sexta-feira, 23 de junho de 2023

Sobre a célebre festa de S. João em Melgaço em 1895




Hoje é dia de S. João e as festividades joaninas em Melgaço por alturas de Junho são tradição bastante antiga. Se recuarmos até 1895, ficamos a saber que nesse ano, a festa foi memorável e como nunca se tinha visto. No Jornal de Melgaço, na sua edição de 4 de Julho desse ano, diz-se que foi uma "...uma festança como nunca se fez em Melgaço, graças aos esforços dos seus incansáveis promotores." A festa do S. João na vila de Melgaço em finais do século XIX era muito diferente daquela que se faz hoje em dia. Tinha uma mistura de festa religiosa com outros eventos do campo do profano.

Mas para sabermos mais acerca de como os melgacenses celebravam o S. João, nessa época partilhamos uma notícia da época daquele periódico de Melgaço e que nos conta tudo: "Melgaço mudou de aspecto por occasião dos grandes festejos ao S. João, principalmente nos dias 23 e 24 do mez findo.  

Já não era aquela villa humilde e modesta, burguezmente sossegada, de há dias. Tinha a appârencia de uma feira enorme; e, como a villa é pequena e a affluência foi numerosa, as ruas encheram-se de forasteiros. 

Todas as freguezias do concelho deram o seu contingente. De Monsão vieram centenas de visitantes; dos Arcos, também afluiu muita gente, e principalmente, dos lados de Valadares e S. Gregório desceu grande quantidade de povo, ora cantando canções ao Santo Precursor, ora grupos de rapazes faziam gemer as sensíveis cordas dos seus cavaquinhos.  

A vizinha Hespanha também concorreu muitíssimo aos pomposos festejos, e às vezes, ao dobrar d'uma esquina, dávamos nós de cara com um par de salerosas gallegas, saracoteando-se desempenadamente, esbeltas e ardentes, propagandistas mudas da união ibérica...  

Em suma: a grande verdade inquestionável é que os forasteiros foram bem recebidos pelos habitantes de Melgaço. Houve de tudo; excelentes músicas, gigantones, procissões, foguetes para os distrair, regulares iluminações, missa campal, peregrinação, missa solene, sermões, bodo a 100 pobres e a nunca esquecida feira annual, que em verdade, foi uma verdadeira pepineira.  

Finalmente recolheram a casa, satisfeitos e alegres, bradando:  

—Gastei dinheiro, mas gozei à bruta! 

Agora, passemos à descrição da festa. As alvoradas de 23 e 24 foram feitas magistralmente, motivo este porque deixou de se levantar ao despontar da manhã. Admirável, maravilhosa foi então a entrada do meio dia feita pelas três philarmónicas, monsanense, arcoense e a d'esta villa [de Melgaço]. Foi um delírio, todos os sinos deram alarme anunciando a principal abertura dos grandiosos festejos. Subiram ao ar dezenas de foguetes, e o povo, em massa compacta percorria as principaes ruas d’esta villa, que se achavam garridamente engalanadas de bandeiras e galhardetes. 

Não menos entusiasmo houve quando pela primeira vez appareceram ao publico os «Gigantones e Cabeçudos», imitação da antiga usança dos povos da Galliza.  

O povo rodeava-os com tanta alegria que parecia uma doidice. A procissão designada à colocação, nos seus respectivos lugares, das imagens de Christo e S. João, foi realmente feita com todo o brilhantismo.  

A missa campal, como tínhamos anunciado, foi uma das mais importantes cerimónias religiosas que se tem feito na nossa terra.  

Assistiram a ella mais de 4000 pessoas, as músicas de Monsão e Arcos que, executaram, com grande mimo, algumas peças de fino gosto, e finalmente durante a missa não houve o mais pequeno rumor, com o que muito nos regozijámos. 

