domingo, 10 de novembro de 2024

Termas do Peso (Melgaço), Verão de 1895 - Notícia de uma festa com três bandas filarmónicas melgacenses

 

No Novo Hotel Quinta do Pezo, início do século XX
(Foto de Adolfo Gonzalez, de Entrimo)


Esta fotografia foi tirada, muito provavelmente, nos primeiros tempos do de vida do "Novo Hotel Quinta do Pezo", que abriu em 1901. Nela, vê-se a unidade hoteleira decorada para uma festa e pode observar-se uma banda filarmónica, embora não saibamos se seria uma das três que existiam na época no nosso concelho.

Na verdade, no século passado, Melgaço tinha uma das mais famosas bandas de música da região, orientada, no seu melhor período, pelo conhecido Mestre Morais. Todavia, antes dessa badalada Banda dos Bombeiros Voluntários, fundada ainda em finais dos anos 20, chegaram a coexistir no nosso concelho, pelo menos, três bandas filarmónicas. No início do século XX, tínhamos, por um lado, a chamada Música Velha, fundada em meados do século XIX, e a conhecida Música Nova, fundada nos últimos anos do século XIX. Na época, havia ainda uma outra banda filarmónica em São Gregório, fundada algures na segunda metade do século XIX e ainda em atividade em finais da mesma centúria. Era conhecida como a “banda dos emigrados”. Em breve, hei-de falar-vos um pouco desta banda de música que nasceu, salvo erro, em 1866... 

Num tempo em que Melgaço tinha três bandas filarmónicas, estas costumavam animar as festas da terra, não só as religiosas, mas também aquelas que eram organizadas nos hotéis do Peso, na temporada termal. Na edição do Jornal de Melgaço de 1 de Agosto de 1895, podemos ler a seguinte notícia: “Águas Mineraes do Pezo de Melgaço, 24 de julho - O grande hotel do Peso está repleto d' hospedes, a fazer uzo das miraculosas águas d'esta estância com bastante resultado para os seus variados padecimentos. Chegaram mais três aguistas, entre elles o rev. abbade de Maximinos com sua ex.ma sobrinha, D. Margarida. Chegou também da sua viagem de recreio o ex.mo Snr. Pinheiro, abastado capitalista, e sua família. A colónia aquista deste hotel realiza na próxima sexta-feira no parque, um baile campestre para o qual convidou as duas conceituadas bandas musicais da terra - musica nova e musica velha - trinta e tantas dúzias de fogo do mais acreditado pyrothechnico do concelho, para os intervallos. Haverá illummação a balões venezianos, embellezamento do parque, onde fluctuarão galhardetes em grande quantdade, ali e nas janellas e sacadas do Grande Hotel. Deve produzir um magnifico aspecto. O ex.mo Visconde de Fragosella e Snr. Pinheiro offereceram generosamente para aquella festa, todo o fogo preciso. A decoração do parque e Hotel ó feita pelos seguintes cavalheiros: Nogueira. Ferreira, Ridrigues, Monteiro, Moreira, Larangeira, e mais uns cavalheiros que agora não me recordam os nomes. 

Amanhã tencionam ir em digressão a Arbo, villota hespanhola, na margem do rio Minho e próxima à Estação de caminho do ferro hespanhol desfructar a festa do S. Thiago, patrono de Hespanha, onde se fará ouvir a bem conceituada banda monsanense. Tão cedo se reunirá n'este hotel uma colónia aquista tão escolhida como esta. As damas são duma illustração esmeradíssima, muito amáveis, finíssimas no tracto, despidas da pose enfatuada que accommette uma certa roda que vegeta por muitos cantinhos de nossas terras. Com esta elite vive-se aqui muito bem o tempo passa tão veloz como o pensamento. 

