Em
Melgaço, os primeiros acessos à luz elétrica remontam há mais de
um século. Contudo, para a generalidade da população não passava
de um sonho nessa época. O Dr. António Augusto Durães, enquanto
administrador do concelho entre 1913 e 1914, terá sido dos primeiros
a pugnar pela luz elétrica para Melgaço ainda que nunca tenha
conseguido que tal se concretizasse durante o seu mandato.
O
Peso e Castro Laboreiro seriam dos primeiros locais, em Melgaço, a
possuir engenhos de produção de energia elétrica para diferentes
fins em meados da segunda década do século XX. Em terras castrejas,
foi Abílio Alves Carabel o primeiro a ter acesso a energia elétrica
na sua fábrica de chocolate. Até então, as primitivas instalações
que ocupavam parte do edifício em pedra do atual Núcleo Museológico
de Castro Laboreiro, não tinham ao tempo energia elétrica, e o
carvão, a que o pai Domingos Carabel sempre recorrera, onerava os
custos. Abílio Carabel consegue então autorização dos Serviços
Hidráulicos, onde chegou a trabalhar, para um barracão no rio
Laboreiro, e aproveita a força motriz da água para gerar energia
para a sua nova fábrica de chocolate.
No
Peso, em 1913, as termas e os hotéis estão muito concorridos
mas necessitam de se modernizarem. O complexo termal sonha com a luz
elétrica. No jornal "Correio de Melgaço", na sua edição
de 1 de Junho desse mesmo ano de 1913, podemos ler acerca de Cícero
Solheiro que aspirava a instalar no Peso um cinematógrafo para a
projeção de cinema e para isso precisava de energia elétrica: “Há
indivíduos que pela sua ilustração e inteligência se impõem à
nossa consideração e estima; outros, que pelo seu espírito
verdadeiramente regional e empreendedor se impõem à nossa
veneração. Neste caso está (…) Cícero Cândido Solheiro, que
heroicamente trabalha para o engrandecimento material deste concelho,
a quem adora, não se cansando de (…) lhe introduzir os
melhoramentos indispensáveis à vida provinciana. O ano passado
comprou (…) um magnífico camion para transporte de passageiros e
bagagens, de Valença a esta Vila, e vice-versa, melhoramento de
capital importância, já pela rapidez relativa da viagem, já pela
comodidade com que nos transportamos, estradas em fora, numa
distância de 42 kms. A sua actividade, porém, não parou aqui.
Cícero Solheiro, estendendo as suas vistas de águia, reconheceu a
necessidade de mais um camion, para quando houvesse grande movimento
para as Águas do Peso e além disso poder facultar aos (…)
hóspedes anuais digressões cómodas e agradáveis. Efectivamente,
mais um luxuoso e elegante “Berliet” foi adquirido por este nosso
amigo, melhoramento importante para o concelho, extraordinária e
vantajosa comodidade para os seus hóspedes, que se podem transportar
para onde lhes apraza, com a rapidez e conforto indispensáveis. Mas
o Peso, dizia o bom do nosso Cícero, não tem uma única distracção,
onde os aquistas possam relembrar a vida das cidades, onde passem
algumas horas de ócio, despreocupadas e alegres. O Peso não tem
outra distracção que não seja a beleza do nosso solo, tapetado de
verdura e coberto de luxuriante vegetação. Dotar o Peso com luz
eléctrica e um cinematógrafo era a ideia que mais o preocupava e
que pôs imediatamente em execução, mandando-o construir e
aplicar-lhe os mais aperfeiçoados aparelhos que a Companhia
Cinematográfica Portuguesa pode fornecer e com cujo mecanismo
fornecerá, de luz eléctrica, não só o salão cinematográfico,
mas também os hotéis e estância das águas, caso queiram tal
melhoramento, o que é muitíssimo plausível. Para deliciar os
amadores de música adquiriu um lindíssimo e completo piano
eléctrico, que também pode ser manual, ao qual adaptará belas
composições musicais, ficando assim o Peso, até aqui de uma
monotonia aldeã, transformado numa aprazível e encantadora
estância. Sabemos que em 15 de Junho (…) será inaugurado o
cinematógrafo, onde todos iremos, como verdadeiros regionais e
amantes do progresso deste lindo rincão, prestar a nossa homenagem
de consideração, veneração e estima, a esse novo, mas corajoso e
intrépido trabalhador, a quem Melgaço deve todos os melhoramentos
que possui. Mas a nossa veneração aumenta de intensidade ao
lembrarmo-nos que Cícero Solheiro se não fora o grande amor pela
sua terra (…), podia gozar despreocupado e sem canseiras, os seus
avultados rendimentos. Mas não! Cícero Solheiro quer melhorar a sua
terra, por cujo engrandecimento trabalha afanosamente, crendo nós
bem que não haverá nenhum melgacense que ao pronunciar o seu nome
não sinta por ele a veneração devida aos beneméritos da
sociedade. Receba o nosso Cícero os cumprimentos do “Correio de
Melgaço” pelo seu gesto dum verdadeiro patriota, dum sincero e
desprendido regional”.
