Castro Laboreiro (Melgaço) |
Em 1942, vivem-se tempos
de muita tensão em terras de Castro Laboreiro. Em tempos, tinha sido descoberto
volfrâmio em terras castrejas. O terreno onde foi descoberto o minério era num
baldio que a Junta de freguesia vendeu a uma sociedade por um preço escandaloso
com a conivência do presidente e de vários funcionários da Câmara de Melgaço. O
povo castrejo sente-se enganado e o pároco denuncia diretamente a situação ao próprio
Salazar e ao Ministro do Interior.
A Salazar envia um
telegrama e mais tarde escreve uma carta demolidora ao Ministro do Interior. Nela
pode ler-se: “O Padre Manuel Joaquim Domingues, pároco de Castro Laboreiro,
concelho de Melgaço, distrito de Viana do Castelo, muito humildemente pede
licença a V. Exa. para expor os facto seguintes.
Em 23 de Junho do
corrente ano, foi descoberta num baldio da referida freguesia, volfrâmio de
aluvião, por dois menores, um de 13 e outro de 11 anos de idade. Os pais destes
menores começaram a explorar secretamente o minério, pois ignoravam o que
dispõe a legislação mineira e assim fizeram desde 23 a 30 de Junho, dia em que
se tornou público no lugar da Seara, que no Monte dos Campinhos Verdes havia
volfrâmio. Acorre gente do lugar e mais um negociante ambicioso do lugar das Cainheiras, de nome José Esteves. Este reune a sua família e paga a homens que
trabalham por sua conta na exploração do minério.
A este segue-se outro
negociante do lugar dos Portos, José António Gonçalves, que lança a ideia de o
registar em seu nome. O negociante José Esteves ouve, e no dia seguinte, 6 de
Julho parte para Melgaço e faz o registo.
Conhecido dos
funcionários da Câmara de Melgaço o facto, procuram associar-se desde logo ao
registante e como este preferiu vir ao Porto, à casa bancária Cupertino de
Miranda e Ca. solicitar o financiamento da exploração e o alvará da concessão,
de regresso verificou que o terreno, de regresso verificou que o terreno havia
sido vendido a conselho das autoridade e funcionários administrativos, com a
cumplicidade do secretário e da Junta e do regedor da freguesia.
Como protestou, foi
preso e metido na cadeia da vila.
Primeiro abuso da
autoridade.
Entretanto o
administrador do concelho e professor oficial, Abílio Domingues, o Chefe da
Secretaria da Câmara, Herculano Arsénio Gomes Pinheiro, o amanuense Armando da
Mota Solheiro, o fiscal das obras da Câmara, Henrique Cordeiro Lucena, o
fotógrafo Manuel Alves de San Payo, partem para Castro Laboreiro e ali reunidos
com a Junta de Freguesia e regedor, em sessão secreta, de noite, à porta
fechada, conseguem convencer a Junta de Freguesia a vender a Manuel Alves de
San Payo, pelo preço ridículo de 500$00 (!!!) o único baldio do lugar da Seara,
terreno com superfície de nove milhões de metros quadrados (!!!) donde o povo
extraia volfrâmio e de onde já tinha saído quantidade talvez superior a
100 000$00, cálculo aproximado.
Feita a venda ao
fotógrafo Manuel Alves de San Payo logo se organizou uma sociedade amoral, não
só pela ilegalidade dos atos praticados, mas sobretudo pelos seus componentes.
Fazem parte desta sociedade:
1º - O fotógrafo Manuel
Alves de San Payo, pretenso dono do terreno, residente à Praça Marquês do
Pombal, 16 – Lisboa.
2º - João de Barros
Durães, Presidente da Câmara.
3º - Abílio Domingues,
Administrador do Concelho e Professor oficial.
4º - Herculano A. Gomes
Pinheiro, Chefe da Secretaria da Câmara.
5º - Armando da Mota
Solheiro, amanuense.
6º - Carlos Ribeiro
Lima, amanuense.
7º - José Esteves.
8º - Henrique Cordeiro
Lucena, fiscal das obras da Câmara.
9º - António Bento
Esteves, Presidente da Junta da freguesia.
10º - José António
Gonçalves, Secretário da Junta.
11º - Domingos Alves,
genro do tesoureiro da Junta, Alfredo Domingues.
12º - Abílio Alves
Carabel, regedor.