Deixa esta estância na véspera d'esta festa da família colonial, o nosso amigo dedicado, Nunes de Azevedo, que sempre nos recreava com o seu verbo animadíssimo. Deixa-nos saudades. Que tenha uma feliz viagem e que eu centre todos os seus bens, é o que lhe desejamos do coração. Também retiraram no sabbado próximo os amigos Nogueira e sua senhora, o herói das digressões e que animava sempre com a sua boa vontade tudo que se emprehendesse para matar o tempo; e com este também nos foge o divertido Liborio Moreira, o nosso engenheiro na decoração do parque e hotel, que nos mimoseava os ouvidos com o seu violino e flauta as noites. E o Domingos Ranhada, esse condescendente que nos acompanhava para toda a parte, que nos servia de cicerone, que aos dava lições, a valer, de malha, que tinha piada fina e fresca, esse também lá vae caminho de Marinhas cuidar do seu vinhedo, ramo de agricultura que cultiva com esmero e attenção, para tirar o seu bello champagne portuguez que faz as delícias dos amigos que lhe baterem á porta. 

Não obstante este movimento de saídas, já em cima da escrivaninha do António Ranhada estão telegrammas e cartas pedindo quartos, é mesmo uma faina continuada n'esta casa; é: — uns à porta, outros ao ferrolho, como diz o rifão. Um rapaz, de Ponte confessou-me hoje quando chegou aqui foi logo tomar aguas e que mal tinha tomado o primeiro copo, foi como quem deitou agua na fervura. O seu padecimento é do estômago -azia- e sentia logo ao primeiro copo, allivio. Que as águas são milagreiras já se cá sabia. Todos os que as tomam vão satisfeitos para suas casas. 

No mesmo número do jornal, o redator lá nos conta como foi a tal festa. Pelos vistos, além das bandas filarmónicas nova e velha, ambas sedeadas na vila de Melgaço, o redator da notícia destaca a participação da banda de música de S. Gregório (a tal banda dos emigrados): “Serenata - Como tínhamos anunciado realizou-se na sexta-feira [26 de Julho de 1895] última no parque fronteiro ao grande hotel do Pezo, a serenata promovida pela colónia aquista d'este hotel. Eram 5 horas da tarde quando nos dirigimos ao hotel, e ahi, então, tivemos occasião de ver grande enthusiasmo em todos os aquistas. Fazia as delicias da tarde a excellente phylarmonica do Snr. Sanches. Um dos mais entendidos na matéria dirigia o infernal Zé-Pereira, que por algumas vezes nos azainou os ouvidos, outros trabalhavam com verdadeiro afán nos preparativos da iluminação à veneziana, uns faziam a distribuição do fogo, e outros, finalmente, faziam convites às damas e rapazes afim de dançarem uma walsa. De momentos a momentos, uma girandola de foguetes, e, ao declinar de tarde, num ou outro penhasco viam-se alguns grupos comendo appetitosamente. Alguns carros conduziam famílias inteiras, e, chegada que foi a noite, concorreu ao local grande quantidade de povo. A illuminação, ainda que diminuta, estava bem colocada e produzia um efeito maravilhoso. De repente, fomos surprehendidos pelo apparecimento da música dos emigrados, que executou com mestria, algumas das melhores peças do seu reportório. Como dissemos, n'um dos salões do hotel dançou-se animadamente por espaço de algumas horas fazendo-se declarações a menos de real, e promessas de verdadeiro amor. E assim, era meia-noite quando terminaram estes divertimentos. Os nossos parabéns, pois a toda a colónia das águas do Pezo, e oxalá se não arrependa de proporcionar-nos algumas horas tão agradáveis E assim, era meia noite quando terminaram estes divertimentos."  

