domingo, 7 de novembro de 2021

A Praça Militar de Melgaço no século XVIII

 


Na viragem para o século XVIII, Melgaço era assim descrito em 1712 pelo Padre Carvalho da Costa na sua Corografia: “É da Casa de Bragança e tem juiz de fora, que também o é dos Órfãos e tem a mesma preeminência o Juiz da terra quando aquele falta, dois vereadores, Procurador do Concelho, eleição trienal do povo por pelouro, a que preside o ouvidor de Barcelos, escrivão da Câmara, três tabeleões, um escrivão dos Órfãos e outro das sizas: O alcaide mor tem de renda vinte e dois mil reis e uns carros de palha e lenha e pesqueiras no rio Minho, o qual apresenta alcaide carcereiro com vinte mil reis de renda, tudo data dos Duques. Tem Capitão-Mor, que nomeia a Câmara, os Duques o confirmam e lhe passam a patente; quatro companhias de ordenanças, em que serve o mais antigo de Sargento Mor. Tem Casa da Misericórdia…” (COSTA, 1712)

Também dessa altura, chegou até nós um desenho da Praça de Melgaço datado de 6 de Novembro de 1713 e da autoria de Manuel Pinto de Villa Lobos. O dito desenho mostra-nos a vila envolvida por uma fortificação abaluartada. Posteriormente, construiu-se uma estrutura de proteção, talvez de travês, à porta do Campo da Feira, visto ainda não ser representada na planta de Villa Lobos.


Planta da Praça de Melgaço, de Manuel Pinto de Villa Lobos (1713)


Legenda da Planta: A – Vila de Melgaço; BB – Seu muro antigo; C – Porta Principal e Revelim que a cobre; D – Castelo; E – Igreja Matriz; F - Mizericordia; GG – Falsa Braga flanqueada com seus baluartes a ela atados; HH – Obra Coroada; I – Ermida de Santo António; KK – Portas exteriores.


De 1758, data uma outra planta do castelo elaborada pelo sargento Gonçalo Luís da Silva Brandão, na qual há registo dos três principais pontos de abastecimento de água da vila naquela época: uma cisterna, um poço e uma fonte e que aqui se mostra.

Planta da Praça de Melgaço de Gonçalo Luís da Silva Brandão


Legenda da Planta: A – Vila de Melgaço; B – Castelo; C – Porta Principal; D – Igreja Matriz; E – Misericórdia; F - Falsa Braga em Roda; G – Baluartes atados/aella; H – Obra Corna; I – Ermida de Santo António; K – Poço dentro da Praça; L – Fonte fora da Praça…; M – Rego de água; N – Cisterna.


Neste desenho de Silva Brandão, de 1758, podemos ver uma fortaleza abaluartada, de grande diâmetro, com falsa braga em todo o seu perímetro, composta de três baluartes: dois voltados a Norte, como que a proteger a velha fortaleza e um outro, de grandes dimensões, voltado a Sul. A sumária nota explicativa que acompanha o desenho diz-nos que "A figura desta praça é próxima a quadrado, com hum castello quazi circular, que lhe fica ao Norte, tudo cercado de boa muralha com quasi trinta palmos de alto". Pelo lado nascente, o desenho mostra-nos a interrupção deste "quadrado", pela construção de uma espécie de obra corna bastante avançada, de braços compridos que, ao contrário do habitual numa fortaleza abaluartada, não é distinta: está ligada à muralha da praça e não visa, segundo o desenho, a proteção a qualquer baluarte ou revelim. Este elemento está, também ele e segundo o mesmo autor, delimitado pela falsa braga que acompanha todo o perímetro dos muros. No baluarte voltado a sul, salienta-se no desenho do Sargento Brandão, a proeminente espalda do seu lado esquerdo, bem como, à semelhança dos outros dois, a diminuta linha capital e o ângulo flanqueado quase reto (ANTUNES, 1996).

