No centro histórico da vila de Melgaço (Foto de J. Melo) |
A vila de Melgaço, a nova Câmara Municipal, o castelo e a Orada
"Um dos meus passeios predilectos,
quando me encontro no alto Minho, é o chamado «passeio de S. Gregório», ao longo
da fronteira de Espanha, desde Melgaço, cuja doirada torre se recorta no friso das
serras galegas, até Puente de Bárzia, ou seja até ao extremo nordeste de
Portugal.
A princípio, o caminho que
levamos não nos oferece imprevistos, nem belezas que especialmente o recomendem.
Campos verdes de milho, limitados, à beira das congostas, pelas latadas armadas
sobre postes de granito. Aqui e além, os canastros, tão característicos da região,
com a cruz numa das empenas e um relógio de sol na outra. De espaço a espaço, a
bênção de pedra dos cruzeiros e das “alminhas”, que por toda a parte acompanha as
carinhosas estradas minhotas. É na volta da vila que a paisagem começa a prender-nos
a atenção.
Infelizmente, o novo edifício
da Câmara, inestético e mal colocado, prejudica o efeito da torre do castelo, tão
harmoniosa nas suas proporções, do alto de cujas balhesteiras, no tempo de D. João
I, as trombetas saúdaram a vitória de Inês Negra, símbolo da mulher enérgica e robusta
destes lugares, — torre, aliás, já estragada, como outras albarrãs pré-dionisianas,
pelo relógio que lhe encastraram na silharia veneranda.
Todo o interesse de Melgaço
se resume nessa relíquia da arquitectura militar do século XIII, onde se sobe com
dificuldade para admirar um horizonte vasto, que se estende até ao oceano. Dali
por diante, o caminho é uma maravilha. A estrada, recentemente reparada, uma das
melhores da região, acompanha a linha de água, serpeando com o rio, que, ora calmo,
ora em açudes que rumorejam, cintila ao sol vivo da tarde.
A certa altura -— tantas
voltas dá a estrada — já não sabemos onde fica a Espanha e onde fica Portugal. O
ponto em que o horizonte é mais extenso e mais belo é no cruzeiro da Senhora da
Ourada.
Nas lombas dos montes galegos,
a vegetação, por vezes rica, desentranha-se numa orquestração de verde em vários tons, que vai desde
o verde-negro das largas manchas de pinhal até ao verde-dourado dos vinhedos em
socalco e ao verde-cinzento das lindadas e hortas que descem quasi à flor do rio.
É aí, um pouco antes de chegar ao cruzeiro, que nós podemos admirar a pequena ermida românica, com
o seu pórtico de três arquivoltas, a sua sineira na empena, a enfiada de modilhões
que, de um lado e de outro, sustentam a arquitrave, enriquecidos de motivos diferentes,
e a nobreza dos seus silhares, todos eles marcados das siglas dos canteiros que
os trabalharam. A nossa atenção divide-se entre esta jóia de pedra, onde se releva
o escudo heráldico de São Bento e se descobrem, do lado do Evangelho, alguns modilhões
de forte sentido naturalista, e a paisagem variada, ora bárbara ora idílica, cujo
sentimento pagão o mestre arquitecto da ermida simbolizou na mulher nua que, num
dos cachorros, ostenta os sinais da maternidade."
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Texto extraído da obra: