Neste
ano de 2017, a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço celebra cinco séculos de
existência. Esta secular instituição regeu-se nos seus primórdios pelo
Compromisso impresso em 1516, cujo alvará de confirmação foi redigido a 12 de Julho de 1517. Isto faz da
Misericórdia de Melgaço, uma das mais antigas de todo o país, conservando ainda
hoje esse primitivo documento estatutário, um verdadeiro e raro tesouro histórico.
As
origens da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço tem que ser estudadas no
contexto da sequência do surgimento da SCM de Lisboa. A fundação da Santa Casa
da Misericórdia de Lisboa remonta a 1498, obra da rainha D. Leonor, viúva do
rei D. João II.
Terá
sido em 1500 que, muito provavelmente, se terá redigido o primeiro compromisso
da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Tratava-se de um documento manuscrito
que terá desaparecido durante o Sismo de 1755.
A
Misericórdia lisboeta conserva ainda hoje no seu cartório um exemplar do
Compromisso de 1502, feito em pergaminho, da autoria de Gomes Peixoto.
Continua, contudo, por esclarecer se se trata de uma cópia do anterior ou de
uma nova ordenação da lei.
Se a
fundação da SCM de Lisboa é obra inegável da rainha Leonor, a expansão das
Misericórdias para todo o país tem de ser atribuída ao rei D. Manuel I que
incentivou o surgimento de Confrarias da Misericórdia um pouco por todo o país
com o claro objetivo de replicar um pouco por todo o reino a experiência e
forma de atuação da instituição lisboeta no que toca à assistência aos mais
necessitados.
Este
movimento de criação foi estimulado através de cartas enviadas pelo rei às
vereações locais ou então pelo envio de emissários. A atestar este impulso,
podemos citar uma carta do monarca dirigida à Câmara do Porto em 14 de Março de
1499, da qual se trancreve este trecho: “…e porque as obras de Misericórdia que
pelos officiaes d’esta confraria cada dia se fazem, redundada em muito louvor
de Deus de que nós tomamos muito contentamento, por se em nossos dias fazer,
folgamos muito, que em todas as cidades, villas, logares principaes do nosso
reino se fizesse a dita confraria, na forma e maneira que no dito regimento se
contem”.
É
preciso compreender que o contexto no qual este esforço fundacional de
misericórdias se deu é o de um reino que dava os seus primeiros passos no
caminho da construção de um Estado territorial centralizado e que,
naturalmente, estava ainda longe de possuir uma rede burocrático-institucional
homogénea que lhe permitisse dominar e submeter o espaço e os múltiplos poderes
que nele se exerciam (PAIVA, et al, 2002).
Desta
forma, surge o primeiro compromisso impresso e publicado pela Misericórdia de
Lisboa, que data de 1516, que retoma, segundo alguns autores, de forma mais
ordenada e elaborada, o conteúdo do
compromisso original manuscrito. Foi redigido por André Pires e aprovado pelo
rei D. Manuel I, em 15 de Novembro de 1516. A sua impressão foi confiada pelo
rei a dois tipógrafos de renome, Valentim Fernandes e Harman de Campos. O
resultado deste trabalho é considerado atualmente como uma rariadade
documental, um verdadeiro tesouro da História. Foi impresso um número
desconhecido mas limitado de réplicas do qual faz parte este peimeiro
Compromisso da Confraria da Misericórdia de Melgaço.
Convém
contudo alertar o leitor que são conhecidas duas edições do Compromisso da
Misericórdia, ambas com data de 20 de Dezembro de 1516. Segundo ANNINGER, A.
(1983), prontamente secundada por LEÃO, F. (1995), esta mostra, sem margem para
dúvidas, que uma dessas edições (a que ostenta na portada uma cercadura com
elementos fitomórficos e zoomórficos), repetindo embora o texto da primeira –
inclusive no respectivo colofone –, é uma edição contrafeita da impressão
original. Na versão autêntica, “a decoração da cercadura do rosto é
constituída por elementos malacolóficos (conchas) em céu estrelado sobre fundo
negativo” (http://microsite.scml.pt/).