O
sonho do Sr. Cícero Solheiro apenas se realizou em parte. Para tal,
podemos dar uma leitura no referido jornal “Correio de Melgaço”,
na sua edição de 24 de Agosto de 1913, que nos conta
que “Inaugurou-se ontem, no Peso, com extraordinária
concorrência, este belo salão cinematográfico… É uma bela casa
de recreio, dotada de todos os aperfeiçoamentos modernos e
requisitos indispensáveis a edifícios desta natureza; profusamente
iluminado a luz eléctrica e pintado com muito gosto artístico.
Admira-se ali um magnífico piano-concerto accionado a electricidade,
que também pode ser tocado por qualquer pianista – sensacional
novidade entre nós. Hoje há quatro sessões, que prometem muito,
pela variedade e importância das fitas: às 14, 16, 20 e 22 h, que
corresponderão à carreira de automóveis, entre a Vila e o Peso,
pelo preço de 50 centavos, ida e volta, com direito a uma sessão.
Há sessões todas as noites”.
Contudo,
o complexo termal do Peso apenas iria ter luz elétrica nos espaços
públicos e nos hotéis em 1931. Esse momento marcante é-nos contado
no jornal “Notícias” de Melgaço”, na sua edição de 17
de Maio desse mesmo ano onde nos relata a instalação da
electricidade em vários prédios desta estância: 500 lâmpadas no
Hotéis Rocha, Quinta do Peso e filiais, no Parque e avenidas da
empresa das Águas. Anunciava a inauguração para os primeiros dias
de Junho sendo a energia fornecida pela Companhia do Tambre com sede
na vila de Noia, província da Corunha, Espanha.
Amiudadas
vezes faltava a luz, como refere o correspondente no Peso daquele
jornal: “É raríssima a noite em que nesta localidade se
conserve a luz eléctrica toda a noute sem por vezes se apagar, o que
causa grandes prejuízos não só à casas particulares, como aos
hotéis, casas de pensão e casas comerciais… Assim é que os
hoteleiros e casas de pensão são obrigados a ter em depósito em
sua casa de caixas de velas”.
O
emprego da electricidade possibilitou a que se fizessem no balneário
aplicações de diatermia, para o que foi adquirido um aparelho;
ampliou-se também a secção de banhos carbo-gasosos. O balneário
ficou provido de um serviço completo de banhos de imersão,
carbo-gasosos, duchas escocesas e sub-aquáticas. Em 1935 começou a
direção clínica “a empregar sistematicamente as curvas
glicémicas como meio de investigação dos efeitos das águas na
diabetes”.
“Com
maior frequência o Parque, o Pavilhão das Águas, os salões dos
hoteis se animaram com as galas de iluminações nocturnas, as
harmonias de bandas de música e orquestras, a elegância dos bailes
e a alegria das quermesses. Era a beneficência, o melhor incentivo
das festas, segundo as boas tradições das estâncias portuguesas.
Contribuir para a filial que a Associação Protectora dos Diabéticos
Pobres, em 1931, instalou no Peso, contribuir para o hospital da
Misericórdia de Melgaço, contribuir para os pobres, tornou-se
pretexto para amiudadas festas”.
Em
28 de Agosto de 1932 o “Notícias de Melgaço” descrevia assim a
animação na estância que agora se prolongavam durante o período
noturno até à madrugada: “As 9 horas da manhã deu entrada no
Peso a afamada Banda dos Bombeiros Voluntários de Melgaço, com um
primoroso passo dóbli e depois de executar várias peças do seu
vasto reportório no Parque do Grande Hotel Ranhada, dirigiu-se para
o parque das Águas, e aí permaneceu até à noite, tendo início
dentro do Pavilhão das Águas e fora, um concorridíssimo baile que
se prolongou até às três horas do dia 29. Durante a tarde houve
jogos variadíssimos e diferentes divertimentos. A ordem era mantida
por uma patrulha de marinheiros fardados e devidamente armados,
comandada pelo Sr. E. P. de Mendonça, que devido à boa educação
de todo o povo que foi assistir a estes festejos, não foi alterada a
ordem da força acima referida”.
