quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Castro Laboreiro, 1916 - O "Leão das Montanhas" recebe visitas ilustres

Mathias de Sousa Lobato, em Castro Laboreiro num enterro, à esquerda segurando o chapéu (1914)

O Comendador Mathias de Sousa Lobato nasceu em Alvaredo em 29 de Junho de 1859. Frequentou a Escola do Magistério Primário na capital do Minho e tornou-se  professor aos 22 anos. Em 12 de Maio de 1887, foi nomeado professor vitalício de Castro Laboreiro. Durante muitos anos, foi ali o Presidente da Junta da Paróquia. Eram merecidos todos os votos da grande maioria da população castreja, pois o Professor Mathias estava sempre disponível para os castrejos. Ia-lhes sempre à vila de Melgaço tratar de assuntos relacionados com as Finanças, Conservatórias, Tribunal, Câmara, Administração, etc. Conseguiu obter um sino para a igreja e a ele se deve a construção do cemitério (até aí, os mortos eram enterrados na igreja).
O título Leão das Montanhas, foi atribuído pelo próprio ministro Hintze Ribeiro, contam uns, ou por um Governador Civil de Viana, contam outros. Não se sabe ao certo.
Em Agosto de 1916, quando já se encontrava doente, recebeu, na sua casa em Castro Laboreiro, a visita de alguns fidalgos da vila de Melgaço acompanhados do Administrador do concelho e de um deputado, o Dr. Amaro de Oliveira, que estava nas Águas do Peso. O narrador dessa excursão a Castro descreve-o assim: “O Zé e o Esteves partiram a galope avisar o Comendador Mathias da nossa chegada . E lá estava ele no meio da ponte, a barba desgrenhada, a barriga proeminente, escancarando a boca enorme numa saudação:  - Sejam bem-vindos!


O professor Mathias em Castro Laboreiro em 1914

Depois, os seus braços compridos estenderam-se e, abrindo a mão papuda, mostrando o pulso rijo e peludo, gritou:  - Alto! O meu povo há-de vir esperá-los aqui, pois então?
A uma pergunta do Zé e do Henrique: - Ó parente?! Então? Rijo, hein!? Ele respondeu: Bem, bem.
E o narrador conta-nos “e do fundo do peito saía uma gargalhada forte que atroava os ares, enquanto o olho esquerdo piscava (...), obrigando-o a enrugar aquela face corada e coberta de pêlos. Apresentaram-lhe os Doutores Joaquim e Amaro Oliveira. E ele, na sua figura imponente, apertava-lhes a mão, muito direita, muito firme, conservando um ar de “grand seigneur”, mostrando a sua pose rústica que o título de Leão das Montanhas tinha a sua razão de existir. E entre uma piscadela de olho e uma casquinada de riso, os bem-vindos cruzava-se, saíam numa confusão atroando a aldeia. Quando o povo chegou, o comendador botou discurso: “Meu povo!  Sois honrados com  visita de um deputado...”, e – diz-nos o narrador – uma piscadela de olho rematou as reticências. E por ali fora, continuou, ora erguendo a bengala ameaçadora, ora mexendo na barba inculta, gritando, misturando frases, confundindo pontos e vírgulas. O arroz, o bacalhau, o açúcar, o Dr. Afonso Costa, o Bernardino Machado, a liberdade, a honradez, o povo de Castro, saíram misturados, em união sagrada, numa dança macabra de palavras, de exclamações... O discurso acabara e ele, na sua voz forte, comandou: “Tudo para suas casas, ala...”.
E mais à frente “entramos em casa do comendador Mathias, por uma escadas toscas de degraus altos, comidos pelo tempo e pelo uso. A porta, muito baixa, dava entrada para a casa da escola, com carteiras desarrumadas, esbranquiçadas do pó. No andar de cima, os outros aposentos, muito pequenos, duma simplicidade quase desconfortável, de chão esburacado e teto baixo...”
Comia que nem um javardo! Diz o narrador: “... fazendo sair mais a barriga, trincando dois pasteis folhados ao mesmo tempo...”. E logo a seguir: “... com um copo enorme entre os dedos, abria a boca negra para lhe meter mais pastéis; na barba desgrenhada, havia pedaços de comida; e o bigode entrava-lhe pela boca, misturado com o vinho que ele bebia, todo deitado para trás, a mão afagando a barriga, o colete desapertado para estar mais à vontade.” E durante o piquenique fala aos seus hóspedes “ ... num retrato, num célebre retrato que ele tinha encaixilhado em madeira, junto a uma caixa de charutos, com o peito coberto de medalhas, e com a sobrecasaca vestida, uma sobrecasaca muito antiga – que lhe ficava a matar – dizia ele”.
Depois do repasto, em direção ao castelo ”... o comendador, que caminhava à frente, monologava: - Oh! Que gente! Meio copinho e pronto! Eles estão aí que nem cachos! Olhem para mim! Nem com vinte canadas!”.
O comendador viria a falecer em Agosto de 1920 em casa de sua irmã Ana. Morreu solteiro. Contudo, a pessoa que narrou este encontro conta-nos que na sua casa de Castro tinha a sua mais que tudo, de nome Isabel, que de criada fora promovida a governanta! Aquando da visita do deputado, ela traz café da cozinha “dentro de uma garrafa de vinho. Dentro de um cesto, aparecem as chávenas, uns copos muito grossos, quase opacos”. O administrador do concelho, depois de provar perguntou “Que licor é este?” “Isso é café!”, cantarolou a Isabel, encostada à porta da cozinha, descansando as mãos na barriga proeminente.
Apesar de ter sido um altruísta, arranjou alguns inimigos, do grupo do Jornal de Melgaço, sobretudo por causa da política. Não se pode agradar a gregos e a troianos ao mesmo tempo.


Mathias de Sousa Lobato, à porta de sua casa em 1911

Informações recolhidas em:   
- ROCHA, Joaquim (2007) - A Febre Tifóide e os seus protagonistas. in: Boletim Cultural de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço, Melgaço.

NOTA: Um enorme OBRIGADO a Diana Carvalho pela partilha de documentos que possibilitou a publicação deste texto.

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