A 2 de Maio de 1909, António Rocha Peixoto, notável
naturalista, professor, antropólogo, etnólogo e escritor faleceu em Matosinhos,
vítima de tuberculose aguda seguida de uma crise.
Em 1908, passou uma temporada em Melgaço, nas Águas do
Peso, onde fundou um grupo de tertúlia e reflexão que ele chama de Academia. Depois da sua morte, em 23 de
Maio desse mesmo ano, o seu amigo Avelino Dantas escreve no jornal poveiro “Estrella
Povoense” um texto de homenagem onde recorda a marcante passagem por Melgaço no
ano anterior e as animadas sessões da Academia. O texto diz o seguinte:
“Faz um ano em Agosto
que, no local da nascente das Àguas Minerais do Peso de Melgaço, encontrei o
abalisado homem de ciência Rocha Peixoto.
Feito os meus
cumprimentos, a que ele correspondeu, risonho, com um acolhedor “Viva, amigo”,
perguntou-me logo por notícias da sua terra e, em seguida, quis que eu lhe
dissesse o motivo que me levava ali. Disse-lho, e como quer que ele visse em
mim sintomas de neurastenia, aconselhou-me a que viajasse e visitasse de
preferência lugares, onde há muito que admirar e aprender.
Ao mesmo tempo,
estava na pitoresca estância de águas minhotas um considerado médico de Chaves,
o Dr. Teixeira de Sousa, com quem Rocha Peixoto falava muito e de que o saudoso
extinto me disse gostar pelo seu feitio gracejador e leal de transmontano.
Dias depois
apareceram, um quase após outro, primeiro o Dr. Silva Gaio, secretário da
Universidade de Coimbra e festejado homem das letras e, posteriormente, o
distinto pintor portuense António Carneiro, que Rocha Peixoto cumulava de atenções, tratando-o como a pessoa de valor e a que se rende culto.
Todos os dias, de
manhã e à tarde, à hora de tomar as águas, era certo o grupo dos quatro em
animada palestra, que só se interrompia para confortar o estômago e para
dormir.
Ordinariamente, quem
mais falava era Rocha Peixoto. Erudito e fluente, dispondo, como se sabe, de
uma soma enorme de conhecimentos bem assimilados e, o que não é vulgar em
homens de ciência, expondo tudo com muita facilidade e clareza, todos o ouviam
com manifesto prazer, e só se separavam quando ele dizia que a sessão ficava
interrompida por tantas horas, isto é, o espaço de tempo decorrido desde o
almoço até à hora do tomar águas, de tarde, e desde o jantar até ao dia
seguinte, de manhã cedo.
Às vezes, a sessão
interrompia-se por momentos. Era quando se efetuavam-se digressões de recreio e
de estudo, mas mais de estudo do que de recreio, aos templos românicos dos
concelhos de Melgaço e Monção. Neste: a matriz da vila e a igreja de S. João de
Longos Vales; em Melgaço, a matriz da vila, a igreja de Paderne e a capela de
Nossa senhora da Ourada.
Como é óbvio, essas
digressões, de que jamais me esquecerei, eram planeadas pelo insigne português
Rocha Peixoto e feitas por ele, os cavalheiros acima citados e pelo autor
destas linhas, ao grupo dos quais Rocha Peixoto graciosamente chamava a
Academia.
Era de ver o carinho
e o entusiasmo com que o ilustre homem de ciência preleccionava sobre os característico do estilo românicos nos templos de Monção e Melgaço que
visitamos. Nestes expressava a sincera indignação com que verberava o obra dos
bárbaros restauradores, quando acaso nesses monumentos se lhe deparavam
semelhantes provas de falta de educação cívica e carência de perfeito
sentimento artístico.
Uma vez, no alto do
Castelo de melgaço, onde subiu a Academia para gozar o lindo panorama que dali
se descobre e, sobretudo, para se remontar a uma época em que a força era tudo,
Rocha Peixoto, em conversa com dois padres que lá estavam, disse-lhes que eles
podiam fazer muito em prol da conservação do nosso espólio artístico
sobrevivente do passado, opondo-se a que as juntas da paróquias, na sua fúria
inovadora, ultrajassem, estragando, o que tão digno é de respeito.
Dotado de invulgares
faculdades de trabalho e de uma força de vontade inquebrantável, nem mesmo ali,
naquela estância de Melgaço, onde os outros vão apenas para fazer a sua cura de
águas, o saudoso homem da ciência descansava.
Vendo-o, assim, todo
votado à sua tarefa de gigante, quem diria que, em menos de um ano, ele
sucumbiria ao peso dessa mesma tarefa, que afinal tão demasiada era para a sua
compleição!
Ah! Como, por vezes,
é triste a realidade das coisas! Como é cruel!
Ainda há pouco, nos
primeiros dias de Fevereiro, ele me disse em Matosinhos, que era preciso que a
Academia se reunisse este ano em Melgaço para continuarmos as nossas palestras
e as nossas digressões, e nem pela cabeça me passou a ideia de que era essa a
penúltima vez que o via vivo... “
Rocha Peixoto no jardim de sua casa
Extraído de:
- DANTAS, Avelino (1966) – Rocha Peixoto (Depoimentos e
Manuscritos). Edição da Câmara Municipal de Matosinhos, Matosinhos.
Sem comentários:
Enviar um comentário