sábado, 16 de junho de 2018

A velhinha Ponte Internacional de S. Gregório (Melgaço): algumas notas históricas



A velha Ponte Internacional de S. Gregório era uma passagem sobre o rio Trancoso que se localizava ao fundo da Rua Verde no referido lugar da freguesia de Cristóval, deste concelho de Melgaço e ligava à margem galega, à localidade de Ponte Barxas.
Neste sentido, é bom salientar que a existência desta ponte é muito antiga dando inclusivamente nome ao próprio lugar que tinha uma designação comum de ambos os lados o rio: Ponte das Várzeas/Ponte Barxas. Todavia, do lado português, o nome entrou em desuso algures no início do século XX, enquanto que do lado galego, a localidade conserva o nome arcaico (Ponte Barxas).
Esta ponte era tão rudimentar como estratégica em termos militares. Historicamente, daquilo que se conhece, era a principal passagem de Melgaço para a Galiza no vale do rio Trancoso e por isso, um ponto fronteiriço sempre sensível em tempos de guerra. Sabendo que em tempos antigos, o rio Minho era intransponível em praticamente todo o troço que passa por Melgaço, restavam as outras linhas de fronteira natural, entre as quais o traçado do rio Trancoso. Nesta linha fronteiriça, a importância da Ponte das Várzeas é destacada por MOREIRA, L. (2008) que refere que Desde Castro Laboreiro, à entrada do rio Minho, a fronteira era estabelecida pelo vale do rio Trancoso - também designado por “rio das Várzeas” - cujo vale de margens abruptas era considerado impenetrável. Os únicos pontos de passagem seriam duas pontes: a Ponte de Pouzafolles, ainda em área de montanha, e a Ponte das Várzeas, construída em madeira no lugar de S. Gregório”, relativamente próximo do rio Minho.
De facto, esta ponte internacional, com toda a importância que a sua localização estratégica lhe oferece, é aqui referida como sendo construída de madeira. Tal informação é confirmada na memória paroquial de 1758 de Cristóval, onde o sacerdote refere que a paróquia “tem mais o lugar de  Sam Gregório com uma capela antiga do mesmo santo e com vinte vizinhos (fogos), por onde é a estrada deste Reino de Portugal para a Galiza passando-se o regato por uma ponte de táboa que chamam a Ponte das Varges.
A sua importância estratégica da perspetiva militar durante a Guerra da Restauração (século XVII) é comprovada pela frequência com que é utilizada por portugueses e espanhóis nas suas incursões em território inimigo, além do cuidado por parte dos nossos em guardar esse ponto fronteiriço. Podemos citar um trecho do livro “História do Portugal Restaurado” que nos fala das manobras militares nas fronteiras desta região: D. Gastão, com outro troço, ficou alojado na Ponte das Várzeas (Cristóval) e para que o inimigo divertisse o poder que tinha junto, mandou entrar na Galiza pela Portela do Homem a Vasco de Azevedo Coutinho e por Lindoso a Manuel de Sousa de Abreu, ordenando-lhes, que segunda feira, nove de Setembro, entrassem na Galiza. No mesmo dia ao amanhecer, dividiu D. Gastão a infantaria em três troços e levantando uma plataforma, fez jogar as duas peças de artilharia que levava, contra o reduto da Ponte da Várzeas (junto a Ponte Barxas) e foram de grande efeito, recebendo o inimigo considerável dano. Os três troços, que governavam Lourenço de Morim, Sargento Mor de Caminha e os Capitães Gaspar Casado Manuel e Martim Coelho Vieira, com grande valor e pouca ordem, superando o embargo de algumas estacadas, avançaram três redutos, e entraram ao mesmo tempo, degolando os soldados que os guarneciam. Ficando aberto o caminho para Monte Redondo, que os galegos haviam reparado, se retiraram os que fugiram para este lugar que ficava vizinho. Depois de arruinados os redutos galegos, os portugueses investiram contra as trincheiras de Monte Redondo, e desemparando o inimigo, entraram no lugar e saquearam-no uma segunda vez. O mesmo fizeram a algumas aldeias que ficavam pouco distantes. Os galegos acudiram àquela parte com três mil infantes e 400 cavalos e achando a gente carregada de despojos, avançaram com resolução e os soldados da ordenança, não querendo pôr em contingência o que haviam roubado, voltaram as costas, não valendo a D. Gastão as grandes diligências que fez para os deter na Ponte das Várzeas. Os oficiais e 500 soldados que ficaram, fizeram rosto ao inimigo e valendo-lhe a aspereza do sítio, se vieram retirando pelas veredas mais estreitas, e deixando 15 soldados mortos e dez prisioneiros, conseguiram valorosamente passar a Ponte das Várzeas sem maior dano.
