domingo, 1 de agosto de 2021

A antiga Casa da Torre, na vila de Melgaço

 


Provavelmente em Melgaço quase ninguém ou mesmo ninguém terá ouvido falar na antiga Casa da Torre, na vila sede de concelho. Há vários séculos atrás, seria, a seguir à torre de menagem, o edifício mais alto da vila.

Essa Casa da Torre, possivelmente pouco depois de 1500, já seria propriedade do abade de Santa Maria da Porta, padre António de Castro, que um dos seus filhos alienou e D. João de Sousa e Castro, da Quinta do Fecho (Rouças), adquiriu por compra para o acervo de seus bens e elevou a cabeça de morgadio. Essa Casa, chamada Torre já então e pelos séculos fora, por a mesma ter três andares, seria, por isso, a mais alta do povoado e assemelhar-se-ia aos campanários das igrejas e estava situada no recinto da praça (ESTEVES, 1989).  

Assim se descrevia num auto de posse de 1693: «a casa da Torre que ficou de Dom João de Sousa que está junto da portta e igreja matris desta villa de Melgaço», mas já em 1863, embora conservasse os três andares, estava arruinada e confrontada do nascente com a rua que vai para a igreja; do poente com a morada de casas de Joaquim Nunes de Almeida; do norte com o quartel dos soldados fixos da praça e do sul com o quintal de Domingos Lopes. 

Segundo ESTEVES, A. (1989), “...essa casa outra não é se não a hoje possuída pelos herdeiros do escrivão e tabelião da comarca Miguel Augusto Ferreira, em cuja porta principal a padieira ainda conserva intactos os lavores em ela esculpidos por antigos lapicistas desta região. 

Conforme se diz atrás, esta casa foi cabeça do morgadio da Casa da Torre, pertencente a um ramo da poderosa família dos Castros de Melgaço, descendente dos senhores da Quinta do Fecho (Rouças)Mas vamos referirmo-nos à fundação do morgadio da Casa da Torre, ainda na primeira metade do século XVII. 

Segundo ESTEVES, A. (1989), “Por Lopo de Castro, o Novo, primogénito de Lopo de Castro, o 5.° senhor da Casa e Quinta do Fecho e de D. Francisca de Quevedo, fundadores do morgado deste nome, haver falecido no estado de solteiro em meados de 1614 e por isso ainda em vida de seu pai, foi chamado à administração do vínculo o senhor D. João de Sousa Castro, filho segundo destes fidalgos. 

Este D. João nascido provavelmente à volta de 1570 apenas era capitão de infantaria, mas já estava casado com D. Catarina da Nóvoa Henriques, quando em 1634 mandou chamar à sua Casa do Fecho o tabelião Domingos Esteves com o fim de lhe lavrar uma escritura de vinculação de todos os seus bens. 

Na verdade, é no dia 19 de Junho do referido ano e foi lavrado no solar do Fecho e escrito no livro de notas do falado tabelião o instrumento pelo qual D. João de Sousa e Castro e sua mulher, enferma e de cama, tornaram os seus bens inalienáveis, constituindo com eles um outro morgadio, «para juntar ao vínculo e morgado que Lopo de Castro e Francisca de Cavedo, que Deos tem, pais do dito Dom João de Souza Castro, fizeram, que foi feito no anno de mil seis centos e um anos, nas notas de Gonçalo Roiz Carneiro, tabellião na ditta villa». 

E principiando por avincular «primeiramente todos os bens de raiz, campos, vinhas, soutos, cazas, pão e vinho de renda, que elles sobreditos instituidores herdaram por morte dos ditos seus pais e sogro Lopo de Castro e Francisca de Cavedo, assim e da maneira que por folha de inventario consta de que foi escrivão António Pinheiro, e agora sucedeu no dito cargo Gaspar Gomes, que todos os ditos bens são dizimos a Deos». 

Como cabeça de morgadio veio a ficar «a sua casa da Torre que tem na dita villa de Melgaço, que é de trez sobrados junto à dita igreja matriz da dita villa, que elles instituidores compraram a Jerónimo Roiz, de Ferreiros, reino da Galliza, por ficar do visavô delle instituitor Antonio de Castro, assim como está com seus rocios e enchidos, que todo está mistico com outro enchido que ficar de Leonel d'Abreu, abbade que foi na dita villa, que é dizima a Deos». 

Bens adquiridos como este muitos foram os avinculados. Entretanto sobressaem as leiras de Corujeiras de Baixo, um pedaço de terra, vinha e souto sitos no lugar do mesmo nome e «mais o seu cazal chamado da Fonte, está na dita freguezia, que são as peças e cazas seguintes, convém a saber: Uma caza com seu curral, que foi de João Femandes e outra caza junto desta, que foi de João Domingues, que elles instituidores compraram... a seus herdeiros, como consta dos autos de que é escrivão Gaspar Gomes, e escriptura que fiz eu tabellião no anno de mil seis centos trinta e trez e debaixo destas cazas dous pomares com suas árvores de fructo, e junto delles uma horta que levará de semeadura um quarto de pão, que parte do nascente com caminho publico que vem da Aldeia do Telheiro, para a igreja de Rouças e assim mais um pedaço de campo que está junto das cazas e eira arriba nomeadas que leva de semeadura cinco alqueires de centeio, parte do poente com caminho atraz nomeado; e assim mais outro pedaço de campo por cima deste, que levará de semeadura dous alqueires, parte do poente com as terras atraz nomeadas, e do nascente com terra que ficou de João Gonçalves Formoso; e assim mais outro pedaço de campo no mesmo logar, que leva de semeadura dous alqueires de trigo; parte do nascente com casas e rocios de Sabina Femandes e do poente com o dito caminho atraz declarado, as quais ditas terras e cazas tudo nomeado são a dizima a Deos, salvo de certos pedaços que se paga renda que os antecessores foram emprazados». 