 

Fonte: Jornal de Melgaço, edição de 1 de Agosto de 1895. 

domingo, 27 de outubro de 2024

Melgaço, Dezembro de 1914 - Notícia de um violento temporal



Nunca como hoje a opinião pública deu tanta atenção aos fenómenos meteorológicos extremos. Contudo, se falarmos com os mais velhos, eles contam-nos como eram os duros invernos de antigamente, algo diferentes dos atuais. Se folhearmos os jornais melgacenses de outrora, encontramos notícias dedicadas a severas intempéries e aos graves danos causados. Em Dezembro de 1914, ocorreu uma violenta tempestade de que nos fala a esta notícia no "Jornal de Melgaço" de 17 de Dezembro desse ano:

"O temporal 

Pode-se dizer assoutamente que o temporal da noite de quinta-feira passada foi horroroso e causador de innumeros e avultados prejuízos, quer em Melgaço, quer nos concelhos de Monsão e Valença e ainda por esse paiz fora. 

O vendaval, acompanhado de grossas e continuas bátegas de água, fazia transir de mêdo os mais arrojados. É que parecia tudo arrastar e tudo derruir. E a prova está na descripção simples e resumida, dos estragos por elle causados e que passamos a descrever;  

O regato do Rio do Porto, que passa nesta villa, devido à grande enchente, alagou muros, destruiu latadas e causou grandes prejuízos aos proprietários confinantes.  

O de Prado, maiores estragos causou, porque, além de também arrasar muros, campos e latadas, destruiu as pontes de Canles, da Carpinteira e parte da Pedrinha, próximo do monte de Prado. 

O do Barral, em S. Paio e o de Midão, em Paderne, danificaram também muitos prédios confinantes, causando-lhes consideráveis prejuízos, e o Mouro, que atravessa as freguezias de Parada do Monte, Cousso e Gave, d'este concelho, e Riba de Mouro e outras, do concelho de Monsão, deixou horrorizados todos os seus habitantes. As pontes da Cella e de Virtello, assim como todos os moinhos, fulões e engenhos, tudo foi destruído, causando este facto o maior pânico.  

Na Ponte do Mouro, o espectáculo era deveras admirável mas assombroso. A corrente arrastou, até ali, pipas, salgadeiras, soalhos, adelhas de moinhos, peças de engenhos de serra, cadeiras e muitas outras coisas que é impossível enumerar, entrando também em algumas casas daquella localidade e destruindo completamente alguns moinhos e azenhas, assim como derrubou parte das guardas da antiga Ponte.  

O rio Gadanha, na freguezia de Troporiz, concelho de Monsão, destruiu quasi totalmente os moinhos e engenhos de serragem que ali existiam, assim como destruiu a ponte que ligava parte da freguezia com a estrada nacional e o resto de uma outra ponte, construída em 1909, acabou de ser desmoronada.  

Na freguezia de Pias, do mesmo concelho, fez o mesmo rio idênticos estragos, chegando a ficar interrompido o transito pela ponte da Naia. Em Valença, a innundação causou enormes prejuízos nas freguezias de Cerdal e Gandra; principalmente na primeira são calculados em 50 contos. O sr. José Casimiro Affonso perdeu a sua bem montada fábrica de moagem, serragem e de azeite, levando-lhe a corrente grande porção de material e cereaes, ficando só as machinas.  

Muitos outros proprietários tiveram também grandes prejuízos, vendo os campos sem vinha e sem arvores. Da ponte da egreja, em construcção, nada ficou!  

No último domingo, caiu sobre os logares de Pouzafolles, Balsada, Faval, Quingosta, Porto-Carreiro e Fulão, da freguezia de Fiães, deste concelho, uma tão terrível trovoada que, alem de causar enormes prejuízos aos prédios confinantes do rio Trancoso, levou na sua passagem moinhos, terrenos e cinco pontes que havia de communicação com a Hespanha, ficando por isso os moradores daquelles logares nas mais críticas circunstâncias por não poderem agora transitar com seus gados e carros para Hespanha, onde muitos delles têem a maior parte de seus bens. 

Os prejuízos são calculados em muitos centos de escudos e por isso, na impossibilidade de os respectivos povos poderem occorrer a taes despezas, devem as juntas de paroquia, por intermédio da autoridade administrativa ou da Câmara Municipal, solicitar do Governo o subsídio indispensável para reparar, se não todos, a maior parte dos prejuízos causados."