Vista sobre a Branda da Aveleira
"(...) Caminhar é, aliás, o que melhor se pode fazer por aqui,
onde começa aliás o trilho dos brandeiros, um percurso de 14 quilómetros de
moderada dificuldade que, entre os vales do rio Vez e do rio Mouro, nos leva
pelas rotas e abrigos dos pastores de Gave. Bem mais acessível é o passeio
pelas ruelas estreitas da branda, nas quais é possível espreitar a passagem do
tempo na grossura centenária dos troncos dos castanheiros, nas construções em
ruína ou em recomposição, ou senti-lo no musgo que dá cor aos muros de granito
irregularmente sobreposto. No vale que se abre para as duas encostas por onde
se espalha o casario, o Aveleira, um afluente do Vez onde alguém teve a infeliz
ideia de criar uma zona seca atirando cimento para o leito, insinua a sua
presença, misturando-se com ruído do gado que lhe apara a margem e com uma ou
outra ave de rapina que fazem de todo o espaço que a vista alcança a sua
coutada de caça.
Não estamos longe de uma das mais belas entradas no
Parque Nacional da Peneda-Gerês. Lamas de Mouro, na sua planáltica brandura, é,
sombreada por carvalhos, bétulas e camacíperes, um fértil contraste com algumas
das encostas rochosas, esculpindo broas de pão, como descreveria Miguel Torga,
que nos balizam o caminho, por estrada, até lá. Estrada que, nos primeiros
quilómetros, até começa por nos oferecer um insólito contraste entre o
"relvado" verdejante do Lameiro da Porteira, onde é fácil encontrar
alguns garranos ou famílias de vacas em ameno piquenique, e o campo de futebol
pelado que nos implora, do outro lado da via, relva, uma bola e jogadores que
não há.
O que há é um cruzamento, no sítio do Batateiro, que
podemos tomar como ponto de partida para um percurso, vá lá, circular - pelo
menos capaz de pôr a cabeça de alguns passageiros a andar à roda, de tão
sinuoso o caminho. Lamas de Mouro está para nordeste - e de lá, Castro
Laboreiro, a sete quilómetros, pede um desvio que, desta vez, resistimos a
fazer. Seguimos de Lamas para sul, iremos ao encontro de um santuário singular
que, inspirado no Bom Jesus de Braga, espalha encosta abaixo o seu escadório,
erguendo-se o templo à sombra da montanha que lhe dá nome. A senhora da Peneda
é lugar a visitar em qualquer altura do ano, sendo que vale para alguns o aviso
de que, na primeira semana de Setembro, durante a romaria, o lugar e toda a
estrada desde Lamas de Mouro são expropriados por milhares de peregrinos e
respectivos carros e autocarros, tornando difícil, muito difícil mesmo, a
circulação.
Para Sul temos Rouças e, seguindo então de aqui para
Norte, de novo a caminho do cruzamento do Batateiro, entramos em terras da
Gavieira, onde, com alguns desvios a pedir força nas pernas, podemos perder o
sentido das horas em algumas das suas brandas, de entre as quais São Bento do
Cando, com a sua capela, é a mais famosa. Separados da Peneda por um vale e uma
coluna de granito do mais agreste e imponente que se vê por aqui, a estrada
leva-nos já para a casa dos últimos dias. O sol trocou-nos por um mergulho no
horizonte a oeste, mas o gado, esse, tomou as ruas e os quintais, fazendo pouco
do direito à propriedade privada e lembrando o tempo em que, na solidão da
serra, ninguém se lembraria sequer de o invocar. E aceitamos, então, a sua
ruminante companhia..."
FIM
Extraído de:
- "Branda da Aveleira, herança de pastores", reportagem da autoria de Abel Coentrão e Nelson Garrido. in edição do Jornal Público de 27/10/10.
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