Ora este casal que mais tarde foi conhecido por Quinta do Cordeira, na freguesia de Rouças, estava todo circundado sobre si e lindava do nascente com o caminho para Larribas, do poente com o caminho da vila para S. Paio, do norte com a Quinta do Fecho e do sul com a Quinta da Boavista. 

E como estes fidalgos do seu casamento não tinham filhos, quanto ao futuro do morgado limitaram-se a instituir «por primeiro herdeiro depois das suas mortes ao parente mais chegado da parte delle instituidor», impondo-lhe e aos sucessores a obrigação de tomarem sempre o apelido e sobrenome de Sousas e Castros, em memória do principal instituidor».  

A escritura não é nenhuma obra prima da literatura tabelionesca e por isso das muitas disposições tomadas pelos fidalgos para aqui memorar escolho apenas as mais interessantes: missas, panteão de família e fazenda no Reino de Galiza. 

Ora sobre missas: 

«...com condição que o que nisto suceder agora, ao diante mandará dizer todos os anos, cada semana, duas missas resadas, e ao cabo de cada huma delias, dirão dous responsos pela alma dos instituidores e seus antepassados, e pela alma de Dona Maria de Cadomega Henriques, irmã delia instituidora, cujos herdeiros elles forão, as quais missas, o senhor que for do dito morgado as mandará dizer pelo clérigo que quizer, sem a isso os abbades nem curas lhe possam impedir, as quaes missas se dirão, a quarta parte de todas ellas á honra das cinco chagas de Nosso Senhor Jesus Christo, e a outra quarta parte á honra da Virgem Nossa Senhora; e a outra quarta parte á honra do Bem aventurado Santo António de quem eram devotos». 

E logo a seguir, estes muitos preceitos sobre o panteão da família: 

«...e porquanto elles instituidores sua determinação é fazer uma capella na Villa de Melgaço, pegada na Igreja Matriz da ditta villa, fazendo-a elles instituidores em suas vidas, nella se dirá uma missa em cada semana perpetuamente, e quando elles instituidores a não fazendo, o primeiro que nisto suceder fará fazer perfeitissimamente á custa dos rendimentos dos bens deste morgado, e elle não os cobrará dentro de dous annos e nela porá por Imagem uma do glorioso São João, e outro de Santa Catharina, e terá nella duas vestimentas, uma para a quaresma e outra para as festas, dous frontaes com seus cálices, corporais, pedra d’ara, tudo perfeito, que se não vá buscar nada para dizer missa, na qual capella mandará fazer suas sepulturas abertas com seus vultos e armas postas nellas, e sendo caso que elles instituidores se falleçam antes disto feito, o que nisto succeder trasladará seus ossos nas ditas sepulturas e capellas, e nestas ditas sepulturas, não se enterra nem poderá enterrar se não os successores deste morgado, e não outra pessoa alguma; e não querendo o abbade que for da dita igreja e fregueses que ahi se faça a dita capella, se fará na igreja de Rouças aonde estão sepultados seus avós e dona Maria Cadomega, irmã della instituidora, dentro na capella do morgado do Fecho; e alem destas ditas missas dirão em cada anno para sempre, cada mez, uma missa, que será acesa, que arda dia e noite, e a outra missa se dirá nesta capella do morgado do Fecho; e alem destas ditas missas dirão em cada anno sempre, cada mez, uma missa, que será ao sabbado da primeira semana de cada mez na casa da Santa Mezericordia desta villa de Melgaço diante do Ecce Homo; e para que o senhor (provedor) e mais irmãos sejão servidos que ahi se diga a dita missa deixavam de esmola á dita Santa Casa uma fanega de pão de renda, cada anno para sempre, o que dará o administrador deste morgado, com tal condição que as ditas missas as dirão os capellães da dita caza, e lhe darão de esmola pelas dizer, oito centos reis, e não as querendo dizer por esta esmola, as mandarão dizer pelo clérigo que quizerem, e o senhor provedor e mais irmãos darão todo o aprecevimento para as dizerem as ditas missas, vestimentas, calixcorporaes, pedra d’ara e cêra e para isto se lhe dará meio arratel de cera cada um anno ás quaes ditas missas atraz declaradas impunham os ditos bens e rendas d’hoje para todo o sempre jamais». 

E como tinham muitas mais fazendas tanto neste reino como no da Galiza, tudo vinculavam neste morgadio; simplesmente os bens sitos no estrangeiro tinham de ser vendidos para com o produto se comprarem terras em Portugal e, pela subrogação, formar mais grandioso o acervo de bens do novo vivendo. 

A instituidora faleceu pouco depois e D. João de Sousa e Castro casou em segundas núpcias com D. Briolanja de Sousa Alvim. Esta senhora sobreviveu a seu marido, que num campo de batalha da vizinha Galiza teve a morte dos heróis. 

 

Extraído de: 

  • ESTEVES, Augusto C. (1989) - O meu livro das gerações melgacenses. Volume IEdição da Nora do AutorMelgaço. 


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