Ruínas do Castelo de Castro Laboreiro |
Na
viagem a terras de Castro Laboreiro contada por José Augusto Vieira no livro “O
Minho Pitoresco”, há 130 anos, este sobe ao castelo e contempla os belíssimos pormenores
deste cenário. O autor conta que “Chegados à base do gigantesco morro, o Almeida
fez o esboço e nós enchemo-nos entretanto de coragem para fazer a ascensão dessa
mole de granito, ameaçadora e bruta, que quase a prumo se erguia sobre as
nossas cabeças.
Era
pela chamada porta do Sapo, a do norte, mal distinta na nossa gravura, que
teríamos de penetrar no castelo; para lá chegar porém, necessário era subir uns
estreitíssimos degraus abertos na rocha viva, o que fizemos com a agilidade de
que disporiam valentes animais trepadores, lutando ainda contra o frigidíssimo
vento que nos açoitava, ameaçando a cada
momento desequilibrar-nos.
Chegados
acima, uma sensação de terror nos gelou a medula. Entre nós e a porta, uma
pequena rocha estreita, de poucos decímetros de largura, era a única passagem a
transpor, e essa passagem dava sobre um abismo que media aproximadamente 500 metros de alto.
Bastava
o escorregar dum pé, um ligeiro desequilíbrio, um nervosismo impertinente para
nos fazer conhecer essa distância respeitosa, ao fim da qual a morte seria a
consequência indubitável.
Retroceder
seria, além de pouco praticável, uma verdadeira nódoa nos nossos brios de
excursionistas! Avançámos, pois, e soltámos um profundíssimo AH! de satisfação e alívio,
quando transpozemos essa porta, que para nós representava a realização dum
desejo e a certeza da salvação dum perigo tão próximo!
Os escritos,
que temos lido sobre Castro, dizem que essa porta é estreita e fazem-a quase
uma fresta que se torna necessário atravessar de rastos. Não é verdade isto. Um
homem a pé passa por ela perfeitamente à vontade, e onde o rastejar é quase uma
necessidade, é apenas na tal passagem a que nos referimos.
O
castelo, que o povo atribui aos mouros, é evidentemente construção romana. Dentro
encontram-se ainda vestígios de quartéis e há igualmente um poço, que os
antigos dizem ter possuído agua nativa. Os muros atuais, arruinados bastante,
são baixos e como que apenas coroam o castelo natural da penedia. Duas portas
dão entrada para este recinto: a do norte por onde penetrámos, e a do sul, de
acesso um pouco mais fácil, mas ainda assim perigoso.
O aspeto
da paisagem é triste e árido. A penedia rendilha todas as montanhas e desponta
por todas as encostas, tomando as formas mais variadas e mais caprichosas.
No
inverno um lençol de neve cobre o seu dorso escuro e pardacento, no verão
apenas destaca do desolado da rocha um ou outro talho de centeio
verde-amarelado e os vidoeiros que se erguem no fundo do vale estreito, como sentinelas
perdidas do grande exercito vegetal. Os carvalhos não passam de raquíticos
arbustos e servem, assim como as
giestas,
apenas para lenha. Nem uma única árvore de fruto, nem o mesmo pinheiro
bravo se divisa num ponto único da serra. Apesar de ser verão, o céu era
brumoso, com uma ou outra nódoa de azul esparsa na cúpula celeste. Renques de
neblina corriam dos lados da Peneda, quebrando-se em vapor húmido contra as
arestas das rochas e contra os muros do crasto. No fundo, o ribeiro Fraguedo
serpenteia, como ondeante cobra, indo perder-se além, entre as serras de
Lindoso, que deste ponto se avistam, para confluir no Lima. Foi sobre as
margens deste regato que seguiu a pé D. Fr. Bartholomeu dos Martyres, quando visitou
esta isolada freguesia da sua diocese.