O que tudo se verifica
das escrituras públicas outorgadas em 24 e 25 de Julho do corrente ano, a fls.
19 v. e 22 do livro 259 de notas do notário de Melgaço Dr. Caldas, juntas a
esta exposição. Quer dizer: a sociedade organizada para compelir a junta de
freguesia a vender ilegalmente nove milhões de metros de um baldio, do único
baldio do lugar da Seara, do qual já se havia extraído minério no valor
aproximado de 100 000$00 sem quaisquer formalidades processuais que exige
a legislação mineira que eles não ignoravam e sem autorização do Exmo. Sr.
Ministro do Interior, e da Junta de Colonização Interna é constituída:
1º - Pelas autoridades
do concelho!
2º - Por todos os
funcionários da secretária da Câmara (excetuando os contínuos).
3º - Pela Junta de
freguesia de Castro Laboreiro.
É evidente o escândalo.
Começam por um roubo a quem descobriu o minério e a quem o registou, seguido de
prisão e termina-se por uma fraude vergonhosa, levando a Junta a vender o que
não podia vender e é património da freguesia, logradouro forçado do lugar da
Seara, em parte de mais de 3 lugares da freguesia: Portos, Padresouro e Eiras,
tudo em segredo, de noite, à porta fechada, sem afixação de editais nos lugares
públicos do costume – porta da igreja matriz – sem publicação no jornal da
terra e Diário do Governo, o que tudo torna a venda ilegal e de nulidade.
Consumado este
escândalo, logo a sociedade procurou organizar a exploração e para este efeito
destaca para Castro Laboreiro o Secretário da Câmara durante 12 dias e é várias
vezes auxiliado pelos amanuenses Armando da Mota Solheiro e José Esteves.
Impõe ao povo uma fiscalização arbitrária e
ilegítima, primeiro pela Guarda Fiscal com a conivência do sargento António
Joaquim, comandante do posto. Mas logo a Guarda Fiscal se recusa à
fiscalização; depois por marinheiros destacados em Melgaço. Estes são retirados
por ordem do Sr. Capitão do Porto de Caminha. Depois por fiscais ad hoc, todos
armados de caçadeiras e pistolas. Por último, com a Guarda Nacional
Republicana, requisitada ao batalhão do Porto, a quem pagam.
Abusos de autoridades na
exploração, roubos à mão armada, vergonhas e desonestidades, tentativas de
subornos feitas ao pároco, contrabando feito pela sociedade.
Do dia 25 de Julho em
diante começa a exploração feita desordenadamente, com toda a ousadia,
ultrapassando os limites do talhão vendido e passando a explorar no baldio
restante. Um exame ao local provará o que afirmo (2º abuso de autoridade).
O sócio José António
Gonçalves dá tiros no meio do povo para o intimidar, sem licença de uso e porte
de arma.
No local da exploração
prendem uma mulher, levam-na para o lugar dos Portos e ali fica todo o dia sem
lhe darem de comer, roubam-lhe o minério e por fim soltam-na.
Assim fazem a Serafim
Cardoso, do lugar da vila: prendem-no, roubam-lhe 4 quilos de minério,
deixam-no passar fome e por fim soltam-no.
Fazem o mesmo a José
Afonso, do lugar das Coriscadas.
O Sr. Armando da Mota
Solheiro é herói da seguinte façanha: aperra a espingarda caçadeira contra
Manuel Alves, da Várzea Travessa e manda roubar-lhe quatro quilos de minério,
dizendo ao roubado: “vai ter com o teu pároco que tos pague”.
No dia 3 de Outubro, é
presa publicamente na feira de Melgaço, Virgínia Esteves, levam-na para a
cadeia, soltando-a no dia seguinte. O seu crime é ter falado contra a falcatrua
feita pela sociedade.
Além dos capatazes
armados, vexando o povo, a sociedade conserva ali uma mulher galega – negredada
megera, como apalpadeira, que tem praticado as maiores torpezas, abrindo o seio
às mulheres, com gáudio dos capatazes e outras desonestidades que a pena se
recusa a escrever.
Entre os negros de
África nunca se viram cenas tão desagradáveis; pois isto dá-se em Portugal e
entre portugueses!
Tendo o povo da
freguesia pelas pessoas mais gradas recorrido, afim de defender o desafrontar,
este aceitou – 18 de Setembro do corrente ano – e prometeu fazer o que
estivesse ao seu alcance para acabar com tamanhos desacatos.