Em finais do século XIX, os tempos já são outros mas esta estratégica Ponte Internacional de S. Gregório conserva-se como uma estrutura rudimentar em madeira. No livro “O Minho Pittoresco” (1886), podemos ler uma curiosa mas detalhada descrição da ponte e refere-se que “S. Gregório é, por assim dizer, uma rua única, uma rua verde, em ladeira íngreme até à ponte da Várzea, essa ponte que o nosso desenho representa, e que é a primeira ponte internacional lançada entre os dois países, se não quisermos falar nas poldras de Pousafoles, mais ao nascente, no curso do Trancoso.
Mas, enfim, a ponte da Várzea tem já os seus 4 metros de altura, 6 de comprimento e 2 de largo! É quase a ponte de um lagosinho!
Não se riam dela, contudo, que ali onde a vêem, com os seus dois troncos de castanheiro, lançados de margem a margem, e os seus torrões como pavimento macio, é um símbolo de fraternidade entre dois países que vivem em plena paz, e seria um baluarte de independência a conquistar, quando o clarim de guerra ressoasse desoladoramente por aquelas quebradas fora.
Ponte Várzea é o lugar espanhol, donde o pontilhão tira o nome e que pertence à alcaidaria de Padrenda, com quem S. Gregório faz o seu comércio meio lícito, meio... de contrabando!
Que diabo queriam, porém, que fizesse S. Gregório, se no inverno é a margem de Ponte Várzea que lhe dá por empréstimo um bocadito de sol, a cujos raios vão aquecer-se aqueles pobres friorentos gelados das suas sombras de meses!”
Em 1911, a singularidade desta ponte de S. Gregório chegaria a provocar risos o Parlamento numa altura em que se temia que Paiva Couceiro e as forças realistas entrassem em Portugal por esta mesma ponte. Num livro que se debruça sobre o Governo de Pimenta de Castro, pode ler-se que Circulava o rumor de que Paiva Couceiro estava atravessando a ponte internacional de S. Gregório com sete mil homens. — «Como o caso é gravíssimo, quero saber, senhor Ministro da Guerra, que medidas de defesa adoptou e quais as que tenciona adoptar?» — Pimenta de Castro, natural de Monção, sabia que a ponte internacional sobre o rio S. Gregório, não passava de um tronco de árvore atravessado sobre o pequeno rio. Desfrutou o mulato dizendo-lhe:
«Sete mil homens devem despender quinze dias a atravessar a ponte internacional de S. Gregório».
«Que defesa pensa estabelecer o senhor Ministro da Guerra e que tropas mandou para lá?»
«Tenho lá as tropas que lá estavam (não estavam nenhumas!) e mais as que para lá vou mandar (não mandou coisa alguma!)».
Paiva Couceiro não estava em S. Gregório, nem pessoa alguma. Isso porém é que ele não quis confessar...”
Esta ponte seria destruída nos tempos da guerra civil espanhola e nunca mais seria reconstruida. A Nova Ponte Internacional de S. Gregório já era uma realidade desde 1935...



Informações extraídas de:

- MARÇAL, Bruno José Navarro - (2010) - Governo de Pimenta de Castro - Um General no Labirinto da I República. Universidade de LIsboa, Faculdade de Letras, Departamento de História;
- MENEZES, Luiz de (1751) – História de Portugal Restaurado. Tomo I; Oficcina de Domingos Rodrigues; Lisboa;
- MOREIRA, Luís Miguel (2008) - O sistema defensivo do Alto Minho em finais do sés. XVIII. In: Cad. Vianenses; nº 41;
- VIEIRA, José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da livraria de António Maria Pereira- Editor, Lisboa.


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