(PARTE II)
Em Castro Laboreiro, na época
Em finais de Janeiro de 1914, chegou a Castro Laboreiro
uma equipa da Cruz Vermelha para ajudar a erradicar uma epidemia de febre
tifóide que aí grassava. Depois de nos primeiros dias terem dado atenção aos casos mais graves,
aguardam a chegada, através do comboio, do equipamento para a instalação de um
hospital de campanha.
Depois de o equipamento ter chegado à vila de Melgaço,
começou a ser transportado até Castro Laboreiro em mulas, tarefa que parecia
nunca mais ter fim, dada a baixa carga que cada um dos animais transportava, já
que os carreiros, tão mal tratados que estavam, não permitiam um maior
sacrifício aos animais. Um lavrador castrejo, António Bento Domingues, do lugar
da Portelinha, sugeriu que o transporte deveria ser feito em carros puxados por
juntas de bois e que ele próprio cederia o seu, prontificando-se ainda a
sensibilizar o irmão a ceder o dele. Porém, o regedor da freguesia foi mais
longe e decretou que todos os carros de bois da povoação se apresentassem no
dia que se aprazasse para prestar este urgente serviço comunitário.
O hospital de campanha, no meio de tantas atribulações,
apesar da boa vontade dos populares, que não se pouparam a esforços para
conseguir materiais acessórios, apenas se conseguiu que ficasse funcional
praticamente um mês após a equipa médica ter chegado ao local. Dotado de
compartimentos para homens e mulheres, bem como para o pessoal de enfermagem e
auxiliar, passou a ser um precioso equipamento para o combate à epidemia, que
estava longe da sua definitiva erradicação.
Mas nem toda a população via com bons olhos o
internamento dos seus doentes no espaço hospitalar recém-criado. Não faltaram
manifestações de desagrado e agressivas oposições ao internamento de doentes.
Valeu na circunstância a presença de agentes da Guarda Fiscal, que devidamente
armados dissuadiram todos aqueles que preferiam ver os seus familiares em casa
a permitir o seu internamento num espaço que lhes era estranho. É bem
elucidativo o facto desta passagem do relatório que faz a história dos
acontecimentos: “No
lugar do Bico, em estado gravíssimo, foi encontrada Deolinda Afonso, casada, de
28 anos, que além de todos os sintomas caraterísticos de febre tifóide, estava
com princípio de uma infeção uterina em consequência de um aborto efetuado. O
sogro desta mulher, quando ouviu dizer ao médico que era necessário
hospitalizá-la, em tom autoritário protestou, garantindo que não o consentiria
e quis hostilizar-nos. Viu porém a carabina do guarda fiscal, que o ameaçou com
prisão, e o homem serenando um pouco, apresentou como condição que lhe fizessem
uma escritura garantindo que lhe salvavam a vida. Contudo, a mulher foi hospitalizada no dia
seguinte sem serem atendidas tais condições.”
Um
grande obstáculo no combate à doença foram as condições meteorológicas registadas
nessa altura em Castro Laboreiro. Com chuva intensa e permanentes nevões, não
era fácil fazer visitas às habitações para saber da existência de doentes e
tratá-los convenientemente, ou em casos extremos transportá-los para o hospital
em macas em cima de mulas, por trajetos acidentado de longos quilómetros.
Mas
outros contratempos surgiram. Os elementos da Cruz Vermelha citam o facto de os
habitantes de Castro Laboreiro não estarem nada habituados a ver gente sua a
internarem-se em hospitais. Tinham a convicção de que só morria quem tinha que
morrer e que a morte deveria acontecer na casa de cada um. Por isso, a Cruz
Vermelha notou que algumas pessoas tentaram ocultar casos de familiares enfermos
para não serem internados. Só a denúncia de outros vizinhos foi ajudando a
diagnosticar novos casos.
No
princípio do mês de Abril, com mais de sessenta dias de atividade intensa, o
corpo de voluntários da Cruz Vermelha constata que a epidemia começa a ficar
debelada. Não surgem novos casos e os doentes atacados pela febre apresentam
significativas melhoras. No dia 6 de Abril, foi dada alta ao último doente que
se encontrava hospitalizado. E como a ordem era para não fazer mais
hospitalizações, até porque nem havia ninguém para hospitalizar, debaixo de um
magnífico sol que tinha espontaneamente surgido, procedeu-se à desmontagem do
hospital de campanha, que tão preciosa tinha sido para o internamento e
tratamento dos doentes, resistindo firmemente à forte invernia que foi obrigado
a enfrentar.
A 9
de Abril do ano de 1914, acontece a partida da equipa da Cruz Vermelha,
emocionada de parte a parte como se depreende das considerações constantes do
relatório apresentado superiormente. O
dito relatório diz assim: “Ao despedirmo-nos deste povo rude mas muito
bondoso, vimos olhos marejados de lágrimas e abraços estreitadíssimos que nos tributavam, certamente por terem
reconhecido a dedicação com que foram tratados, através de tantos sacrifícios,
todo os enfermos, apesar do seu elevado número, conforme se pode ver no
seguinte resumo: epidémicos tratados em sua casa – 83; doentes hospitalizados –
12; doentes falecidos em casa – 12; doentes falecidos no hospital – 2; total de
doentes curados – 81.”
Infelizmente,
a este número de falecidos, há que somar cerca de 60 óbitos que ocorreram antes
da chegada da Cruz Vermelha. No total, neste surto epidémico faleceram 76 pessoas.
Informações
extraídas de:
- Ilustração Catholica, nº 47, de 23 de
Maio de 1914 Ano II, Braga;
- MARQUES, Ricardo (2013) - Portugal no ano da
Grande Guerra, Oficina do livro, Lisboa.
- MEIRA, Gonçalo Fagundes (2013) - A cruz vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914 in: Cadernos Vianenses, Tomo 47, Câmara Muniicipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo;
- SEQUEIRA, José de Magalhães (1918) - Higiene e Profilaxia do Tifo Exantemático. tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tipographia Mendonça, Porto.
NOTA: Para a Diana Carvalho, um enorme OBRIGADO pela partilha de informação que tornou possível isto!
- MEIRA, Gonçalo Fagundes (2013) - A cruz vermelha de Viana e a epidemia de Castro Laboreiro em 1914 in: Cadernos Vianenses, Tomo 47, Câmara Muniicipal de Viana do Castelo, Viana do Castelo;
- SEQUEIRA, José de Magalhães (1918) - Higiene e Profilaxia do Tifo Exantemático. tese de Doutoramento apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Tipographia Mendonça, Porto.
NOTA: Para a Diana Carvalho, um enorme OBRIGADO pela partilha de informação que tornou possível isto!
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