Foi logo a Braga
consultar dois advogados: Drs. José Maria Braga da Cruz e Francisco Duarte.
Fiquei orientado para proceder. Regressei a Castro Laboreiro, e no dia 6 de
Outubro corrente, soube à tarde que entre o povo e os capatazes se tinham
trocado palavras azedas e esteve prestes a haver conflitos. No dia 7, parti
para Melgaço. Recomendei calma e prudência ao povo para evitar conflitos.
Disse-lhes que não fossem mais trabalhar na exploração e que esperassem com
paciência o resultado das providências que ia solicitar. No dia 7 enviei de
Melgaço um telegrama a Sua Exa. o Senhor
Presidente do Conselho de Ministros pedindo-lhe providências na eminência de
conflitos.
No dia 18 de Setembro,
sabendo que o povo me tinha encarregado de o defender, apareceram-me em Castro
Laboreiro, o Administrador do Concelho, o Secretário da Câmara e o amanuense
Armando da Mota Solheiro e por meio do Administrador tentaram subornar o
pároco. Ofereceram-lhe uma cota na sociedade, 10% sobre os lucros líquidos para
a freguesia. Repeli a proposta e
respondi: “o único arranjo que aceito, é a sociedade, por meio de escritura
pública, renunciar a tudo o que te feito, a favor, a favor da freguesia”.
No dia 21 de Setembro,
voltam à carga, todas as já citadas pessoas e mais José Esteves, amanuense da
Câmara.
Deste vez serviu de
intermediário o Sr. Dr. Cândido Sá, médico municipal. Dei a mesma resposta.
Nesse dia, parti para Melgaço e à noite sou chamado à residência do Sr. João de
Barros Durães, Presidente da Câmara, que procura intimidar-me por todos os
meios e processos que vieram à sua imaginação desvairada, inclusivé a calúnia.
Respondi-lhe altaneiro e com dignidade: "piso terreno firme, não pratiquei
nenhum crime nem a ocultas nem à luz do dia, como a sociedade de que o senhor
faz parte e tenho por isso a minha consciência tranquila”.
Na exploração, a
sociedade exerceu o contrabando, como é voz pública, por meio do sócio José
António Gonçalves que enviou para Espanha 190 quilos de minério por uma vez e
24 por outra.
A última remessa foi
apreendida pelos carabineiros e ele teve que entrar com a quantia equivalente
para a sociedade.
Um exame à escrituração
da sociedade, deve apurar a verdade. O preço do minério era de 30$00 por quilo,
preço irrisório, mas que afinal seria 20$00 porque faziam descontos alegando
que estava sujo, molhado e usando pesos falsos!
Ora, já que a
Providência permitiu que este minério aparecesse em Castro Laboreiro, foi
descoberto e registado por pessoas de Castro Laboreiro, num baldio que a Junta
não podia alienar, à freguesia deve pertencer e não a uma quadrilha que tão
insensatamente abusa da autoridade que de boa fé lhe foi confiada.
Eu, como pároco não
podia calar-me perante o grito de desespero daquela gente da serra. Toda a
freguesia é testemunha destas ilegalidades e abusos.
Confiando, pois, na atuação
de V. Exa., todo o povo de Castro Laboreiro espera:
1º - Que seja cancelada
tão escandalosa e ilegal exploração.
2º - Um inquérito
rigoroso aos funcionários administrativos implicados na burla e usurpação com o castigo que mereçam.
3º - Demissão da Junta,
das autoridades, pois de outra forma o povo de Castro Laboreiro está sem garantias.
4º - Entrega do baldio
à nova junta como a anulação de venda
que a atual se permitiu fazer.
5º - Licença para que a
nova Junta, sob tutela ou livremente, com nova sociedade, explore o minério a
favor da freguesia.
6º - Que a sociedade
entre com 5% a que é obrigada pela legislação mineira e com uma indeminização a
favor da freguesia correspondente a 4 000 quilos de minério já vendidos
pela sociedade.
Péssima situação
económica da freguesia: fronteiriça montanhosa, que só produz centeio e
batatas, escassamente para 6 meses de consumo dos seus habitantes, tendo de ir
comprar milho às freguesias mais baixas chamadas – Ribeira, para o resto do
ano.
Os homens válidos
vêem-se obrigados, para prover ao sustento de suas famílias a emigrar e
trabalhar fora 8 meses no ano. Até há pouco procuravam a Espanha e França.
