Em Melgaço, durante a Guerra da Restauração, as operações militares decorreram sobretudo ao longo da fronteira do Trancoso e na chamada raia seca. Num trabalho de João Garcia e Luís Moreira, os autores dão-nos uma luz sobre as movimentações dos exércitos na raia castreja e na região. "A
Guerra da Restauração, que durou entre 1640 e 1668, transformou a
Província de Entre Douro e Minho, e em especial o espaço de entre
Minho e Lima, num dos principais palcos da guerra, ainda que nenhuma
das grandes e decisivas batalhas tenha sido travada. As razias, os
saques, a destruição infligida e a manutenção de um clima bélico
como consequência da presença de importantes efetivos militares
inimigos, revelaram-se decisivos para a vitória portuguesa.
No
Minho, as ações militares iniciaram-se logo em 1641 e, enquadradas
na estratégia nacional definida pelo Conselho de Guerra,
revestiram-se de um caráter ofensivo sob o comando do 2º Conde de
Castelo Melhor. Tais ações só se tornaram possíveis graças ao
reforço por parte de vários contingentes de oficiais e soldados
mercenários, especialmente franceses, que as primeiras embaixadas de
D. João IV a França tinham conseguido, sob o patrocínio do Cardeal
Richelieu.
Nestes
contingentes de mercenários vieram alguns oficias de artilharia e de
engenharia, com a missão de dirigirem as obras defensivas, de
organizarem as unidades, de transmitirem os seus conhecimentos aos
oficias portugueses e de procederem ao reconhecimento cartográfico
do território. Para além de Charles Lassart, que se converteu em
Engenheiro-mor do Reino, outros oficiais engenheiros, franceses e
holandeses, estabeleceram-se nas várias províncias portuguesas,
desempenhando papéis de grande relevo. Mereceram destaque os nomes
de Nicolou de ~Langres, Nicolau de Lille, Jean Guillot, Pierre-Gilles
de Saint-Colombe, Alain de Manesson Mallet, Jan Ciermans mais
conhecido por Cosmander e, em particular, para o Entre Douro e Minho, George Duponsel e Michel Lescolles.
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Castelo de Castro Laboreiro (desenho de Duarte d'Armas) no início do século XVI |
Auxiliados
pelos mercenários franceses, os soldados dos terços de Entre Douro
e Minho conquistaram Salvaterra de Minho, frente a Monção, em 1643,
tendo os engenheiros Anverts e Duponsel fortificado o lugar "à
moderna". Esta conquista motivou um forte contra-ataque galego,
lançado de forma sistemática entre 1643 e 1644, quer ao longo
da linha do rio Minho (Lanhelas e Vila Nova de Cerveira), quer na
raia seca, tentando a conquista do Castelo de Castro Laboreiro.
O
novo comandante militar da Galiza, Enrique Pimentel y Guzman, 5º
Marquês de Tavara, avançou sobre Castro Laboreiro com uma força de
4000 homens de infantaria apoiada por 200 homens de cavalaria.
Contudo, e segundo D. Luís de Menezes, 3º Conde da Ericeira, os 25
soldados portugueses coadjuvados por 200 paisanos, dirigidos pelo
Governador Pedro faria, opuseram uma defesa resoluta, repelindo todas
as tentativas realizadas pelos espanhóis. Mais épica é a
descrição de Fr. Rafael de Jesus, na Monarchia Lusitana: "Com
o numeroso poder de 5000 infantes, e 300 cavallos entrou o castelhano
pello concelho de Castro Laboreiro sahindo da Galiza por onde chamam a raya seca, terra assi montuosa, e áspera, que para se embrenharem
a buscam as feras daquelles contornos. No mais alto pináculo de sua
extremidade está situado o Castelo que chamão de Castro Laboreyro,
então guarnecido por 25 soldados, e duas roqueiras, e governado pelo
Capitão Pedro de Faria, valente e animoso Cabo. Por vezes, intentou
o inimigo ganhar o castelo, e de todas largou a empreza tímido do
estrago, que viu em seus soldados rodando pelas fragas, e despenhos
do monte empelidos do tope, e da força das pedras, que os obrigavam
a cair, e rodar. A inclinação, a que provocaram os mortos, e
feridos, desfogou o Galego em queimar algumas palhotas dispersão tam
pobres, e tam limitadas, que mais pareciam curraes de brutos, que
abrigo de racinaes”.
