sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Pedia-se uma estrada para Castro Laboreiro (1920)




Há cerca de 100 anos, para ir da vila de Melgaço para Castro Laboreiro, a viagem fazia-se por um antigo e tortuoso caminho que passava por Fiães e Alcobaça. A viagem fazia-se geralmente recorrendo a animais (mulas, burros ou cavalos) e levava de 6 a 8 horas dependendo da carga. O caminho não tinha condições para lá circular um dos raros automóveis que havia na terra. Na época, em 1920, tinha começado a ser publicado o jornal de Castro Laboreiro "A Neve" que se assumia como defensor dos castrejos e que dispunha a pugnar pelos interesses das gentes castrejas. Na sua edição de 20 de Novembro de 1920, encontramos um texto onde o autor chama à atenção da necessidade de se construir uma estrada que ligasse terras castrejas a Melgaço e que rompesse com o isolamento: "Visto que de hoje para o futuro teremos um jornalzinho para lançar ao país as nossas reclamações, principiemos. Precisamos de uma estrada. Já tantas vezes a tem prometido sem cumprirem a sua promessa que, para o futuro, duvidaremos de tudo mais, que nos prometam.
Agora seremos nós a pedi-la. Demorará, bem sabemos, mas ao menos que os nossos filhos tenham a satisfação de se aproveitar dela.
Que vantagem não traria tanto a Castro Laboreiro, como às localidades por onde passasse e mesmo a Melgaço essa estrada tão desejada?
Sabemos que está em projeto e que os engenheiros já fizeram as devidas marcações, mas sempre tudo como dantes!
Até agora tem-nos saciado com promessas. Mas cá nos encontramos em ocasião propícia, para lhe contarmos uma história. Os velhos amigos estão ausentes sem bilhete de volta e os que cá ficaram vendo a forma como isto corre, que devem fazer? Não saberei responder a esta pergunta. Eles que o façam. Diremos mais: estamos numa situação muito crítica.
O comércio mudou aos artigos os preços que eles tinham. Na indústria, a mão de obra encareceu pois os operários, não lhe chegando o ordenado, tiveram que pedir o aumento do referido ordenado para o equilibrarem com as assustadoras despesas.
O agricultor por sua vez também tem que também ter que elevar os preços aos seus géneros para justamente acompanhar a civilização dos preços dos géneros. E até o Governo entre nesta onda de doidice, pois promulga agora num dia uma imensidade de leis que no dia seguinte revoga, para dali a dias tornarem a valer. A próxima moeda, quem o diria, anda tão tolinha que ninguém a percebe! Daqui a pouco tempo teremos de a reformar por ser incapaz de todo o serviço. Não há nada que não endoidecesse.
Olhem para o tempo! Às vezes, pensamos ter um dia de Verão e fazemos logo os nossos projetos, logo ele se revolta e zás!, chuva, neve, vento, trovoadas, etc. Olhando para isto como não há-de a vida estar mais cara?! E esta gentinha que tudo compra e a quem faltam os recursos, como há-de viver?
Precisa comprar tudo a peso de ouro e às vezes nem assim se obtém. Como fazer? Não o direi também. Adivinhem-no. Os preços qual balão com vento favorável, sobem até desaparecer na obscuridade das nuvens, sendo preciso um binóculo de longo alcance para os não perder de vista.
Algumas pessoas têm-se arriscado a ir no balão sem medo. Esses têm sido os felizardos, pois têm tirado loucas vantagens ao passo que os que esperam que o balão se incendeie, apenas vivem de esperanças como os sebastianistas. Nós, o povo escravo de Castro Laboreiro, estamos nas mesmas condições. As nossas esperanças são como as dos sebastianistas.
Olhamos para as casas, vemo-las com o mesmo colmo, alongamos a vista pela montanha, aparecem-nos as mesmas fragas, os caminhos sempre os mesmos! Mas voltemos ao assunto principal. Os caminhos estão velhos e intransitáveis. Isto assim não pode continuar. Não deixemos que nos esqueçam.
Gritemos sempre bem alto, para que nos ouças os que estão lá no poder:
Queremos uma estrada!
Queremos uma estrada!"
A estrada só chegaria a Castro Laboreiro mais de 25 anos depois...



Fonte: Jornal "A Neve", edição de 20 de Novembro de 1920.

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