Arruinadas essas nações pela guerra, fechou-se-lhes a porta onde iam exercer a
sua atividade. Só têm, pois, diante de si a perspetiva da miséria.
A Providência permitiu
que no baldio aparecesse volfrâmio que explorado por sociedade constituída
legalmente na freguesia, ou com simples licença do Governo poderia reverter
grande parte da receita a favor do povo da freguesia, que não conta até hoje
nenhum dos melhoramentos tão largamente espalhados no país, pelo Estado Novo.
Precisa de reformar a
igreja, em precário estado; de um mercado que abrigue o povo do sol e da chuva,
nos dias de feira; ampliação do cemitério; conserto e levantamento de duas
pontes de grande trânsito e que pequenas cheias invadem, paralizando-o; de
captação da água da fonte da vila e encanamento da nascente.
Este estado de coisas é
agravado pelo contrabando desenfreado dos negociantes que estão além da linha dos postos fiscais,
sobretudo os dois mais próximos da fronteira; de José António Gonçalves, dos
Portos, e José Esteves, das Cainheiras – os quais são ponto de passagem de
mercadorias e géneros alimentícios para Espanha.
Distam aproximadamente 3
quilómetros da fronteira. A bem da economia nacional e da freguesia, deviam ser
fechados. Vinganças mesquinhas das autoridades do concelho sobre o povo de
Castro Laboreiro:
1º - Negam e dificultam
guias na administração, para o trânsito dos poucos géneros de subsistência
destinados à freguesia.
2º - Os informadores do
concelho de impostos sobre lucros de guerra, combinados com as autoridades,
adversas a Castro Laboreiro, impõe ao Sr. Augusto Domingues, vulgo Varanda, um
imposto de 28 000$00; sua modesta fortuna, ganha pelo seu trabalho e no
comércio, que deixou de exercer há 7 anos, pouco excederá 100 000 escudos;
mas a Manuel José Domingues, cuja fortuna é superior a 1 000 contos não se
coletaram imposto algum.
As razões desta
injustiça são as seguintes: o primeiro está ao lado do povo e do pároco, contra
a sociedade mineira e não tem feito contrabando; o segundo está ao lado da
sociedade, já comprou novo talhão à junta para segunda sociedade por
600$00 e é um contrabandista
impertinente.
3º - Igualmente foram
excluídos do imposto sobre lucros de guerra os dois negociantes mais próximos
da freguesia e já acima citados.
4º - Um rapaz da
freguesia, Adelino Rodrigues, que tem o curso comercial e lhe dá a equiparação
para a Escola Normal, juntou os seus documentos e requereu a Sua Exa. o Senhor
Ministro da Educação Nacional para prestar provas em Braga no corrente mês. 3
dias antes do exame o seu requerimento foi indeferido. Julgo, segundo me
informam, ter sido denunciado como contrário à ideologia do Estado Novo.
Os implicados em toda
esta fraude e criminosa manobra procuraram convencer o Sr. Governador Civil de
Viana, de que não havia fraude, nem usurpação, nem ilegalidade. Por isso,
presta-lhes apoio e é até amigo do Presidente da Câmara – João de Barros
Durães.
Em face do exposto e do
escândalo público verberado em todo o concelho com subida razão e dado com
inaudita ousadia pelos prevaricadores que tão mal servem o Estado Novo e que
para honra e dignidade de todos os verdadeiros nacionalistas, devem ser
afastados dos seus lugares, solicito de V. Exa. as providências que ponham o
povo de Castro Laboreiro a coberto das violências de que tem sido vítima das
autoridades e funcionários administrativos.
Não tem o signatário
outro objetivo que não seja o amor da justiça, aplicada aos que imprudentemente
transgridem a lei e um exemplo que frutifique.
A bem da Nação.
Lisboa, Outubro de 1942."
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.1) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.2) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.3) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.4) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.5) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.6) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.7) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.8) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.9) |
Carta do Padre de Castro Laboreiro ao Ministro do Interior (Pág.10) |
Extraído de:
- "IRREGULARIDADES PRATICADAS COM A EXPLORAÇÃO E
COMÉRCIO DE VOLFRÂMIO EM CASTRO LABOREIRO, CONCELHO DE MELGAÇO", Código de
Referência "PT/TT/MI-DGAPC/E/3/244/10", Torre do Tombo.
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