A
má relação entre o Estado português e a Igreja Católica arrastava-se desde
o século XIX e vai-se agravar com a implantação da República em
1910. Muitas das ideias republicanas eram hostis à Igreja Católica
e quando é publicada a Lei da Separação do Estado das Igrejas em
1911, a situação torna-se explosiva. Temos que ter em conta que
estávamos num país profundamente católico e que a Igreja Católica
tinha um enorme ascendente sobre a generalidade da população.
Neste
período, as paróquias viram todos os seus bens arrolados e
inventariados, sendo todos aqueles que não fossem essenciais ao
culto entregues ao Estado. Por outro lado, a Lei proíbe os padres de
tomarem posições políticas e de influenciarem o povo em eventos
religiosos ou outros. O padre Celestino de Almeida, de Melgaço, em
1923, terá violado essa regra e foi sancionado com um ano de
desterro para fora do seu concelho, não podendo permanecer em nenhum
dos concelhos limítrofes de Melgaço durante esse tempo. O caso do
Padre Celestino levou a uma reação demolidora por parte das
estruturas da Igreja Portuguesa através da publicação de um texto
no jornal “A União”, Orgão Oficial do Centro Católico
Português, movimento ativista católico, na edição de 21 de Janeiro de 1923:
“O
Caso de Melgaço
Noticiam
os jornais que teve já a sua execução o decreto desterrando por um
ano do seu concelho e limítrofes, o Pároco de Melgaço, Reverendo
Celestino de Almeida. Que as nossas primeiras palavras sejam de
saudação ao Sacerdote da Igreja que a inconsciência de uma
mentalidade jacobina e formada de errados preconceitos jurídicos e
sociais acaba de sacrificar no altar das conveniências políticas, e
por culpa de todos nós.
Seja
qual for a suposta ou provada culpabilidade do Sacerdote agora
castigado à sombra e sobre a égide do iniquo ukasse de 20 de Abril,
chamado Lei da Separação, a nossa saudação envolve ne pessoa
desse perseguido, todo o nobre clero português, que, a juntar à
longa cadeia de martírios e sofrimentos de toda a ordem vindos já
de longe, e nestes últimos anos incrivelmente agravados, conta uma
violência mais e uma injustiça a cumular às muitas de que
infelizmente tem sido vítima.
Cumprindo
este dever de saudação e cristã solidariedade, protestamos uma vez
mais, indignamente, contra a iniquidade de um lei, que contendo
preceitos e disposições injustas e ofensivas dos sagrados direitos
de Deus e da Igreja, é, uma afronta permanente aos católicos
portugueses, como tais e até como cidadãos.
O
poder vem de Deus, disse Leão XIII, e devemos acatá-lo. Mas a
legislação vem dos homens e quando é má, cumpre repeli-la e
resistir-lhe nobremente.
Repelimos
e classificamos de iniqua essa vergonha nacional que é a chamada Lei
da Separação. Que o nosso protesto seja sem tréguas. Não
confundamos porém o poder, em si legítimo, com a legislação que
ele aplica, odiosa e perversa. Urge acabar, derruir essa
monstruosidade jurídica que nos vexa e nos afronta.
É
no parlamento que se fazem as leis.
No
parlamento remos que fazer tombar esse iniquidade.
Vociferando
contra o regime? Era deslocar a questão. Não, combatendo lealmente
mas fortemente, a sua legislação iniqua e malévola.
Sem
faltarmos ao nosso dever de católicos obedientes à voz da Igreja,
que nos preceitua acatar, sem pensamento reservado, o poder civil
como ele se acha constituído, as opressões legais desapareçam e as
afrontas se quebrem nas mãos dos que pretendem impôr-no-las.
Tal
o pensamento social e político do Centro Católico. Nenhum ministro
em Portugal desterraria párocos e sancionaria com a sua autoridade
legal preceitos iniquos de leis afrontosas se, dentro e na sua
obediência ao poder constitutivo, uma força indomável tenaz e
potente – a dos Católicos organizados sem pensamento político
reservado – constituísse no lugar próprio – o Parlamento, a
influência da sua ação disciplinada e a ação no seu número
esmagador – a sentinela vigilante e segura dos seus direitos e
liberdades…
Não
é uma ameaça estulta: é fazer História.
É
por isso que, perante a iniquidade do desterro do Pároco de
Melgaço, uma vez só tem autoridade em Portugal para protestar e
nesse protesto ingente ser escutada – a do Centro Católico.
Ao
Pároco de Melgaço, pois, a solidariedade e os protestos do Centro
Católico Português.
É
pouco este protesto?
É
o que a inércia e insubmissão dos católicos portugueses à palavra
da Igreja, permite que se faça.
A
nossa consciência não nos acusa.
Poderão
todos os católicos portugueses dizer o mesmo?”
Thomaz
de Gamboa.
Mais
tarde, o Estado Novo iria inaugurar uma nova fase nas relações
entre o Estado e a Igreja Católica aproveitando a influência que
esta tinha sobre as populações.
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