Ainda
em 1644, de Castro Laboreiro sairá a contra ofensiva portuguesa, para
defender a fronteira de Trás-os-Montes. A descrição do mesmo
cronista revela conhecimento geoestratégico da região, sem dúvida
baseado na cartografia: “Abatida a arrogância de Castela pellas
fronteyras da Galiza, como deixamos referido; e avisado o Conde de
Castello Melhor da ouzadia com que pellas fronteyras de Traz os
Montes infestava o inimigo as campinas de Chaves, se deliberou em as
socorrer. (…) saíram de Castro Leboreiro, e atravessaram um grande
cotovelo de terra que o Reyno da Galiza mete pello de Portugal,
destruindo e queimando tudo quanto encontravam assi de oposição,
como de lugares (:::) entrando em Chaves, aproveitados e indeminutos;
e poupando assi o trabalho, e a dilação do rodeo, nas sete légoas
de atalha: o que não fizeram de volta, marchando por terras de
Portugal até à Província de Entre Douro e Minho.
Uma
nova tentativa de invasão pela Chã de Castro foi feita 1649, quando
algumas forças espanholas, depois de terem infrutiferamente tentado
conquistar o Castelo de Lindoso, marcharam sobre Castro Laboreiro, na
esperança de recorrer algum gado e alguns mantimentos mas, uma vez
mais, foram rechaçados pelas forças portuguesas aí estacionadas.
A
esta primeira fase ofensiva da guerra seguiu-se, de acordo com os
preceitos estratégicos do Conselho de Guerra, um período
essencialmente defensivo. A mudança da conjuntura geopolítica
internacional (Paz da Vestefália, em 1648), e a eminente derrota da
revolta da Catalunha, permitiram que o governo de Filipe IV
concentrasse os seus esforços na recuperação do território
português. Assim, em toda a fronteira de Entre Douro e Minho, e ao
longo da década de 1650, foi tempo de reforçar e de reestruturar
as fortalezas e Praças fortes: a Ínsua, em Caminha, Cerveira,
Valença, Monção e Melgaço, para além dos pequenos fortes e
fortins construídos em locais estratégicos com o intuito de travar
a progressão das tropas inimigas.
Todas
estas obras defensivas, exigiram planos detalhados, pelo que, os
engenheiros militares realizaram vários levantamentos topográficos
e cartográficos a diferentes escalas, neles se destacando o papel
desempenhado pelo oficial francês Michel de Lescolles. Também para
o planeamento das ações militares, à escala regional, a
cartografia revelou-se um preciosa instrumento, especialmente numa
altura em que a Espanha desenvolveu uma forte ofensiva em várias
frentes.
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Planta e alçado do Castelo de Castro Laboreiro (1650) |
O
ataque espanhol sobre o eixo Valença-Monção, em 1657-1658,
permitiu, por um lado, a estabelecimento de uma testa-de-ponte no rio
Minho, ligando os fortes de Amorin, na margem galega, ao de S. Pedro
da Torre, na margem portuguesa e, por outro, a recuperação do forte
de Salvaterra de Miño e a conquista de Monção, após quatro meses
de cerco, em Fevereiro de 1659. Deste modo, ficaram cortadas as
comunicações entre Valença e Vila Nova de Cerveira e entre Valença
e Melgaço, pelo vale do Minho.
Quanto
a Castro Laboreiro, temos notícias de um ataque em Junho de 1658,
mas os espanhóis foram repelidos com perdas de certa importância:
18 mortos, 40 feridos, o Governador de Bande prisioneiro. No ano
seguinte, a 18 de Novembro, um raio atingiu a torre medieval
destruindo-a por completo, assim como os edifícios circundantes,
entre os quais a capela de Nossa Senhora dos Remédios.
Àquela
ofensiva, seguiram-se outras logo a partir de 1660-61, tendo o
exército espanhol invadido e ocupado quase todo o território entre
Minho e Lima, a partir do eixo Monção-Ponte da Barca-Braga.
Dificilmente. Dificilmente foi possível travar a marcha do inimigo
que, ainda assim, conquistou o castelo de Lindoso, tendo-o reforçado
com uma cintura de muralhas “modernas”.
Durante
alguns anos, toda a raia seca ficou à mercê do exército galego
que, mesmo após a recuperação de Lindoso pelas forças
portuguesas, em 1663, conquistou Castro Laboreiro, em 1666, ainda que
de forma efémera, pois D. Francisco de Sousa, 3º Conde de Prado,
comandante das forças portuguesas, entre outras ações,
reconquistou Castro Laboreiro."
Extraído de: GARCIA, João C & MOREIRA, Luís M. (2009) - Castro Laboreiro na Guerra da Restauração: análise de duas plantas do castelo. Separata do Boletim Cultural da Câmara Municipal de Melgaço.
Extraído de: GARCIA, João C & MOREIRA, Luís M. (2009) - Castro Laboreiro na Guerra da Restauração: análise de duas plantas do castelo. Separata do Boletim Cultural da Câmara Municipal de Melgaço.
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