As
caraterísticas do primeiro Compromisso da Confraria da Misericórdia de Melgaço
não oferecem dúvidas. A decoração da capa, caraterísticas e conteúdo da
impressão correspondem inteiramente à versão original.
O
exemplar que existe no Arquivo da SCM de Melgaço é, como se disse, parte de um
restrito número de exemplares que chegaram ao nosso tempo em bom estado de
conservação. Segundo, CUNHA, A. (1925), da edição original de 1516, existiriam
à época apenas dez preciosos exemplares, não indicando a quem pertenciam bem
como a sua localização. Na verdade, atualmente, existem onze exemplares
conhecidos, sendo que dez desses compromissos se encontram em Portugal e um
outro se encontra na Biblioteca da Universidade de Harvard (Estados Unidos da
América).
No
espaço das últimas páginas deste Compromisso da Misericórdia de Melgaço, surge
um pormenor muito valioso que é o alvará de confirmação dos estatutos lavrado
no dia 12 de Julho de 1517, pelo
punho de Luíz Fernandes, escrivão da Misericórdia lisboeta, que aqui mostramos:
Apoiando-nos
em ESTEVES, A. (1957), neste alvará de confirmação, pode ler-se:
“O provedor
e ofecyaes da Santa Cofraria da Mysycordea desta mui nobre e semprre leall
çydade de Lixboa fazemos saber a quatos este copmysso vyre q esta santa
cofrarya se rege e adminystra pello copmyso atras espto e per elle concedemos
pvylegeos aos maposteiros que (…1)
com ho trelado do pvylegeo q el rey nosso sor pa ella daa e sse lhe
guardaão p into segdo forma do dio copmyso. E el Rey
nosso sor ho ha asy pa serviço de Ds e seu e favorece e todo a dita
cofraria e copmyso. E ora Po Nogra proveador da cofraria
da mysycordea da villa de Barcellos e seu nome e dos ofecyaaes da dita cofraria
nos pedyo q lhe mandassemos dar ho trelado do dto copmyso autorysado
pa p’ elle se rregerem e menystrarem a dta cofraria. E
visto p nos sseu dezer e pedyr ser sservyço de Ds lhe madamos dar ho trelado do
dto copmyso impmydo do propreo modo e manra q he ho nosso p honde nos regemos e
menystramos a dta cofraria pa q lhe sseja guaardado asy
como nelle se cotem e asynamos aquy esta certydão sselada co ho sello da dta
cofraria e fta p Luys Frz escvão della aos XIJ dias do mês de julho
de myll e quinhetos e dezasete anos.”
(Lugar do Selo, que se perdeu, e assinaturas)
(1) Segue-se uma linha que se
perdeu ao serem aparadas as páginas quando se encadernou o volume em meadoss do
século XVII.
Mas
quem foi este Pedro Nogueira que é responsável pelo pedido do primeiro
Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço? Ele é apontado como o
primeiro provedor da Santa Casa da Misericórdia de Barcelos. No livro Barcelos
Histórico Monumental e Artístico, Eugénio
de Cunha e Freitas refere que a instituição da Misericórdia barcelence terá
tido como primeiro provedor o referido Dr. Pedro Nogueira que era Capitão do Terço
de serviço de D. Fernando I, 9º Conde de Barcelos.
Terá
sido, provavelmente, neste forte desejo do rei D. Manuel I de levar as
Misericórdias a todo o país que terá nascido a Confraria de Melgaço. À exceção
deste valioso Compromisso, que inclui o alvará de confirmação manuscrito atrás
citado, no espólio documental da instituição são raros os suportes que nos
contem os primeiros tempos de vida da instiuição, especialmente durante o
século XVI. De facto, apenas temos notícias de 1531, relativas a um alvará pelo
qual se houve por bem anexar à Confraria da Misericórdia o Hospital de S. Gião
da vila de Melgaço, alvará cuja cópia se encontrava no arquivo da Santa Casa e
foi transcrito no seu Tombo. Contudo, no tal documento datado de 1 de Dezembro
de 1531, não consta o nome do provedor ou algum irmão da Mesa. Desde a sua
fundação até 1589, a não ser a notícia de Martim Lopes ter sido escrivão da
Mesa da Santa Casa e por vezes outros cargos ter exercido, nada mais se conhece
da sua vida interna ou da sua atividade religiosa.
