Praça da República (Vila de Melgaço) na década de 50 |
O "Guia de Portugal" é uma obra iniciada em 1924 por
Raúl Brandão. É reconhecido como um dos mais completos roteiros de Portugal do
século XX. Foi publicado em vários volumes dedicados a cada uma das regiões do
nosso país. A edição do volume dedicado ao Alto Minho é de 1965 e fala-nos
desta região e em particular das estradas e caminho de Melgaço e das
contemplações do autor com as paisagens da nossa terra.
A respeito da vila de Melgaço, refere: "Melgaço, povoação antiga, de 728 habitantes, coroada por
um velho castelo afonsino, como atalaia da fronteira que a dez quilómetros (no
posto de S. Gregório) deixa de ser raia húmida para se tornar raia seca e
serrana.
A vila situada a uns 180 metros de altitude, dispõe-se em
patamar sobre amplo vale. O rio corre ao fundo. Defronte avultam, em sucessivos
planos, os austeros montes galegos.
Noutros tempos, a vila concentrava-se numa apertada e robusta
cerca murada de que restam apenas panos e cubelos sobranceiros ao vale. De um
extremo ao outro, a povoação tem cerca de um quilómetro. Ao lado do seu antigo
núcleo, nota-se uma discreta dispersão do seu casario ao longo da principal via,
que é a própria estrada relacionada com o posto fronteiriço relativamente
próximo de S. Gregório.
Sobre a vertente, defronte da terra galega, impõe-se,
como severo miradouro, do vale, o velho e arruinado castelo (monumento
nacional), de estrutura afonsina. A torre de menagem, quadrangular e ainda
coroada de ameias, é quase tão alta imponente como a do roqueiro de Guimarães.
Somente, em vez da paisagem urbana e rústica do coração do Minho, a largueza
que daqui se domina é tipicamente raiana e serrana.
Quem seguir pelo campo da feira poderá deitar um olhar
pela parte mais arcaica da povoação medieva. Um dos edifícios que solicitam,
pela robustez, é o dos antigos Paços do Concelho, assente em três possantes
arcos redondos.
Transpondo a muralha pela ponte do Poente poderá
seguir-se ao longo da antiga cerca até junto da “canhoneira”, obra defensiva
do século XVII, contígua à barbacã, hoje ocupada pela Guarda Fiscal.
Prosseguindo até à Praça, teremos em frente a velha igreja matriz (monumento
nacional), templo românico, talvez do século XIII, de modestas proporções e projeção
cruciforme. O seu mais estimável valor reside no tímpano do pórtico, pelo
singular alto-relevo zoomórfico que nele se encontra. Interior relativamente
singelo.
Ao norte de Melgaço, junto da estrada que conduz a S.
Gregório, encontra-se a 1 quilómetro, a Igreja de Nossa Senhora da Orada
(monumento nacional), templo coevo ou quase coevo da fundação da nacionalidade portuguesa,
alcandorado sobre um pequeno patamar da ampla visão panorâmica. O portal da
igreja voltado a poente, está precisamente no enfiamento do extenso e profundo
vale do Minho, permitindo a visão simultânea das duas vertentes, a portuguesa e
a galega.
Igreja castiçamente românica pura e interessante. Portal
gracioso, com três arquivoltas, de ponto levemente subido, assentes em seis
colunelos de singelos capitéis. A decoração de cada uma das arquivoltas é
extremamente graciosa. Ao longo da cornija, há uma linha de curiosos modilhões. Abside retangular, com outra série de cachorros e uma fileira de grânulos. Porta lateral voltada a norte, muito interessante, pela preciosa decoração
semicircular, de estilo oriental que a reveste. Do lado sul, outro portal mais
singelo.
Interior muito simples. Nave única e relativamente alta,
com cobertura de madeira. Iluminação discreta obtida por quatro frestas. Capela-mor
muito típica. Arco triunfal a anunciar uma leve tendência para a ogiva.
Descendo de novo à estrada, poderemos prosseguir até ao
ponto próximo da fronteira. À medida que se vai caminhando, a paisagem parece
redobrar de seriedade. As montanhas do outro lado do rio ganham em volume, como
que justificando, na sua muda eloquência, a custosa desistência que o ânimo
forte do primeiro rei português teve de aceitar após o desastre de Badajoz."
Extraído de:
SANT'ANA DIONÍSIO (1965) - Guia de Portugal - Entre o Douro e
Minho II. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
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