Após a revolta de 1820,
que implantou o liberalismo em Portugal, o país conheceu um longo período de
instabilidade política, ditado pela oposição entre as fações liberais e as
absolutistas e conservadoras. A monarquia constitucional teve dificuldades em
se implantar, em parte devido às mentalidades enraizadas, que se opunham
vivamente às mudanças jurídicas necessárias à instituição de uma nova ordem social,
política e económica.
Em Melgaço, foi uma
época de anarquia e insegurança em que os montes serviam de refúgio a bandos de
guerrilheiros fieis à causa absolutista e os caminhos e as terras mais altas eram
batidos constantemente por soldado leais à causa liberal. Numa publicação da
época, o “Imparcial”, de 1827 encontramos provas dos tempos conturbados que se
viviam no concelho. Num ofício do Capitão de Infantaria António Manuel de Meireles,
este dá conta das operações militares que tem levado a cabo nas terras melgacenses
e serras dos Arcos de Valdevez com vista a capturar os combatentes afetos à
causa absolutista que se escondiam nas serras de Melgaço ou então fugiam para a
Galiza pela raia seca. Numa destas operações, foi preso o Vigário de Cubalhão já que foi
apreendido um documento enviado a este pelo Pároco de Lamas de Mouro com vista
à angariação de homens nestas paróquias e em Castro Laboreiro para participarem
numa revolta contra os soldados fieis ao rei.
“Os dois ofícios abaixo
transcritos instruiram cabalmente os nossos leitores dos acontecimentos últimos
em S. Gregório, e na raia seca. Eles patenteiam o denodo e valor das nossas
tropas, os bem merecidos louvores que merece dos bons portugueses o ativo e bravo
José de Caldas Ozório, Tenente de Infantaria 21 e o bem que igualmente se
conduziu o Capitão António Manoel de Meirelles, do mesmo regimento:
Exmo. Sr. - Tendo-me
recolhido da diligência de que por Vossa Excelência fiu encarregado, levo ao
seu conhecimento todos os factos que ocorreram durante a minha digressão, que
são os seguintes: Chegando à vila dos Arcos no dia 9 do corrente, encontrei ali 90 homens dos
regimentos de Infantaria 3, 9 e Caçadores 12, que tinham sido mandados pelo
Exmo. General desta província para o mesmo fim a que eu ia. E como visse que
com a chegada daquela tropa se tinham feito públicos os movimentos que se
pretendiam fazer sobre as guerrilhas rebeldes. Para ver se podia remediar este
mal e conseguia surpreendê-los, ordenei imediatamente aos soldados da 21 que
tinham ficado em Coura que avançassem naquela noite para os Arcos; e ao Tenente
Caldas, que estava em Melgaço, que marchasse na madrugada dos dia 10 sobre o
lugar da Peneda, e atacasse uma partida que ali estava e era capitaneada pelo
Tenente de Veteranos de Lindoso, Francisco de Vasconcelos.
No mesmo dia 10, marchei
eu para Soajo, aonde tive aviso que o Tenente Caldas tinha batido e dispersado
os guerrilhas, fazendo-lhes 4 prisioneiros, e tomando-lhes uma égua com toda a
bagagem e correspondência do Comandante e como tivesse igualmente notícia de
que a tal guerrilha se estava de novo reunindo em um monte nas imediações do
Tibo, marchei no dia 11 para os perseguir e acabarmos a precipitada fuga em que
se puseram. Logo que eu me aproximei, e a densidade do monte por onde fugiram,
frustaram os meus intentos, e a pacotilha dos ladrões se evadiu.
No dia 12, pus-me em
marcha para S. Gregório, e ao meio dia fui atacado em Alcobaça por outra
partida comandada pelo Capitão Velozo. Mandei o Tenente Caldas que os
flanquasse pela direita, e eu carreguei-os pela estrada. Mas, fugindo eles
precipitadamente e em desordem, só lhes pude fazer um prisioneiro, porque o
resto se refugiaram para a Galiza, que
agora está servindo de couto de ladrões, e como lá não os podia perseguir,
recolhi-me naquele mesmo dia a Melgaço.
A perda dos rebeldes
constou de 5 prisioneiros com as suas armas, um bacamarte, uma égua, a bagagem
e correspondência do Comandante, e da gente eu eu comandava, só tive ferido um
soldado do 21.
Também prendi o Vigário
de Cubalhão por me ter sido entregue um ofício que o Abade de Lamas de Mouro
lhe dirigia, em cujo encontrei a autorização que o traidor Marquês de Chaves
mandou ao Tenente Coronel de Milícias de Braga, António de Vasconcelos Leite
Pereira para que sublevasse os povos e reunisse a maior força e número de
guerrilha que pudesse para se opôr às determinações do nosso legítimo Rei o
senhor D. Pedro IV. Este incendiário papel tem sido espalhado e afixado nas
freguesias de Castro Laboreiro e suas imediações pelos párocos dos mesmos como
Vossa Excelência verá no ofício do Encomendado do Crasto, que junto lhe remeto.
Se bem que toda a tropa
que me acompanhou se portou com o denodo e brio que tem todos os leais
portugueses, devo contudo particularizar o Tenente José de Caldas pela
atividade e zelo com que desempenhou todas as comissões de que o encarreguei.
Deus guarde a Vossa
Excelência.
Valença, 15 de Março de
1827.
Ill.mo e Ex.mo Sr José
Maria de Moura - António Manuel de Meireles, Capitão da 21 (Infantaria)".
