domingo, 2 de novembro de 2014

O Buick dos Bombeiros Voluntários de Melgaço

O automóvel na década de 80 do século passado num desfile dos bombeiros
(Foto de Coxo Melgaço Fotos)

Fundada em 1927, a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço teve destacada atuação em 1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha. Do outro lado do Rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio, socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo. Foi um momento épico. Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque ao acontecimento elogiando os bombeiros de Melgaço.
A organização nacional dos bombeiros, de Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada de altruísmo.
A bomba era o que de melhor existia na época, de tração braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando.
Na mesma época, o Simão Luíz de Souza Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick, seis cilindros, modelo 1924. Como a maior parte do ano esse carro ficava inativo, o Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra, deu-lhes esse automóvel.
Além de abnegados soldados da paz, revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices.
Transformaram o luxuoso carro de passeio em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado, destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capô, uma sineta avisava a sua aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor que fazia um barulho ensurdecedor.
Haviam reforçado os feixes de molas para suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca aconteceu.
O belo carro dos bombeiros era só utilizado em desfiles cívicos de quando em quando e já nos anos quarenta foi a Lisboa buscar o cadáver do Sr. Lascasas para sepultar em Melgaço.
Para não prejudicar o seu funcionamento era necessário interromper seu longo repouso, com algumas saídas. Era esse o argumento apresentado por um grupinho que, aos domingos, solicitavam autorização para um passeio. O Professor Abílio Domingues, que por imposição era o Presidente da Câmara, também era o comandante dos bombeiros, pessoa cordata que exercia cargos que não pedira e para os quais não tinha a mínima aptidão, acedia.
Por essa altura, num domingo, na estrada da Orada, na curva da fonte da Assadura, um automóvel colheu um rapaz, que, inconsequentemente, rodava em bicicleta, em grande velocidade, pelo meio da estrada. Accionaram os bombeiros para atender ao sinistro e transportar o acidentado para o hospital. Os bombeiros estavam merendando em São Gregório, onde tinham ido desenferrujar o bonito carro vermelho. O rapaz faleceu.

O carro dos bombeiros, num dos seus passeios dominicais, não estava no seu posto, quando foi preciso. Aquilo revoltou o povo e a partir dali não mais aconteceram aquelas viagens recreativas. 


Extraído de:
Texto de Manuel Felix Igrejas in: A Voz de Melgaço, nº 1373; Edição de 1 de Outubro de 2014. 

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