sexta-feira, 14 de junho de 2013

Referências históricas ao Traje de Castro Laboreiro (Parte II)


Grupo de Castrejas em 1911

Fernando Galhano na sua juventude e acompanhado de dois seus irmãos visitaram Castro Laboreiro levados pela imagem de uma terra medieval bárbara dada pelo Minho Pitoresco’.(…) Lembro-me da partida de Melgaço munidos da apresentação do Comando da Guarda Fiscal para os postos da raia, da paragem junto do pouco que resta do mosteiro gótico de Fiães, da chegada à antiga vila. Mas, curiosamente, dessa estadia de duas ou três semanas entre fragas e gende rude, guardo apenas uma recordação muito vaga. Casas cobertas de colmo no meio de uma paisagem agreste de calhaus, uma igreja de granito tostado, de onde aos domingos saíam mulheres embuçadas em capuchas escuras; (…) uma mulher com o filhito ao peito atado no fateiro a lavrar uma terra magras, para centeio; pedra e mais pedra.
Alice Geraldes no seu estudo Brandas e Inverneiras - Particularidades do sistema agro-pastoril crastejo, editado em Junho de 1996, destaca uma distinção das comunidades castrejas conforme a sua localização em relação à margem do rio Laboreiro: os do Pedroso ou Camarros vivendo na margem esquerda; a margem direita é chamada terra dos Gorriões, na qual se incluem além das brandas, ainda 5 lugares fixos.
Esta diferenciação veio a reflectir-se na atitude dos castrejos perante a permanência no seu seio do modo de vida tradicional. Os da margem esquerda (ou Camarros) eram considerados pelos da margem direita como mais atrasados por manterem um certo vocabulário, roupas antigas e algumas tradições.
A mesma autora em Castro Laboreiro e Soajo – Habitação, vestuário e trabalho da mulher refere que o primeiro casamento que se realizou na «Vila» com noiva à moda da cidade, isto é, sem ser à moda da terra, data de cerca de 1967.
Em sua opinião entre os diversos factores que concorreram para as alterações
no vestir das mulheres castrejas salienta-se o da emigração dos homens obrigando à mobilização total da mão de obra feminina para as tarefas do campo fazendo cair em desuso, tanto as práticas artesanais da confecção de tecidos, como a própria confecção manual dos modelos tradicionais (…) Por tal razão tanto as tecedeiras como as «costureiras» da família não puderam transmitir às gerações mais novas nem a arte de tecer, nem a arte de confeccionar roupas.
Porém quando realizou o seu levantamento, Alice Geraldes constatou que, no lugar dos Camarros, na margem esquerda do rio Laboreiro, ainda se usavam certas peças do vestuário feminino tradicional já desaparecidas do resto da freguesia. (…) Durante as estações frias a mulher de Castro Laboreiro veste, como se vestiam as suas irmãs de há 50 anos atrás. Continua a pôr a capa negra sobre a cabeça resguardada com um lenço, a usar «calçons» sobre as meias altas de lã, a trazer a saia preta pregueada e sobre esta o «mandil». Também verificou ser usado o fateiro com que as mães prendiam ao seu corpo os filhos de tenra idade quando trabalhavam ou se deslocavam a cavalo. Ainda hoje a mulher crasteja usa, em certas ocasiões, a capa e o fateiro foi recentemente utilizado por uma jovem mãe como nos referiu D. Elisabete Sousa, de Castro Laboreiro.
Aponta-se o isolamento da comunidade como uma das razões da não permeabilidade às modas. Contudo, este argumento é de relativa importância, pois, os crastejos sempre estiveram em contacto com o mundo exterior, quer quando comerciavam gado pela fronteira seca, quer nas trocas pela rota do contrabando, quer ainda nas idas à feira em Melgaço ou quando desciam à Ribeira para venderem carvão.
A melhoria das comunicações rodoviárias teve impacto sobretudo na construção de novas habitações ao permitir o acesso à vila de camiões carregados com diversos materiais. Foi também após a chegada, em 1947, da estrada a Castro Laboreiro que alfaias agrícolas como as máquinas de malhar e erguer o centeio vieram substituir o trabalho dos malhadores nas eiras.
O urbanismo na vila também se alterou com o alinhamento das casas ao longo da nova estrada. Porém, nas brandas e inverneiras manteve-se o povoamento concentrado e as novas construções erguidas com os réditos da emigração continuaram a estruturar-se para servir de habitação no andar superior reservando-se o piso térreo para corte de animais.

O trajo crastejo alterou-se, sim, com o desaparecimento de certos trabalhos e a substituição de tecidos em lã e linho pelos de origem industrial. O uso do singuidalho (ou mandil das velhas) acompanhou o declínio do pastoreio, do corte do mato e da produção de carvão até se extinguir completamente. 


Extraído de: LEITE, Antero & LEITE, Maria Antónia M. Cardoso - O Trajo Castrejo. ACER - Associação Cultural e de Estudos Regionais.

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