sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Castro Laboreiro na Guerra da Restauração (1640-1668)



Em Melgaço, durante a Guerra da Restauração, as operações militares decorreram sobretudo ao longo da fronteira do Trancoso e na chamada raia seca. Num trabalho de João Garcia e Luís Moreira, os autores dão-nos uma luz sobre as movimentações dos exércitos na raia castreja e na região. "A Guerra da Restauração, que durou entre 1640 e 1668, transformou a Província de Entre Douro e Minho, e em especial o espaço de entre Minho e Lima, num dos principais palcos da guerra, ainda que nenhuma das grandes e decisivas batalhas tenha sido travada. As razias, os saques, a destruição infligida e a manutenção de um clima bélico como consequência da presença de importantes efetivos militares inimigos, revelaram-se decisivos para a vitória portuguesa.
No Minho, as ações militares iniciaram-se logo em 1641 e, enquadradas na estratégia nacional definida pelo Conselho de Guerra, revestiram-se de um caráter ofensivo sob o comando do 2º Conde de Castelo Melhor. Tais ações só se tornaram possíveis graças ao reforço por parte de vários contingentes de oficiais e soldados mercenários, especialmente franceses, que as primeiras embaixadas de D. João IV a França tinham conseguido, sob o patrocínio do Cardeal Richelieu.
Nestes contingentes de mercenários vieram alguns oficias de artilharia e de engenharia, com a missão de dirigirem as obras defensivas, de organizarem as unidades, de transmitirem os seus conhecimentos aos oficias portugueses e de procederem ao reconhecimento cartográfico do território. Para além de Charles Lassart, que se converteu em Engenheiro-mor do Reino, outros oficiais engenheiros, franceses e holandeses, estabeleceram-se nas várias províncias portuguesas, desempenhando papéis de grande relevo. Mereceram destaque os nomes de Nicolou de ~Langres, Nicolau de Lille, Jean Guillot, Pierre-Gilles de Saint-Colombe, Alain de Manesson Mallet, Jan Ciermans mais conhecido por Cosmander e, em particular, para o Entre Douro e Minho, George Duponsel e Michel Lescolles.