A composição da fortaleza abaluartada surge bem mais esclarecida na planta da autoria de Luís Pinto de Villa Lobos. Reconhece-se perfeitamente o Castelo com os seus dois torreões adossados à cortina, a torre de menagem e a cisterna. A obra abaluartada surge bem definida, especialmente o elemento destacado que o Sargento Silva Brandão classifica de “obra corna” (a tenalha). Na realidade, trata-se de uma obra coma de braços alongados com dois meios baluartes e duas portas exteriores simétricas, que protegia a porta principal da fortaleza e o respetivo revelim que a cobria. Neste caso, observando a planta disponível, ela está mais próxima de um hornavaque - embora não totalmente aberta na gola - do que a clássica obra coroa que temos em Valença, uma vez que lhe falta o baluarte central. Apesar disso a funcionalidade é a mesma, ou seja, é uma construção de grande dimensão a proteger um revelim que se torna quase vital na defesa de uma cortina onde se abre a porta principal da fortaleza. Pela legenda da carta de Villa Lobos sabemos também que dentro dela se abrigava a capelinha de S. António.

Apercebemo-nos do traçado sub-retangular da praça, com os seus três potentes baluartes: o que cobre, pelo lado Norte, o bastião medieval, o baluarte com a espalda sobre-dimensionada a Poente e o que protege o ângulo Este das muralhas. Estas têm o seu traçado cortado por redentes ao longo da cortina protegida pela falsa braga, o que Villa Lobos denomina, na legenda que acompanha a planta, por "Falsa Braga flanqueada com seus balluartes a ella atados".

Em 1759, a 8 Outubro, é efetuada nova inspeção da praça pelo Comissário da Vedoria Geral de Província, Estêvão Barbosa de Araújo, acompanhado pelos engenheiros Francisco de Barros e José Maria da Cruz.

Em 17 Dezembro de 1761, é redigido o relatório da inspeção efetuada, enviado a D. Luís da Cunha pelo Sargento-Mor de Batalha, António Carlos de Castro refere a necessidade de serem colocadas duas tarimbas no quartel dos soldados, de se fazer as duas faces do cunhal sul, colocar uma porta nova na barbacã da porta, e refazerem-se as portas de baixo, e serventia da Praça da parte da Galiza. Além disso, cita-se que se precisavam de fazer portas novas para as entradas norte e sul da tenalha, repor cantaria no parapeito da praça na distância de 200 palmos e na altura de 5, mandar fazer as plataformas de madeira para a artilharia, consertar e retalhar os armazéns e o quartel de infantaria, visto estarem em "mizeravel estado". Recomendava-se ainda olear as portas novas e as janelas dos armazéns das armas e da praça, e fazer a porta interior do paiol, que tinha 6 palmos de altura e 4 de largura.

Apesar de todas estas reparações, o castelo em 1786, aquando do falecimento do alcaide-mor Sebastião de Castro Lemos, estava praticamente arruinado.

Em 1789, ocorre nova inspeção à praça de Melgaço, sendo esta descrita como obra antiga com uma torre e uma muralha simples, possuindo da parte de fora alguns baluartes "muito pequenos, de pouca consideração incapazes de poder jogar a Artilharia". Nessa época, diz-se que os armazéns e os quartéis estavam em grande ruína e declarava-se que a fortaleza não tinha préstimo militar.

Em Fevereiro de 1797, é efetuada uma nova inspeção à fortificação pelo Sargento-Mor de Engenharia, Maximiano José da Serra, determinando a reparação de soalhos e telhados, construção de portas e janelas com ferragens adequadas.

Na viragem para o século XIX, o Capitão Custódio Gomes de Villasboas, do Corpo Real de Engenheiros, passou por Melgaço e deixou-nos um raro conjunto de descrições sobre Melgaço. Sobre a vila, escreveu “Ao noroeste deste Couto de Fiães, e ao nascente de Valadares, fica (…) a villa de Melgaço, (…) He da sereníssima Caza de Bragança, e por isso pertence à comarca de Barcellos, donde dista 15 legoas. He governada por um Juiz de Fora, com três vereadores, e Procurador do concelho, como he costume nas judicaturas de vara branca. A villa he pequena e pobre; fora dos muros tem huma rua aonde passa a estrada, e nela alguns mercadores de pano.” (VILLASBOAS, 1800)


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