Os traços culturais das gentes de Castro Laboreiro tem sido, nos últimos dois séculos, tema para diversos escritos ou vários livros. Notamos que nem sempre os autores de diversas obras compreendem verdadeiramente a genuinidade etnográfica das gentes castrejas. Partilho com vocês um apontamento sobre Castro Laboreiro que consta no livro “Festas e Tradições Portuguesas” (2002) da autoria de Soledade Costa e que refere o seguinte: “É nos meses rigorosos do Inverno em Castro Laboreiro, Melgaço (a 956 metros de altitude), e nas pequenas povoações minhotas vizinhas, espalhadas pela serra da Peneda, ainda hoje em casas umas vezes habitadas, outras desertas, conforme a época do ano, que, em anos ainda recentes, se fiava e tecia a lã.
Desde Abril até aproximadamente ao mês de Dezembro, enquanto a temperatura o permite, os seus habitantes, não já na sua totalidade, como antigamente, mas ainda castrejos dos lugares de Bago, Curveira, Bico e Cainheiras, continuam a utilizar as “brandas”, ou seja, a habitar as casas situadas no cimo da freguesia – outrora de paredes de pedra solta, grosseiramente aparelhada, e telhados de colmo (palha de centeio).
As “inverneiras” correspondem às casas que se encontram na parte baixa da freguesia, habitadas nos três restantes meses do ano, quando o frio se torna mais rigoroso e a neve cobria toda a serra.
Actualmente a apresentarem melhoramentos na construção, visto em épocas passadas serem compostas (e algumas ainda o são) por um andar térreo, onde se recolhia o gado (cujo calor aquecia a casa), e um piso constituído por quartos e cozinha, a maioria das casas possui já as chamadas «cortes», destinadas ao gado, ao lado das habitações, ainda que, em algumas delas, se continue a utilizar esse mesmo piso térreo para os animais – as «lojas».
Quando os castrejos permanecem nas “brandas” e os rebanhos pastam no planalto, entre sete a vinte cabeças, uma vez que o gado bovino desapareceu também por completo, cultiva-se a batata, o centeio (pouco), os nabos, as couves e outros produtos hortícolas, apenas para consumo doméstico. Quando se encontram nas “inverneiras”, principalmente o feijão e o milho, este destinado aos animais.
Entre fins de Abril e princípios de Maio efectua-se o «rapar» (tosquia) do gado lanígero. Cada família em Castro Laboreiro possuía, ainda há poucos anos, além do gado bovino, pelo menos um rebanho, aproximadamente de vinte animais, embora não se verifiquem ali rituais do gado.
Esta tarefa obedece a cinco fases distintas: lavar e «carpiar» (abrir a lã); fiar (com a roca e o fuso a transformar a lã em fio); dobar («tocando» a dobadoura ao fazer girar com a mão o objecto quadrangular em madeira, onde o fio é enrolado em meadas, ou utilizando o «sarilho», peça também ela de madeira para enrolar a lã em novelos); encher com meadas ou novelos os teares caseiros e tecer a lã, que apresenta, depois de tecida, um metro ou cerca de metro e meio de largura.
Hoje, os poucos teares que restam deixaram, praticamente, de tecer a lã (outrora misturada, por vezes, com o linho ou, na escassez deste, com o algodão, em trabalhos artesanais considerados autênticas relíquias), limitando-se as tecedeiras, extinta a tradicional laboração de antigamente, a tecer uma ou outra peça destinada ao uso caseiro.
Em tempos mais recuados, com a lã branca, reservada para trabalhos mais finos, executavam-se, principalmente, as meias, os calções ou polainas (espécie de meias ou coturnos, abaixo dos joelhos) e as mantas «ásperas mas muito quentinhas». Hoje, a lã é vendida sem ser tratada, não a dinheiro, mas por troca de cobertores que os compradores, vindos, sobretudo, da Beira Litoral e Beira Baixa, trazem em carrinhas para efectuarem o negócio.
Nos dias actuais, em Castro Laboreiro (cuja origem provável terá sido um castro romano, daí lhe nascendo o nome), nos longos serões de Inverno, com o frio a fazer companhia ao silêncio dos caminhos, algumas mãos femininas continuam a fiar a lã, utilizada na execução, para uso pessoal, de tapetes, tecidos nos velhos teares, ou destinada à confecção, também manual, de camisolas ou outras peças de vestuário – porque só mesmo a lã é capaz de fazer frente às baixas temperaturas que se fazem sentir naquela medieval aldeia serrana, tal como só mesmo os cães castro-laboreiros eram, por aqueles lugares, a segurança dos gados contra os ataques dos lobos.
Da lã é tecida a «seriguilha» ou «serguilha» e o «rascadilho» (de cor castanha salpicada com pintas esbranquiçadas, quando se trata de lã negra), tecido grosso e áspero, muito empregue, em tempos idos, nos fatos de trabalho (calças e coletes dos homens e meias, mandis (aventais), saias e corpetes das mulheres), ainda hoje requisitado às tecedeiras ou artesãos, destinado à confecção dos trajos regionais dos grupos folclóricos.
Com o mesmo fim, são usadas a «saragoça» (lã de textura mais fina), destinada às capuchas e a «baeta» (mais fina ainda), a servir para a execução das saias das mulheres.
Capas ou capuchas (também de «burel», lã mais grossa) que continuam a ser muito utilizadas, quer em Castro Laboreiro, quer nas comunidades rurais situadas em zonas com climas mais rigorosos no Inverno.”
Extraído de:
COSTA, Soledade M. (2002) - Festas e Tradições Portuguesas, Vol. VIII; Ed. Círculo dos Leitores.
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