Na revista brasileira "Fon-Fon" (!), na sua edição de 2 de Janeiro de 1926, encontramos uma crónica da autoria do célebre escritor Júlio Dantas, que nos fala de uma antiga nogueira em Paderne que encantou o autor numa viagem que ele fez a Melgaço na época. A dita nogueira terá captado a atenção do escritor ao ponto de o mesmo ter escrito um texto acerca dela e da terra. A dita crónica mereceu um comentário de um escritor brasileiro que aqui partilho:
"Acabo de ler uma bela crónica de Júlio Dantas: “A nogueira de Paderne”. É uma página magnífica, cintilante, viva, onde se reflete, espontânea e naturalmente, a alma sentimental do insigne artista da frase, cheia de encantos que comovem, emocionalmente mesmo, bordada de tópicos interessantíssimos sobre as velhas coisas do velho Portugal.
Foi em Melgaço, lá entre as montanhas verdes e gazeadas
de neve do Alto Minho, que ele a esboçou no pensamento, ou talvez a tivesse
escrito sentado a uma mesa colonial, naqueles terraços sombrios do solar de
Penso, numa dessas manhãs luminosas de Junho, em que os campos da pátria
lusitana se revestem de gala, a atmosfera refulge e os pássaros cantam, para
receber a parcela quente de vida que o sol espalha, doirando as messes e
pulverizando de luz as terras, os céus, os horizontes…
A Maldonado d'Anha, o velho fidalgo minhoto, deve Júlio
Dantas a excursão aos contrafortes das serras de Pernidelo e da Tenreira, e
consequentemente, a Paderne, onde ele viu, com os olhos marejados de lágrimas,
a nogueira centenária, isolada na horta dum convento em ruínas, que os frades
crúzios habitaram no século XIII: a árvore venerável. “Árvore de um bosque sagrado,
cujo tronco gigantesco, harmonioso, lnçado com a nobreza duma coluna, rebentava
ao alto em braçadas fortes, atiradas em atitudes humanas de súplica e de
imprecação…”
O que ele descreve, ante à magestade daquele símbolo
verde, quando só, no páteo do casarão antigo das monjas de D. Paterna, admirando-lhe
o perfil estranho e austero, ouvindo-lhe o sussurro macio das folhas, olhando
penalizado o cortex carcomido dos anos, como rugas de face humana, invocando,
quem sabe, a tradição santa dos bosques orientais – o que ele discorda, é, como
diria Wilde, admiravelmente belo!
O cronista, através da ramagens venerandas da nogueira de
Paderne, teve a visão do culto religioso dos seus ancestrais, imaginou o ritual
pagão com que os crentes medievos celebravam a adoração às árvores sagradas, sentindo,
também, ímpetos de orgulho da velha raça ao contemplar o tronco patriarcal,
irmão dos que formaram as quilhas singradoras “dos mares nunca dantes navegados”.
Único descendente, talvez daquelas galeras de asas brancas pandas ao vento,
que, como albatrozes da Civilização, rumavam os horizontes desconhecidos,
levando às Índias e à América o padrão glorioso da gente lusa.
No entanto, a nogeira de Paderne estava condenada a
morrer! Não sugerisse Maldonado d’Anha a ideia daquela excursão ao antigo solar
dos castro Menezes, onde ela vivia serenamente desafiando a implacabilidade dos
séculos, sorvendo com os derradeiros alentes o humus da terra avoenga que lhe
dava o viço à galhardia pujante – ninho murmuroso das avezinhas de Paderne – da
velha nogueira, agora, restaria apenas alguns destroços que o machado
devastador do homem deixaria como vestígios de sua selvagem destruição. Mas,
antevendo o mal, a bolsa do fidalgo abriu-se generosa, comprando ao “mendigo de
Goya” a árvore-suplice, livrando-a, portanto, da sentença bárbara, cuja ação
ele glorificou com um amplexo, estreitando nos braços o tronco ruguento da
grande nogueira – num “abraço pantheísta de dois velhos”, no qual Júlio Danta
admirou “o perfeito símbolo da união milenar da árvore e do homem”.
Essa página brilhante do ilustre cronista imortalizou o
gesto de Maldonado d’Anha, que prolongou a existência da relíquia de Paderne,
cuja árvore continuará vivendo com os séculos ramalhando frondosa e bela como
um espectro venerável do passado, recordando a vida conventual dos ascetas
crúzios…"
Extraído de: Revista FON-FON, edição de 2 de Janeiro de 1926, Rio de Janeiro.
Extraído de: Revista FON-FON, edição de 2 de Janeiro de 1926, Rio de Janeiro.
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