Neste
contexto de excassez documental, podemos considerar legítimas as dúvidas
levantadas por ESTEVES, A. (1957) quanto à data da fundação da Confraria da
Misercórdia de Melgaço. O dito autor salienta também que não é certo que o
Compromisso, religiosamente guardado há séculos no Arquivo da Misericórdia de
Melgaço, seja de facto o documento normativo maior da Misercórdia melgacense.
Todavia, o mesmo autor reconhece também que a tradição oral local reconhece
este documento estatutário como o autêntico primeiro Compromisso da Confraria
da Misericórdia de Melgaço. Além disto, existe uma inscrição manuscrita
posterior, possivelmente de finais do século XVII ou XVIII, onde se identifica
claramente o documento com os dizeres: “Estatutos e Compromisso desta Sta. Caza
da Sta. Misericórdia da Villa de Melgaço”.
Desconhece-se
qual terá sido a primeira casa que terá acolhido a sede desta Confraria da
Misericórdia nos tempos da sua fundação por falta de suporte documental.
Contudo, ESTEVES, A. (1957) levanta a hipótese de a Confraria da Misercórdia
melgacense ter funcionado nos seus primórdios na primitiva igreja paroquial de
Santa Maria do Campo. No seu livro, sugere a sua localização referindo que onde
hoje se encontra a igreja da Misericórdia, levantava-se outrora outra igreja
mais pequena e mais modesta. Para termos noção da dimensão do templo primitivo,
o autor sugere que se derrube à atual igreja a sacristia e o consistório;
apeie-se a varanda do sino e o corpo que desta vai até às escadas do
consistório. Fechem-se a porta travessa e obstruam-lhe todas as frestas e o
óculo frontal. Coloquem o sino, no cimo, no meio da frontaria e o altar-mor, retirados os laterais, um ou
dois metros à frente e por último estreitem e abaixem a porta de entrada e
armem-lhe um alpendre, de pedra e madeira, na frente, com uma oliveira ao lado
e teremos assim, a fábrica dessa outra pequena igreja, antiga, primitiva, tal
qual devia existir na Idade Média com o Orago de Santa Maria do Campo,
invocação que o rodar do tempo e o carinho desde o princípio consagrado pelo
povo à Santa Casa cedo apagaram da memória dos homens. (ESTEVES, A., 1957)
É
muito provável que a Confraria da Misericórdia de Melgaço tenha aí nascido há
500 anos atrás…
Fontes consultadas:
-
ANNINGER, Anne (1983) - «Un oiseau rare: le Compromisso de
1516 de Hermão de Campos.» Revista da Biblioteca Nacional, Lisboa,
vol.3, n.o 1-2, Jan.-Dez., pp. 205-213.
-
CUNHA, Alfredo da (1925) – A Santa Casa da Misericórdia do Fundão. Oficinas de
O Comércio do Porto, Porto.
-
ESTEVES, Augusto C. (1957) – Santa Casa da Misercórdia de Melgaço. Tipografia
Melgacense, Melgaço.
-
LEÃO, Francisco G. Cunha (1995) - «As edições quinhentistas dos Compromissos da
Misericórdia de Lisboa», in Mater Misericordiae, Lisboa, Museu de
S. Roque e Livros Horizonte, pp. 52-67.
-
PAIVA, José Pedro et al (2011) - Portugaliae Monumenta Misericordiarum -
Misericórdias e Secularização num século turbulento (1910 - 2000). Volume 9,
Tomo II; Centro de Estudos de História Religiosa; Universidade Católica
Portuguesa. Edição da União das Misericórdias Portuguesas.
Edificio do Antiguo hospital Da Misericordia ( actual centro cultural de action social ) .actuacion como " justes " de la nation .
ResponderEliminar.Un exemplaire en la universidad DE Oxford y otro en ,B.N.F .Paris ( bibliothèque nationale de France ) .