sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Misericórdia de Melgaço e a Procissão dos Penitentes no século XVI e XVII



Uma das principais cerimónias organizada pela Misericórdia de Melgaço em tempo de Páscoa era a procissão da Quinta Feira Santa, dos Penitentes ou dos Fogaréus, largamente difundida nos séculos XVI e XVII. Com antecedência, os irmãos reuniam-se e distribuíam os principais lugares da procissão e tomavam medidas para a sua realização. Na véspera, ornavam-se a igreja e as capelas da vila.
No dia, no final da tarde os "salta na criba", também designados de farricocos, andavam pelas ruas fazendo barulho com as matracas. Este ritual tem uma origem bastante antiga. Em tempos antigos, conforme a mentalidade de então, havia pessoas que percorriam as ruas chamando os pecadores públicos à sua reintegração na Igreja, depois de arrependidos e perdoados. Era a forma ao tempo, de entender a misericórdia para com os pecadores, aos quais tinha sido aplicada a indulgência. Actualmente, atribui-se-lhe um significado substitutivo e residual, de chamamento dos Irmãos da Misericórdia para a procissão da noite. O uso das ruidosas «matracas» para este efeito foi instituído em anos remotos para substituir o toque dos sinos, que nos dias maiores da Semana Santa ficavam silenciosos.
Às 20 horas, saía da igreja a procissão com todos os irmãos da Misericórdia, uns de opa preta, outros de fato preto em símbolo de luto. À frente ia o escrivão com a bandeira da Confraria, ladeado por dois mesários, cada um com tocha acesa ou com pinhas a arder (daí chamar-se procissão dos Fogaréus). Atrás vinha o provedor do ano findo com o crucifixo (quando estava ausente ou não podia comparecer, era o provedor em exercício), ladeado por dois irmãos com tochas acesas. Depois seguia o andor do "Ecce Homo" acompanhado por duas ou quatro lanternas acesas. Os penitentes entrecortavam as insígnías da Paixão do Senhor, que eram conduzidas por irmãos da Misericórdia entre a bandeira e o crucifixo. Os irmãos envergando opas e portando tochas acesas, contornavam o centro da vila, onde se juntavam encabuçados, depois de andarem pelas ruas do percurso e muito à frente da procissão cantando, em voz de falsete, os mexericos e segredos da terra de um ano inteiro. Caminhavam a seguir os capelães da Misericórdia, de sobrepeliz e atrás, de fato preto, os irmãos que não tinham capa e os homens estranhos à confraria, segurando todos eles velas na mão direita. Os padres rezavam a ladainha de todos os santos e o grupo ia respondendo. Durante o caminho e enquanto durava a procissão, os penitentes martirizavam-se. As mulheres, proíbidas de participar nestes ajuntamentos nocturnos, ficavam em casa, acendendo velas à passagem do cortejo. A procissão entrava primeiramente na capela de Santo António do Campo da Feira de Dentro, onde estavam dois irmãos. Depois seguia para a igreja de Nossa Senhora da Orada, onde mais dois irmãos pediam. Regressava, passando pela Matriz, para visitarem o Santíssimo Sacramento, e terminava na Misericórdia. O provedor mandava lavar e tratar com mezinhas as feridas dos penitentes, confortando-as com vinho, marmeladas e outros doces. A cerimónia terminava com o proferimento de um sermão.

Informações extraídas de:
- ARAÚJO, Maria Marta Lobo (2005) - Pedir para distribuir: Os peditórios e os mamposteiros da Misericórdia de Melgaço na época moderna. Boletim Cultural de Melgaço, Câmara Municipal de Melgaço;
- www.monumentos.pt.

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