Três
dias depois houve, no Peso, um outro baile, “por iniciativa de
alguns hóspedes no Grande Hotel Ranhada e realizou-se a convite,
visto encontrarem-se ali as damas mais distintas não só da vila de
Melgaço como também desta localidade. O baile correu animadíssimo
até às 2 horas da madrugada; foi oferecido às damas à meia noute
um explêndido chá. A música constava de um quarteto composto de
uma concertina, violão, flauta e violino, dirigido pelo Sr. Dinis de
Brito, que fez executar com a inteligência e exactidão inumeráveis
peças do seu grande reportório”.
O
Parque do Grande Hotel do Peso conheceu também noites animadas como
a da ‘Festa da Caridade’ realizada em 17 de Setembro de 1932,
“por iniciativa das Ex.mas Sras. D. Judit Alheas, D. Maria José
Nascimento e D. Sara Brou da Rocha Brito que foi abrilhantada com
Iluminação, Bailes, Quermesses, Barracas de chá e petiscos
nacionais servido por gentis senhoras com trajes a carácter. As
Barracas muito originais e de um fino gosto artístico foram obra do
Ex.mo Sr. Lino do Nascimento tendo como auxiliar o incansável Ex.mo
Sr. Rocha Brito.
Às
vinte e duas horas, entrou com um primoroso passo doble a banda de
Valadares que depois de dar entrada no seu respectivo coreto, ali se
conservou executando inúmeras peças do seu vasto reportório até
às três da madrugada”.
No
concelho de Melgaço, além do Peso, em 1931, foi também montada a
iluminação pública com luz elétrica na vila de Melgaço. Até
esta altura, existia na vila de Melgaço ou em Castro Laboreiro,
iluminação pública fornecida por candeeiros a gás. Para instalar
luz elétrica nas ruas de Melgaço, a Câmara Municipal pediu
autorização, à Secretaria Geral das Finanças, para contrair um
empréstimo de 150 contos para financiar tal operação. Numa missiva
enviada pelo Governador Civil de Viana do Castelo ao Secretário
Geral do Ministério das Finanças em 9 de Janeiro de 1930, podemos
ler:
“Ex.mo
Sr. Secretário Geral do Ministério das Finanças
Tendo
sido autorizado por Sua Ex.a, o Ministro do Interior, um empréstimo
de 150.000$00 a contrair pela Câmara Municipal de Melgaço para a
instalação da iluminação pública na Vila sede de concelho e
encontra-se o respetivo processo nesse Ministério, venho solicitar a
Vossa Ex.a se digne mandar submeter este assunto a despacho com a
urgência que for possível.
Saúde
e Fraternidade.
Viana
do Castelo, 9 de Janeiro de 1930.”
O
empréstimo recebeu o aval do Secretário Geral do Ministério das
Finanças em 22 de Maio de 1930. A iluminação pública seria
inaugurada em 1931. A energia elétrica da rede pública será
assegurada pela empresa espanhola J. Valverde & C.ª. Esta
empresa galega, mais tarde, vai obter da Câmara Municipal a
concessão da exploração da rede elétrica no concelho. A energia
que alimentava esta rede elétrica era proveniente de Espanha através
de uma linha de transporte. A dita empresa manterá esta concessão
até Setembro de 1962, quando a Empresa Hidro-Eléctrica do Coura,
Lda, a empresa já concessionária em quase todo o distrito, assume
essa função.
A
luz elétrica só chegou à última aldeia de Melgaço já no século
XXI.
Fontes
consultadas:
-
Correio de Melgaço, edição de 1 de Junho de 1913;
- Correio
de Melgaço, edição de 24 de Agosto de 1913;
-
FIGUEIRA, João José (2012) - O estado da eletrificação
portuguesa. Dissertação de Doutoramento apresentado à Faculdade de
Letras da UC; Coimbra.
-
Notícias de Melgaço, edição de 17 de Maio de 1931;
- Notícias
de Melgaço, edição de 28 de Agosto de 1932;
-
Carta do Governador Civil de Viana do Castelo ao Secretário Geral
das Finanças.
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