terça-feira, 5 de agosto de 2014

A terrível epidemia de tifo em Castro Laboreiro (1913 - 1914)

(PARTE II)

Em Castro Laboreiro, na época


Em finais de Janeiro de 1914, chegou a Castro Laboreiro uma equipa da Cruz Vermelha para ajudar a erradicar uma epidemia de febre tifóide que aí grassava. Depois de nos primeiros dias terem dado atenção aos casos mais graves, aguardam a chegada, através do comboio, do equipamento para a instalação de um hospital de campanha.
Depois de o equipamento ter chegado à vila de Melgaço, começou a ser transportado até Castro Laboreiro em mulas, tarefa que parecia nunca mais ter fim, dada a baixa carga que cada um dos animais transportava, já que os carreiros, tão mal tratados que estavam, não permitiam um maior sacrifício aos animais. Um lavrador castrejo, António Bento Domingues, do lugar da Portelinha, sugeriu que o transporte deveria ser feito em carros puxados por juntas de bois e que ele próprio cederia o seu, prontificando-se ainda a sensibilizar o irmão a ceder o dele. Porém, o regedor da freguesia foi mais longe e decretou que todos os carros de bois da povoação se apresentassem no dia que se aprazasse para prestar este urgente serviço comunitário.
O hospital de campanha, no meio de tantas atribulações, apesar da boa vontade dos populares, que não se pouparam a esforços para conseguir materiais acessórios, apenas se conseguiu que ficasse funcional praticamente um mês após a equipa médica ter chegado ao local. Dotado de compartimentos para homens e mulheres, bem como para o pessoal de enfermagem e auxiliar, passou a ser um precioso equipamento para o combate à epidemia, que estava longe da sua definitiva erradicação.
Mas nem toda a população via com bons olhos o internamento dos seus doentes no espaço hospitalar recém-criado. Não faltaram manifestações de desagrado e agressivas oposições ao internamento de doentes. Valeu na circunstância a presença de agentes da Guarda Fiscal, que devidamente armados dissuadiram todos aqueles que preferiam ver os seus familiares em casa a permitir o seu internamento num espaço que lhes era estranho. É bem elucidativo o facto desta passagem do relatório que faz a história dos acontecimentos: “No lugar do Bico, em estado gravíssimo, foi encontrada Deolinda Afonso, casada, de 28 anos, que além de todos os sintomas caraterísticos de febre tifóide, estava com princípio de uma infeção uterina em consequência de um aborto efetuado. O sogro desta mulher, quando ouviu dizer ao médico que era necessário hospitalizá-la, em tom autoritário protestou, garantindo que não o consentiria e quis hostilizar-nos. Viu porém a carabina do guarda fiscal, que o ameaçou com prisão, e o homem serenando um pouco, apresentou como condição que lhe fizessem uma escritura garantindo que lhe salvavam a vida.  Contudo, a mulher foi hospitalizada no dia seguinte sem serem atendidas tais condições.”
Um grande obstáculo no combate à doença foram as condições meteorológicas registadas nessa altura em Castro Laboreiro. Com chuva intensa e permanentes nevões, não era fácil fazer visitas às habitações para saber da existência de doentes e tratá-los convenientemente, ou em casos extremos transportá-los para o hospital em macas em cima de mulas, por trajetos acidentado de longos quilómetros.
Mas outros contratempos surgiram. Os elementos da Cruz Vermelha citam o facto de os habitantes de Castro Laboreiro não estarem nada habituados a ver gente sua a internarem-se em hospitais. Tinham a convicção de que só morria quem tinha que morrer e que a morte deveria acontecer na casa de cada um. Por isso, a Cruz Vermelha notou que algumas pessoas tentaram ocultar casos de familiares enfermos para não serem internados. Só a denúncia de outros vizinhos foi ajudando a diagnosticar novos casos.
No princípio do mês de Abril, com mais de sessenta dias de atividade intensa, o corpo de voluntários da Cruz Vermelha constata que a epidemia começa a ficar debelada. Não surgem novos casos e os doentes atacados pela febre apresentam significativas melhoras. No dia 6 de Abril, foi dada alta ao último doente que se encontrava hospitalizado. E como a ordem era para não fazer mais hospitalizações, até porque nem havia ninguém para hospitalizar, debaixo de um magnífico sol que tinha espontaneamente surgido, procedeu-se à desmontagem do hospital de campanha, que tão preciosa tinha sido para o internamento e tratamento dos doentes, resistindo firmemente à forte invernia que foi obrigado a enfrentar.
A 9 de Abril do ano de 1914, acontece a partida da equipa da Cruz Vermelha, emocionada de parte a parte como se depreende das considerações constantes do relatório apresentado superiormente. O dito relatório diz assim: “Ao despedirmo-nos deste povo rude mas muito bondoso, vimos olhos marejados de lágrimas e abraços estreitadíssimos que nos tributavam, certamente por terem reconhecido a dedicação com que foram tratados, através de tantos sacrifícios, todo os enfermos, apesar do seu elevado número, conforme se pode ver no seguinte resumo: epidémicos tratados em sua casa – 83; doentes hospitalizados – 12; doentes falecidos em casa – 12; doentes falecidos no hospital – 2; total de doentes curados – 81.
Infelizmente, a este número de falecidos, há que somar cerca de 60 óbitos que ocorreram antes da chegada da Cruz Vermelha. No total, neste surto epidémico faleceram 76 pessoas.

Para ler a parte I, clique em http://entreominhoeaserra.blogspot.pt/2014/07/a-terrivel-epidemia-de-tifo-em-castro.html

Informações extraídas de:
-  Ilustração Catholica, nº 47, de 23 de Maio de 1914 Ano II, Braga;
- MARQUES, Ricardo (2013) - Portugal no ano da Grande Guerra, Oficina do livro, Lisboa.
- MEIRA, Gonçalo Fagundes (2013) - A cruz vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914 in: Cadernos Vianenses, Tomo 47, Câmara Muniicipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo;
- SEQUEIRA, José de Magalhães (1918) - Higiene e Profilaxia do Tifo Exantemático. tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tipographia Mendonça, Porto.



NOTA: Para a Diana Carvalho, um enorme OBRIGADO pela partilha de informação que tornou possível isto!

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