Num outro oficio, podemos ler "Ex-mo Sr. - Tendo me recolhido da diligência de que Vossa Excelência me encarregou e ao Capitão Meireles, marchamos desta praça no dia 9, eu, em direitura à vila de Melgaço e ali recebi 80 soldados, 40 de Milícias de Vila do Conde, 20 das ditas de Viana e 20 do regimento 21. No dia 10 às 6 horas da manhã recebi do dito Capitão Meireles um ofício, datado da vila dos Arcos, aonde este referido Capitão se achava para que eu, logo que aquele recebesse, me pusesse em marcha para a Peneda e que ali me conservasse até ele chegar, tomando a estrada que daquele sítio se dirige à Galiza. Às 6 horas e meia da manhã, debaixo dessa grande tempestade me puz em marcha para o dito sítio, que consegui chegar ali à 1 hora da tarde. Logo que me fui aproximando à pequena povoação, foi vista a minha avançada pelo inimigo. Este correu a pegar nas armas e me fizeram algum fogo. Mas como eu carregasse com toda a minha tropa, que apesar do dia de água que tinha sofrido, sempre a levei reunida e os fiz desalojar das posições que tinham tomado, tanto da da ponte que eu notava mais dificultosa, sobre a qual marchei, como da outra, ao pé so santuária, por donde mandei avançar ao Tenente Rodrigo, das Milícias de Vila do Conde, que este bravo. Oficial e soldados, assim como os dos regimentos de Milícias de Viana, nada devem aos da primeira linha. No mesmo instante se pôs o inimigo em uma precipitada fuga, deixando em meu poder 4 prisioneiros, 2 armas, 2 baionetas, 3 boldriés dos ditos, 2 patronas, um traçado de refe, um bacamarte que era a arma do Comandante que os mandava, Francisco de vasconcelos, Tenente da fixe de Lindoso. Tomei uma égua, parte da bagagem deste comandante dentro de um saco, um capote, um casaco, uma fardeta de ganga azul, 2 pares de botas, 2 pares de meias, 2 lenços, um branco e outro de cor, e junto a isto uma porção de ofícios, que já estão em poder de Vossa Excelência, e mais uma mochila, com uma farda, umas calças azuis e uma camisa pertencente a um cabo de Milícias dos Arcos que anda unido a esta Comandante.
Num outro oficio, podemos ler "Ex-mo Sr. - Tendo me recolhido da diligência de que Vossa Excelência me encarregou e ao Capitão Meireles, marchamos desta praça no dia 9, eu, em direitura à vila de Melgaço e ali recebi 80 soldados, 40 de Milícias de Vila do Conde, 20 das ditas de Viana e 20 do regimento 21. No dia 10 às 6 horas da manhã recebi do dito Capitão Meireles um ofício, datado da vila dos Arcos, aonde este referido Capitão se achava para que eu, logo que aquele recebesse, me pusesse em marcha para a Peneda e que ali me conservasse até ele chegar, tomando a estrada que daquele sítio se dirige à Galiza. Às 6 horas e meia da manhã, debaixo dessa grande tempestade me puz em marcha para o dito sítio, que consegui chegar ali à 1 hora da tarde. Logo que me fui aproximando à pequena povoação, foi vista a minha avançada pelo inimigo. Este correu a pegar nas armas e me fizeram algum fogo. Mas como eu carregasse com toda a minha tropa, que apesar do dia de água que tinha sofrido, sempre a levei reunida e os fiz desalojar das posições que tinham tomado, tanto da da ponte que eu notava mais dificultosa, sobre a qual marchei, como da outra, ao pé so santuária, por donde mandei avançar ao Tenente Rodrigo, das Milícias de Vila do Conde, que este bravo. Oficial e soldados, assim como os dos regimentos de Milícias de Viana, nada devem aos da primeira linha. No mesmo instante se pôs o inimigo em uma precipitada fuga, deixando em meu poder 4 prisioneiros, 2 armas, 2 baionetas, 3 boldriés dos ditos, 2 patronas, um traçado de refe, um bacamarte que era a arma do Comandante que os mandava, Francisco de vasconcelos, Tenente da fixe de Lindoso. Tomei uma égua, parte da bagagem deste comandante dentro de um saco, um capote, um casaco, uma fardeta de ganga azul, 2 pares de botas, 2 pares de meias, 2 lenços, um branco e outro de cor, e junto a isto uma porção de ofícios, que já estão em poder de Vossa Excelência, e mais uma mochila, com uma farda, umas calças azuis e uma camisa pertencente a um cabo de Milícias dos Arcos que anda unido a esta Comandante.
No dia seguinte às 5 da
manhã fiz marchar o Tenente Rodrigo com 26 soldados pela estrada que atravessa
esta áspera montanha sobre S. Bento do Cando 2 povoações da Gavieira, por me
persuadir que esta seria a estrada que os soldados rebeldes escapados deviam
tomar, e cortando-lhe por este modo a que vai para S. Gregório. Eu marchei com
o resto e prisioneiros em direitura à povoação do Tibo, aonde mandei sair o
dito Tenente que tinha mandado pela outra estrada. Neste sítio me juntei com o
Capitão Meireles, que já aí estava quando eu chegava. Então lhe entreguei a
gente que vinha debaixo do meu comando e só tenho a levar à respeitável
presença de Vossa Excelência digna
conduta desta brava tropa. Não falando na Infantaria 21, que esta a mim me
ensina a ser militar. Fiz mais um prisioneiro sobre Fiães no dia 12, de que já
o referido Capitão daria parte a Vossa Excelência em razão de terem cessado as
minhas funções.
Deus guarde a Vossa
Excelência - Quartel de Valença, 16 de Março de 1827. Ex.mo Sr. José Maria de
Moura.
José de Caldas Ozório,
Tenente da 21.”
Extraído de: "Imparcial", Edição de quinta feira, 22 de Março de 1827.
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