi-lo e depois resolver em conjunto. estes senhores atrás mencionados é que conhecem bem os factos narrados e podem melhor esclarecê-los para se fazer o verdadeiro juízo das afirmações do pároco.
Quanto ao direito de alienação do terreno pela Junta, não o discutimos para nos faltar para tanto a competência e autoridade. Mas a Junta alienou-o na convicção de que assim o poderia fazer ao abrigo da lei estabelecida no Código Administrativo e desconhecendo outras leis sobre tal matéria posteriormente à publicação daquele Código. Fê-lo pois na sua boa fé e convicta da sua legalidade, vendeu, é certo por pouco mas ninguém dava mais nem tanto por aquele terreno antes de conhecida a sua riqueza em minério, em vista de ser um terreno a mais de 100 metros de altitude, sem vegetação, coberto de neve grande parte do ano e nos limites de Portugal, junto aos marcos fronteiriços, a confinar com as serras de Espanha, onde nem sequer os pastores costumam levar os rebanhos. Só assim se explica um valor tão baixo na sua aquisição e a falta de concorrentes à praça, havendo, também a acrescentar que foram novecentos mil e não nove milhões de metros quadrados o terreno arrematado. É claro que, depois de sabida a quantidade de minério nele existente, já não faltava quem oferecesse muito!!! muito… com o fim de lucrar muito mais.
Em conclusão e sem que na nossa consciência surja a mais leve culpa por tudo o que se passa, julgamos que não há imoralidade onde se estabeleceu até o pânico do escândalo nem a má fé onde se quer fazer ver um crime degradante.
O alto arbítrio e o espírito de eleição que informa V. Exa., mandará certamente ouvir as pessoas honestas e livres da paixão que neste caso melhor poderão fazer luz para que justiça seja feita a quem a merece e que já sofreu o vexame de ser desautorizado de funções públicas como cúmplice de ilegalidades.
A Bem da Nação.”


Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 1)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 2)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 3)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 4)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 5)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 6)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 7)

Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (8 de Novembro de 1942)
(Página 8)


Entretanto, a Comissão Concelhia da União Nacional tinha estado reunida em 6 de Novembro e decidiu escrever também uma carta ao Ministro do Interior onde defende a honra e caráter do ex-Presidente da Câmara de Melgaço :

“Melgaço, 9 de Novembro de 1942
Exmo. Sr Ministro do Interior:
A Comissão Concelhia da União Nacional de Melgaço, reunida no dia 6 de Novembro corrente, tomou conhecimento duma exposição apresentada pelo seu secretário, Dr. João de Barros Durães, respeitante a uma queixa apresentada a Sua Excelência, o Senhor Presidente do Ministério, pelo pároco da freguesia de Castro Laboreiro, acusando de irregularidades no exercício das suas funções, as autoridades administrativas da Câmara Municipal e seus funcionários e bem assim a Junta de Freguesia de Castro Laboreiro, por motivo de alienação de terrenos feitos por esta junta e onde se procede à exploração de volfrâmio.
Pelas informações por esta colhida e pelo conhecimento que temos das pessoas atingidas pela queixa do pároco, repelimos tais informações por as julgarmos incorretas e injustas para pessoas honestas, de caráter, e que desinteressadamente tem servido o Estado Novo.
Pelo seu passado e por todos os atos públicos e particulares que são do nosso conhecimento, jamais tivemos oportunidade de considerar os indivíduos visados como homens de má fé ou com intenções reservadas.
O facto de fazerem parte de uma sociedade para que foram convidados e que na sua boa fé aceitaram sem sequer lhes passar pela ideia a possibilidade de os considerarem capazes de tais vilanias, não se escondendo ou abrigando com qualquer subterfúgio como é próprio de quem não costuma tomar a responsabilidade das suas atitudes, mais convencem o nosso espírito de que não presidiu a esse ato a má fé ou a falta de moralidade.
Quem não conhece no concelho o presidente substituto da Câmara, professor Abílio Domingues, pela sua bondade, correção, prudência, paciência e porte moral à altura do cargo que desempenhava?!...
A sua modéstia de sempre não se alterou com a confiança que nele depositaram as autoridades superiores do distrito ao conceder-lhe o mandato de Presidente da Câmara na substituição do presidente efetivo, Dr. João de Barros Durães.

Os funcionários da mesma Câmara têm sido zelosos e cumpridores dos seus deveres, podendo verificar-se isso pela inspeção aos serviços desta Câmara realizada no ano de 1941, onde se verifica a competência, a ordem, disciplina e o interesse pelo bom funcionamento dos diversos serviços a seu cargo."

Carta da Comissão da Concelhia de Melgaço da União Nacional (9 de Novembro de 1942)
(Página 1)

Carta da Comissão da Concelhia de Melgaço da União Nacional (9 de Novembro de 1942)
(Página 2)

Sem comentários:

Enviar um comentário