Nenhum outro elemento poderá expressar melhor os
sentimentos manifestados em relação às crianças expostas como as mensagens
escritas que as acompanhavam. Muitas delas apontavam para uma futura
reintegração familiar, a justificarem um tratamento diferenciado daquelas que
eram enjeitadas e que passariam a constituir um encargo exclusivo dos
municípios. Mesmo que, no futuro, se viesse a provar não existir uma correspondência
efectiva entre o conteúdo das mensagens e o destino das crianças expostas, o
facto de terem sido elaboradas já revela uma preocupação particular com a sua
sorte. Na prática, seria uma forma de manter uma ligação afectiva que a sua exposição
não havia definitivamente quebrado. São muito variadas as expressões utilizadas
nas mensagens que demonstram o desejo de continuar a acompanhar o percurso das
crianças expostas, reveladoras da presença de fortes sentimentos pessoais e
familiares. São expressões que, apesar de aparecerem sobretudo na documentação
do século XIX e do primeiro quartel do século XX, não deixaram de aparecer
esporadicamente no século XVIII, numa altura em que o número de expostos ainda
era muito reduzido. Algumas dessas mensagens imploravam os favores das rodeiras
para que lhes arranjarem amas boas que as tratassem “com amor” ou “com
toda a humanidade e carinho”. Outras vezes, depois de recordarem que a
caridade era a principal das virtudes, solicitavam o seu bom tratamento, “por
caridade e amor ao próximo”, havendo mesmo uma que “pedia do coração
todo o esmero possível” na criação da criança inocente.
Algumas das mensagens pretendiam justificar as razões que
levaram à exposição das crianças, como se verificou com uma delas, ao informar
que «a criança que se engeita não é por falta de amor que lhe têm seus pais,
mas sim por circunstâncias», ao mesmo tempo que se comprometiam a
recuperá-la mais tarde e a pagar toda a despesa que tivesse sido realizada pela
Roda. Através do escrito que acompanhava esta criança (exposta na freguesia de
Alvaredo, concelho de Melgaço, apenas com algumas horas de vida), informava-se
que a criança ainda não fora baptizada e pedia-se «por amor de Deus que lhe
pusessem o nome de Júlio da Glória e que havia nascido às 9 para as 10 horas da
noite do dia 17 de Outubro de 1861». Ao mesmo tempo, prometia-se que iria
ser procurada e a instituição ressarcida de toda a despesa realizada. Na
verdade, em 20 de Agosto de 1862, esta criança foi procurada e entregue a João
Correia dos Santos Lima, negociante da vila de Melgaço, que a exigiu e se
responsabilizou pela sua criação e educação, não sendo possível saber se seria
o seu pai. Também não passou
despercebido o facto de alguém ter escrito uma mensagem num papel em forma de
coração, assim como a promessa de uma mãe em recompensar a ama que criasse o
seu filho com todo o amor, cuja exposição a fazia “sofrer encarniçadamente”,
mas que esperava poder vir a recuperá-lo no futuro, ultrapassadas as razões
que a haviam obrigado a tal procedimento.
Informações recolhidas em:
- PONTE, Teodoro Afonso (2004) - No limiar da honra e da pobreza - A infância desvalida e abandonada no Alto Minho (1698 - 1924). Tese de doutoramento; Universidade do Minho, Braga.
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