A
vol d'oiseau ficam-nos à esquerda as Inverneiras, escondidas numa profunda garganta,
e à direita a vila de Castro Laboreiro, de lápis, penhasco,
constituída pela aglomeração de choupanas cobertas de giestas e colmo, de entre
as quais apenas a igreja e uma ou outra casa destacam os seus telhados negros e
paredes esfumadas.
A igreja
foi primitivamente vigararia da matriz de Ponte de Lima, depois abadia do bispo
de Tuy, que João Fernandes Sotto Maior trocou em 1 308 com o nosso rei D. Dinis.
A vila
tinha foral velho dado por Afonso III em Lisboa em 1271, e D. Manuel lhe deu outro
em 1513, dando-lhe neste foral o nome de Castro Laboreiro.
Vários
réis concederam aos castrejos muitos privilégios, que D. João V confirmou, e entre
estes o de se não fazerem aqui soldados.
A fundação
de Castro atribui-se a S. Rosendo, neto de Hermenegildo, a quem D. Affonso III doou
estas terras de Lima, como prémio de ter vencido o conde Witiza, senhor destes lugares
e que se revoltara contra ele. Hoje a vila está anexada à comarca e concelho de
Melgaço e não haveria realmente fundamento para a considerar com os antigos privilégios,
visto ser uma povoação decadente e miserável.
— Só
por desgraça é que a gente vive aqui, meu senhor — dizia-me uma pobre mulher castreja,
com quem conversávamos,— ainda se o governo nos fizesse a esmolinha de mandar para
cá uma estrada!
A terra
é fria e pouco fértil. As aguas duma deliciosa leveza e frígidas de neve. No
inverno os castrejos, principalmente os de serra acima, abandonam as povoações do
alto e recolhem às suas choças no fundo dos vales, as inverneiras, para as quais
transportam o seu limitado trém de cozinha, os instrumentos do trabalho, as roupas
e os gados. Chegada a Primavera deixam as suas casas de inverno e voltam para as
do alto.
Nos
fins de S. Miguel, os homens robustos e validos emigram para o Douro e Beiras, onde
vão fazer paredes nos matos e campos. Chamam-lhes nessas províncias os tapisas ou
tapúas. Ficam apenas as mulheres, os velhos e as crianças.
— Não
há quem deite a mão a qualquer coisa, senhor.
— Se
acontece de a neve entulhar as portas dos currais, mal nos avímos (havemos) para
poder tirar o gadinho.
Qualquer
homem que não siga o destino dos outros e que se deixe ficar na povoação, o que
é raro, é considerado desprezado e as mulheres evitam-o sempre, não o atendendo
as raparigas nos seus requestos, visto ser um calaceiro e não dar boas garantias
de marido trabalhador.
No mês
de Junho regressam aos seus lares e fazem os trabalhos agrícolas da colheita do
centeio e batata, a apanha das lenhas e dos matos para as cortes dos gados, compram
ou vendem nas feiras algum animal, concertam as choupanas, e, quando o inverno chega,
depois de deixarem
feitas
as sementeiras do centeio barrozo, emigram novamente. A cultura desta gramínea é
feita roubando à serra pequenos canteiros de esteva por meio do incêndio; chamam
a isto uma lavoura e é nesse rescaldo adubado pelas cinzas vegetais, que, depois
de lavrado, se lança a semente. Nenhuma curiosidade oferecem os seus outros trabalhos
agrícolas. Neles, como em quase todo o Minho, o auxilio mútuo é quase um princípio
tradicional. Assim nas malhadas, por exemplo, os jornais não se pagam a dinheiro
e são os vizinhos que reciprocamente se ajudam.”
::::::::::::::::::::CONTINUA::::::::::::::::::::
Para ler a PARTE I, CLIQUE AQUI
Extraído
de:
- VIEIRA,
José Augusto (1886) - O Minho Pittoresco, tomo I, edição da
livraria de António Maria Pereira - Editor, Lisboa.
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