O automóvel na década de 80 do século passado num desfile dos bombeiros
(Foto de Coxo Melgaço Fotos)
Fundada em 1927, a Associação
Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Melgaço teve destacada atuação em
1930, quando ficou conhecida e laureada em Portugal e Espanha. Do outro lado do
Rio Minho, em frente a Melgaço, na Espanha, o comboio expresso Madrid-Vigo
descarrilou. O acidente foi presenciado pelos curiosos que gostavam de ver
passar aquele bonito comboio. Foi dado o alarme e logo o sino da matriz tocou a
rebate, convocando bombeiros e povo. De barco e a nado, atravessaram o rio,
socorrendo os acidentados e resgatando seus pertences que boiavam rio abaixo.
Foi um momento épico. Os jornais espanhóis e portugueses deram grande destaque
ao acontecimento elogiando os bombeiros de Melgaço.
A organização nacional dos bombeiros, de
Lisboa, mandou um instrutor, algum material e o povo custeou a compra de uma
bomba para a recente fundada organização, carente de recursos técnicos, mas recheada
de altruísmo.
A bomba era o que de melhor existia na
época, de tração braçal, montada em uma espécie de carroça, para ser puxada por
muares, mas que sempre foi impulsionada pelas pessoas, puxando ou empurrando.
Na mesma época, o Simão Luíz de Souza
Araújo, filho da terra, que emigrara para o Brasil e aí fizera fortuna, já
tinha construído o seu luxuoso palacete e tinha na garagem um automóvel Buick,
seis cilindros, modelo 1924. Como a maior parte do ano esse carro ficava
inativo, o Simão Araújo, empolgado com a bravura dos bombeiros da sua terra,
deu-lhes esse automóvel.
Além de abnegados soldados da paz,
revelaram-se, esses rapazes melgacenses, primorosos artífices.
Transformaram o luxuoso carro de passeio
em sensacional carro de bombeiros. Retirada a carroçaria, adaptaram ao chassi seis
poltronas com estrutura em ferro, um grande cilindro central, elevado,
destinado a conter os artigos de primeiros socorros. Machados e picaretas embutidos
no chassi e duas grandes roldanas com as mangueiras. Na frente, o banco do
motorista era corrido onde cabiam mais três pessoas, nos estribos laterais, em
pé, ia o resto da guarnição. No cimo do capô, uma sineta avisava a sua
aproximação, o que seria desnecessário uma vez que para maior desenvolvimento
retiraram o escapamento e os seis cilindros do poderoso motor que fazia um
barulho ensurdecedor.
Haviam reforçado os feixes de molas para
suportar o grande peso. Pintado todo em vermelho-sangue com os dizeres em branco
nas laterais do cilindro: VIDA POR VIDA. Era uma jóia de artesanato sem
utilidade. Deveria ter-lhe sido adaptada uma bomba a gasolina, o que nunca
aconteceu.
O belo carro dos bombeiros era só
utilizado em desfiles cívicos de quando em quando e já nos anos quarenta foi a
Lisboa buscar o cadáver do Sr. Lascasas para sepultar em Melgaço.
Para não prejudicar o seu funcionamento
era necessário interromper seu longo repouso, com algumas saídas. Era esse o argumento
apresentado por um grupinho que, aos domingos, solicitavam autorização para um
passeio. O Professor Abílio Domingues, que por imposição era o Presidente da
Câmara, também era o comandante dos bombeiros, pessoa cordata que exercia
cargos que não pedira e para os quais não tinha a mínima aptidão, acedia.
Por essa altura, num domingo, na estrada
da Orada, na curva da fonte da Assadura, um automóvel colheu um rapaz, que,
inconsequentemente, rodava em bicicleta, em grande velocidade, pelo meio da
estrada. Accionaram os bombeiros para atender ao sinistro e transportar o
acidentado para o hospital. Os bombeiros estavam merendando em São Gregório,
onde tinham ido desenferrujar o bonito carro vermelho. O rapaz faleceu.
O carro dos bombeiros, num dos seus
passeios dominicais, não estava no seu posto, quando foi preciso. Aquilo
revoltou o povo e a partir dali não mais aconteceram aquelas viagens
recreativas.
Extraído de:
- Texto de Manuel Felix Igrejas in: A Voz de Melgaço, nº 1373; Edição de 1 de Outubro de 2014.
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