A peregrinação à ermida da Senhora da Orada, apesar de ter sido muito concorrida, não produziu tanta sensação como se esperava, em todo o caso incorporaram-se n'ella pessoas de alta consideração, algumas irmandades, muito povo e as duas músicas referidas.  

A missa solemne pela capela do Snr. Sanches teve regular desempenho. Foi celebrante o ilustrado sacerdote Rev. Simão d'Abreu e Mello, nosso presado colega do Independente, de Monsão, acolitado pelos Rev. P.e Manoel António Esteves e P.e Francisco Máximo Rodrigues. 

Ao Evangelho subiu à tribuna sagrada o distincto orador sagrado P. Caetano Fernandes, digno e ilustrado abbade desta villa. 

O sermão foi muito apreciado, pela solidez de doutrina, elegância da phrase e sublimidade de conceitos. Sua ex. houve-se à verdadeira altura do seu pujante talento e profissionalíssimo estudo, revelando-nos durante o espaço d’uma hora os seus recursos intelectuais. 

A procissão que saiu da igreja matriz às 6 horas da tarde, foi de um respeito e brilhantismo inexplicáveis. 

Conduziam as varas do palio os seguintes cavalheiros: Exmos. Srs. José Cândido Gomes d’Abreu, António Cândido de Souza e castro <moraes Sarmento, Manuel Joaquim de Souza e Castro Moraes Sarmento, Dr. António Augusto de Castro Menezes, Frederico Augusto dos Santos Lima e Victorino Augusto Santos Lima. 

Incorporaram-se também bastantes sacerdotes, muito poucos anjos [crianças], (com grande mágoa o dizemos) muitas cruzes e irmandades e algumas pessoas de respeitabilidade. 

A imagem do Santo Precursor era conduzida num andor verdadeiramente original. O estrado e lados do mesmo eram feitos de cortiça, formando um penhasco, que produzia um effeito encantador. 

As noites no terreiro da Praça do Comércio [atual Praça da República] e Largo do Chafariz [ao fundo da atual Praça da República], e muito principalmente em volta dos coretos das músicas de Monsão e Arcos, apinhava-se o povo em massa tão compacta que chegava a tornar difícil e muitas vezes impossível o trânsito. Um movimento colossal, enfim que tinha todos os encantos de uma festa popular. 

annunciado bodo aos pobres foi distribuído no Campo da Feira Nova [onde hoje são os Paços do Concelho], pela forma seguinte: A cada pobre — 250 gramas de carne, 250 gramas de de arroz, 100 gramas de de toucinho, 20 réis de pão e 2 decilitros de vinho verde. Também foi esta uma das cerimónias mais attraentes e comovedoras a que assistiu grande número de pessoas.  

Durante elle tocou a música d'esta villa de Melgaço [Banda Filarmónica], e no fim subiram ao ar grande quantidade de foguetes. 

À feira anual que, como em outro lugar dissemos, foi uma grande pepineira, concorreram duas juntas de bois, uma de touros, meia dúzia de vacas lazarentas e a respeito de porcos... nem um que merecesse o prémio.  

Ainda assim o júri resolveu conceder, como concedeu, menção honrosa à junta de bois pertencente ao Snr. José Maria de Magalhães, da Tapada, de Chaviães, e concedeu o prémio de 10$000 réis ao cavallo pertencente ao Sr. Francisco António Esteves, d’esta villa. 

Que vergonha para os nossos lavradores!!! 

Nem mesmo vendo que poderiam conseguir este ou aquelle prémio, concorreram à feira com os seus gados? 

Não se acredita! Papelões! 

De resto, bom fogo, principalmente o do Carvalheiras, que se esmerou por nos mimosear com lindos foguetes, pelo que o felicitamos, excelentes músicas, uma elegante montanha, luzica festividade religiosa, etc, etc, etc. 

Finalmente uma festança como nunca se fez em Melgaço, graças aos esforços dos seus incansáveis promotores." 


Notícia extraída de: Jornal de Melgaço, edição de 4 de Julho de 1895. 

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