No livro "Santuário Mariano" publicado há cerca de 300 anos, o autor conta-nos uma história de um fantasma que apareceu ao abade de Roussas quando este vinha da vila de Melgaço no local onde se encontra esta capela. O abade ficou tão aterrorizado que prometeu construir uma capela caso Nossa Senhora o livrasse de tamanho aperto. E cumpriu...
Ora leia: "Em um eminente monte sobranceiro à Praça de Melgaço, na freguesia de Santa Marinha de Roussas, sítio, ainda que alto, é muito agradável e delicioso, não só pela variedade de horizontes. Dele se descobre muita parte do reino da Galiza, pela corrente do rio Minho acima e todas as terras do termo de Melgaço, Valadares, Monção e das mais que correm em frente do mesmo caudaloso Minho. Mas pela frescura dos arvoredos e pomares, se vê o santuário da Nossa Senhora da Graça.
Teve princípios este santuário no ano de 1594 e lhos deu
um abade da mesma freguesia de Roussas a quem chamavam Tristão de Castro,
obrigado de um voto que havia feito a Maria Santíssima, mãe de Divina Graça, em
ação de agradecimento de um singular favor, que recebeu da sua piedosa
clemência, no qual lhe prometeu de lhe erigir naquele sítio uma Casa, em que
ela fosse perpetuamente louvada. E o grande perigo de que a Senhora o livrou,
não foi só para ele favor, mas é benefício singular para todos aqueles povos,
pois por este meio dispôs a Divian Providência, que tudo encaminha
misericordiamente para bens dos homens, que tivessem tão grande Tutelar e
Protetora. Foi o favor que a Senhora fez ao Abade o seguinte.
Vindo o Abade Tristão de Castro da Vila de Melgaço sendo
já alta noite para sua casa, pela estrada, eu da mesma vila vai para a Igreja,
em o mesmo lugar onde hoje se vê o Santuário da Senhora, o qual estava cercado
de uma e outra parte de matas, arvoredos e bosques muito fechados. Neste sítio
saiu-lhe ao encontro um fantasma de muito estranha grandeza, que não só o
atemorizou muito, mas ao cavalo em que ia, o qual andava pelos ares à roda
dando saltos. Vendo-se o Abade neste grande perigo, e em termos de perder a
vida e de ser despedaçado, chamou por Nossa Senhora, de quem era muito devoto,
pedindo-lhe que lhe valesse e o livrasse daquela grande aflição e evidente
perigo em que se via. Porque ele Lhe prometia de lhe erigir naquele lugar uma
Ermida em que perpetuamente fosse louvada. De repente, se desfez o fantasma e
ficou tudo bem em sossego e o abade se recolheu a sua casa em paz porque a
Senhora o sustentou para não cair em terra e se despenhar.
Obrigado de tão grande favor, o abade e da promessa que
havia feito à Senhora, sem alguma demora, deu princípio à Ermida, que dedicou a
Nossa Senhora da Graça sem dúvida pela grande que lhe havia feito de o livrar
da morte que viu diante dos olhos. Também se denominou esta Senhora com o
título da Carvalheira, dando-se-lhe o título do sítio em que se lhe edificou a
Casa. Mas este título se extinguiu pelo decurso do tempo, preservando sempre o
da Graça pela grande que o abade havia feito. É esta Santíssima Imagem de
escultura de madeira, mas excelentemente obrada. A sua estatura são quatro
palmos, é estofada e tem ao doce fruto do ventre encostado ao peito direito e
pegando nele com tal graça com ambas as mãos, que causa grande devoção.
Não só edificou o abade a Ermida, mas para que sempre
aquela Casa da Senhora tivesse renda com que se consertasse, lhe deixou
aplicadas algumas fazendas e instituiu uma capela, para que o capelão dela
fosse obrigado a dizer missa ao altar da Senhora em todos os dias das sua
festividades, que se guardam naquele arcebispado. Desde os princípios que a
Senhora foi colocada naquele santuário, começou a obrar infinitas maravilhas,
como ainda ao presente obra, e assim são também muitas as romagens que se fazem
à Senhora, não só pelos moradores da vila de Melgaço, mas de todas as
freguesias do seu termo, principalmente em todos os domingos e dias santos do
ano. E todos acedem aos poderes daquela grande Senhora, que como é Mãe amorosa,
a todos ampara e favorece.