Castelo de Castro Laboreiro (desenho de Duarte d'Armas) no início do século XVI

Auxiliados pelos mercenários franceses, os soldados dos terços de Entre Douro e Minho conquistaram Salvaterra de Minho, frente a Monção, em 1643, tendo os engenheiros Anverts e Duponsel fortificado o lugar "à moderna". Esta conquista motivou um forte contra-ataque galego, lançado de forma sistemática entre  1643 e 1644, quer ao longo da linha do rio Minho (Lanhelas e Vila Nova de Cerveira), quer na raia seca, tentando a conquista do Castelo de Castro Laboreiro.
O novo comandante militar da Galiza, Enrique Pimentel y Guzman, 5º Marquês de Tavara, avançou sobre Castro Laboreiro com uma força de 4000 homens de infantaria apoiada por 200 homens de cavalaria. Contudo, e segundo D. Luís de Menezes, 3º Conde da Ericeira, os 25 soldados portugueses coadjuvados por 200 paisanos, dirigidos pelo Governador Pedro faria, opuseram uma defesa resoluta, repelindo todas as tentativas realizadas pelos espanhóis. Mais épica é a descrição de Fr. Rafael de Jesus, na Monarchia Lusitana: "Com o numeroso poder de 5000 infantes, e 300 cavallos entrou o castelhano pello concelho de Castro Laboreiro sahindo da Galiza por onde chamam a raya seca, terra assi montuosa, e áspera, que para se embrenharem a buscam as feras daquelles contornos. No mais alto pináculo de sua extremidade está situado o Castelo que chamão de Castro Laboreyro, então guarnecido por 25 soldados, e duas roqueiras, e governado pelo Capitão Pedro de Faria, valente e animoso Cabo. Por vezes, intentou o inimigo ganhar o castelo, e de todas largou a empreza tímido do estrago, que viu em seus soldados rodando pelas fragas, e despenhos do monte empelidos do tope, e da força das pedras, que os obrigavam a cair, e rodar. A inclinação, a que provocaram os mortos, e feridos, desfogou o Galego em queimar algumas palhotas dispersão tam pobres, e tam limitadas, que mais pareciam curraes de brutos, que abrigo de racinaes”.
Ainda em 1644, de Castro Laboreiro sairá a contra ofensiva portuguesa, para defender a fronteira de Trás-os-Montes. A descrição do mesmo cronista revela conhecimento geoestratégico da região, sem dúvida baseado na cartografia: “Abatida a arrogância de Castela pellas fronteyras da Galiza, como deixamos referido; e avisado o Conde de Castello Melhor da ouzadia com que pellas fronteyras de Traz os Montes infestava o inimigo as campinas de Chaves, se deliberou em as socorrer. (…) saíram de Castro Leboreiro, e atravessaram um grande cotovelo de terra que o Reyno da Galiza mete pello de Portugal, destruindo e queimando tudo quanto encontravam assi de oposição, como de lugares (:::) entrando em Chaves, aproveitados e indeminutos; e poupando assi o trabalho, e a dilação do rodeo, nas sete légoas de atalha: o que não fizeram de volta, marchando por terras de Portugal até à Província de Entre Douro e Minho.
Uma nova tentativa de invasão pela Chã de Castro foi feita 1649, quando algumas forças espanholas, depois de terem infrutiferamente tentado conquistar o Castelo de Lindoso, marcharam sobre Castro Laboreiro, na esperança de recorrer algum gado e alguns mantimentos mas, uma vez mais, foram rechaçados pelas forças portuguesas aí estacionadas.
A esta primeira fase ofensiva da guerra seguiu-se, de acordo com os preceitos estratégicos do Conselho de Guerra, um período essencialmente defensivo. A mudança da conjuntura geopolítica internacional (Paz da Vestefália, em 1648), e a eminente derrota da revolta da Catalunha, permitiram que o governo de Filipe IV concentrasse os seus esforços na recuperação do território português. Assim, em toda a fronteira de Entre Douro e Minho, e ao longo da década de 1650, foi tempo de reforçar e de reestruturar as fortalezas e Praças fortes: a Ínsua, em Caminha, Cerveira, Valença, Monção e Melgaço, para além dos pequenos fortes e fortins construídos em locais estratégicos com o intuito de travar a progressão das tropas inimigas.
Todas estas obras defensivas, exigiram planos detalhados, pelo que, os engenheiros militares realizaram vários levantamentos topográficos e cartográficos a diferentes escalas, neles se destacando o papel desempenhado pelo oficial francês Michel de Lescolles. Também para o planeamento das ações militares, à escala regional, a cartografia revelou-se um preciosa instrumento, especialmente numa altura em que a Espanha desenvolveu uma forte ofensiva em várias frentes.

Planta e alçado do Castelo de Castro Laboreiro (1650)

O ataque espanhol sobre o eixo Valença-Monção, em 1657-1658, permitiu, por um lado, a estabelecimento de uma testa-de-ponte no rio Minho, ligando os fortes de Amorin, na margem galega, ao de S. Pedro da Torre, na margem portuguesa e, por outro, a recuperação do forte de Salvaterra de Miño e a conquista de Monção, após quatro meses de cerco, em Fevereiro de 1659. Deste modo, ficaram cortadas as comunicações entre Valença e Vila Nova de Cerveira e entre Valença e Melgaço, pelo vale do Minho.
Quanto a Castro Laboreiro, temos notícias de um ataque em Junho de 1658, mas os espanhóis foram repelidos com perdas de certa importância: 18 mortos, 40 feridos, o Governador de Bande prisioneiro. No ano seguinte, a 18 de Novembro, um raio atingiu a torre medieval destruindo-a por completo, assim como os edifícios circundantes, entre os quais a capela de Nossa Senhora dos Remédios.
Àquela ofensiva, seguiram-se outras logo a partir de 1660-61, tendo o exército espanhol invadido e ocupado quase todo o território entre Minho e Lima, a partir do eixo Monção-Ponte da Barca-Braga. Dificilmente. Dificilmente foi possível travar a marcha do inimigo que, ainda assim, conquistou o castelo de Lindoso, tendo-o reforçado com uma cintura de muralhas “modernas”.
Durante alguns anos, toda a raia seca ficou à mercê do exército galego que, mesmo após a recuperação de Lindoso pelas forças portuguesas, em 1663, conquistou Castro Laboreiro, em 1666, ainda que de forma efémera, pois D. Francisco de Sousa, 3º Conde de Prado, comandante das forças portuguesas, entre outras ações, reconquistou Castro Laboreiro."


Extraído de: GARCIA, João C & MOREIRA, Luís M. (2009) - Castro Laboreiro na Guerra da Restauração: análise de duas plantas do castelo. Separata do Boletim Cultural da Câmara Municipal de Melgaço.

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