sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O "Sábio de Vila Draque" (Paços - Melgaço) e outras estórias deste mundo e do outro

Paços (Melgaço) e a sua igreja paroquial

Foi no princípio do século XX, que José Leite de Vasconcelos visitou várias vezes Melgaço, à procura da cultura popular e dos saberes ancestrais das gentes da nossa terra. Esteve em vários pontos do concelho, desde o Peso, onde costumava ficar hospedado, até Castro Laboreiro ou Paderne. Esteve também em Paços, onde terá conhecido uma personagem singular da terra naquela época que dava pelo nome de Manuel Afonso. Era contudo conhecido por “Sábio de Vila Draque” e seria habitante daquele lugar da freguesia melgacense de Paços. Era natural de Castro Laboreiro, e contava o povo na época que terá falado ainda no ventre da mãe, circunstância que lhe conferiu a virtude, manifestada aos seis anos de idade, de adivinhar (através das cartas) e curar. Conta José Leite de Vasconcelos no livro Etnografia Portuguesa que a sua terapêutica se baseava nuns pós de santos, com origem em antigos frades espanhóis do Mosteiro de Celanova. Segundo ouviu o autor, com tais pós embrulhados num papel, fazia curas do ombro direito para o joelho esquerdo e do ombro esquerdo para o joelho direito, recitando os seguintes dizeres: «Negrozelo! Vai-te embora deste corpo, deixa-o são e salvo, com pós de santos e negrozelo». Também curava a dor de dentes, de ossos e de pés, com pedra-de-ara, embrulhada em papel e movendo-a em cruz.
No início do século passado, eram frequentes outras crenças tais como aquelas ligadas a curiosos objetos de aço. Acreditava-se que o aço que picava a terra fica benzido pela natureza. Conforme registo de Leite de Vasconcelos, o «sábio da Vila Draque» curava certas doenças pegando num objeto de aço, posto em cruz na casa, ou na cama sobre o doente, e dizendo a seguinte oração: «Ó aço, que picaste em terra, sirvas para benafício da minha casa! Deixa este corpo são e salvo!». Acrescenta o mesmo autor que o «bruxo» possuía «um pedaço de aço de três pontas que mandou fazer a um ferreiro e benzeram-lho num convento».
Uma outra crença da época em terras de Melgaço estava ligada a encomendar ou  aumentar de almas e consistia em ritual no qual se lembravam os nomes das almas para as encomendar a Deus. A encomendação é realizada dentro de um signo-saimão (parecido com uma estrela de cinco pontas, para o operador não ser tentado pelo Diabo, concluindo a cerimónia com a exclamação: «Peço um Padre Nosso e uma Ave Maria por todas as almas em geral que estão nas penas do purgatório», seguida da respectiva recitação em voz muito alta. Em Castro Laboreiro, consoante informação que deram ao antropólogo José Leite de Vasconcelos, um homem ia (às quartas e sextas-feiras, de noite) a um lugar ermo e alto, armado, «por causa das coisas más», desenhava um signo-saimão no chão (parecido a uma estrela de cinco pontas), de modo que uma árvore ficasse no meio dele, subia a ela e, em voz fúnebre, entoava um cântico religioso, com o qual provocava medo a quem o ouvisse.
Em Melgaço, contaram também a José Leite de Vasconcelos que havia pessoas que rezavam orações ao contrário e que quando o faziam, estavam a fazer um chamamento ao Demónio.

Considera-se destinado ao diabo o Pai-Nosso dito às avessas: “Céu no como, terra na assim, vontade vossa a feita seja, nome vosso o seja, ficado santo, Céu no estais que, Nosso Padre». O mesmo se diz da Ave Maria, rezada às avessas: «Amen morte nossa na hora e agora pecadores nós por rogai Deus de mãe Maria Santa Jesus ventre vosso do fruto o é bendito mulheres as entre vós sois bendita convosco é Senhor o graça de cheia Maria Ave». Aplica-se também esta regra para a Salvé-Rainha.

Informações extraídas de:
VASCONCELOS, José Leite de (1980) – Etnografia Portuguesa. Volume III, Tradições Portuguesas.
GRANJA, Manuel J. (ano desconhecido) – Portugal Sobrenatural. Volume I. Edição Esquilo.

Sem comentários:

Enviar um comentário