Muitos e notáveis são os prodígios que esta Senhora tem
obrado a favor dos seus devotos quando em suas aflições e trabalhos se valem da
sua clemência . Nas guerras passadas, que sucederam depois da feliz aclamação
del Rei Dom João o Quarto de saudosa memória, entre este reino e o de Castela
indo cinco soldados de valor a reconhecer o movimento do exército inimigo, que
se achava na Campanha dos Arcos. Caindo estes nas mãos do inimigo, três deles
foram prisioneiros, (porque escaparam os dois) e foram levados à vila de
Pontevedra, onde foram sentenciados à forca e como um deles fosse natural da
freguesia de Santa Marinha de Roussas a quem chamavam Gregório Vaz. Tendo
particular devoção à Senhora da Graça, disse aos dois companheiros, que se
oferecessem à Senhora, para que ela os livrasse da morte, ao que responderam
que ali já não havia outro remédio que morrer. O terceiro, que era Gregório, se
encomendou com mais fé à Senhora, crendo ser poderosa para o livrar da forca,
fazendo-lhe votos de a servir toda a sua vida, se lha conservasse. Sendo
enforcados os dois e mortos, seguia-se Gregório, a quem fizeram o mesmo. A este
se lhe quebrou a corda uma primeira e em seguida uma segunda vez, dobrando-lha
na última e nesta caiu em terra com a garganta toda ferida e julgado como os
demais morto, vindo ao outro dia os Religiosos de S. Francisco para os
enterrarem, acharam Gregório sentado e encostado em uma mão e com as contas na
outra. A vista desta maravilha, que era digna de estimar por milagrosa, não
teve o algoz compaixão dele. Antes lhe deu todo raivoso duas lançadas, uma pela
teta esquerda e outra mais acima e ambas passaram às costas. Tal é o antigo
ódio que os castelhanos têm aos portugueses que ainda à vista de um espetáculo
tão digno de compaixão o não fizeram dissimular. Assim o levaram com os outros,
como mortos e segunda vez o acharam com milagrosa vida. E se estendeu por todos
ser obra milagrosa e favor muito particular de Deus e de sua Santíssima Mãe a
quem Gregório se havia encomendado. Remeteram-no depois à Corunha, cabeça
daquele Reino da Galiza, mas preso. E deram conta do sucesso à Majestade de
Filipe IV, rei de Espanha, com a narração do sucedido. Ao que respondeu
como Príncipe Católico (em quem não podia entrar o ódio daqueles vis e malévolos
corações, que ainda tinham em prisões e perseguiam com mortal ódio ao português
Gregório) mais pio e misericordioso que os seus vassalos, que o remetessem a
Portugal. Porque a quem a Virgem Maria concedera a vida, não era bem que lha
tirassem os homens. E enfim veio Gregório Vaz a portugal e foi cumprir os seu voto
e viver junto à ermida da Senhora da Graça, tomando o sobrenome da mesma
Senhora, o qual, até ao presente vive servindo a Senhora e se chama Gregório da
senhora da Graça, pela que a Senhora lha fez de o livrar da morte e de lhe
conservar a vida em tanta crueldade. Ainda hoje conserva os sinais e cicatrizes
das feridas, afistuladas, para maior final de maravilha. Tudo isto consta de
papeis autênticos, que se conservam na Secretaria das Mercês e de um alvará
assinado pela mão real, em que El-Rei lhe mandou dar um tostão cada dia para seu
sustento. Da Senhora da Graça de Roussas escreve o Abade Brás de Andrade da
Gama."
Extraído de:
- Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.
Extraído de:
- Extraído de: SANTA MARIA, Frei Agostinho de (1712) – Santuário Mariano e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora. Tomo IV; Oficinas de António Pedrozo Galram; Lisboa.
Magnífico anti-castelhano!
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