sexta-feira, 30 de novembro de 2018

A imagem de S. Teotónio da Igreja de Paderne (Melgaço): algumas notas de interesse




O Mosteiro de Paderne foi extinto em 27 de Setembro de 1770. Aquando da extinção da sua comunidade monástica, foi elaborado um inventário onde se faz uma descrição sumária do convento na época: “O Mosteiro de S. Salvador de Paderne que consta de huma igreja que contem sinco altares, hum na capela mor, dois da capelas fundas, e dois a face debaixo de grade, e tem de huma casa de grades para a pixa (pia) do Baptismo e de huma sacristia junto do claustro para os religiozos. (…) Item uma casa de que serve de sacristia para os clérigos de fora paramentada pello Mosteiro para os dois altares”.
No dito inventário, é feita referência ao rico recheio da igreja e do convento, entre o qual constam várias imagens de santos, algumas das quais ainda hoje ocupam lugar de destaque da bonita igreja de S. Salvador de Paderne. No citado inventário de 1770, entre essas imagens, há uma singela mas linda imagem de S. Teotónio de origem bastante antiga, certamente anterior a meados do século XVIII. Sem se conhecer a data da sua feitura, sabemos que já existia em 1758. De facto, nas Memória Paroquiais redigidas nesse mesmo ano, o padre António Rodrigues de Morais escreve que a dita imagem se encontrava no altar-mor, e quando se refere a esta igreja, menciona que “O orago da freguezia é São Salvador e tem cinco altares: o altar-mor com o painel do Salvador, e duas imagens de Santo Agostinho e de São Teotónio. Contudo, sabemos que esta imagem de S. Teotónio, anos mais tarde, em 1770, permanecia no altar-mor em lugar de destaque. Assim, neste mesmo altar, além da mencionada imagem de S. Teotónio com resplendor de prata que pesava 30 oitavas, e segundo o inventário, encontrava-se ainda uma cruz em estanho prateada, com a imagem de Cristo, uma imagem grande de Santo Agostinho, estofada e uma campainha de bronze.
A presença da imagem de São Teotónio na igreja de S. Salvador de Paderne, além de uma outra que se encontra na capela Crastos, é de um enorme simbolismo. Porquê? Para responder a esta questão, temos que ter presente quem foi S. Teotónio.
Na verdade, S. Teotónio nasceu nesta região, mais particularmente em Ganfei, concelho de Valença. Corria o ano de 1082, sendo mais tarde confiado aos cuidados do seu tio-avô Crescónio, à época, bispo de Coimbra. Mais tarde, formou-se em Teologia e Filosofia, tendo-se tornado Prior da Sé de Viseu em 1112. No contexto da independência portuguesa, S. Teotónio tornou-se um dos importantes aliados do jovem infante Afonso Henriques, tendo-se tornado mais tarde seu conselheiro.
Em 1132, foi um dos fundadores, em Coimbra, do Mosteiro de Santa Cruz, adotando a regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, tendo-se tornado no seu prior. Ora, o Convento de Paderne, inicialmente beneditino, adotou, algures a partir do primeiro terço do século XIII igualmente a Regra dos Cónegos de Santo Agostinho. Assim sendo, é merecido o destaque que a imagem de São Teotónio, com as típicas vestes de Cónego Regrante, detinha no altar principal a par da imagem de Santo Agostinho. Neste sentido, o ilustre investigador melgacense José Marques, em MARQUES J. (1991), considera que “entre essa devoções, sobressaem a da Santa Cruz, presente em todas as cruzes dos altares, que, sendo comum a todos os fiéis, assume especial sentido num mosteiro de religiosos crúzios, sendo, igualmente expressiva a presença das imagens de Santo Agostinho, que ocupava lugar de honra no altar-mor, como padroeiro que era, tal como acontecia com a de São Teotónio, primeiro prior eleito de Santa Cruz de Coimbra, convindo apurar também até que ponto a presença de outras imagens corresponde a devoções comuns a outros mosteiros da mesma Congregação. Interpretação idêntica se poderá tomar em relação às imagens e respetivas devoções à Senhora das Dores e da Senhora da Soledade, cujas representações, por vezes, se identificam que não é fácil separar da espiritualidade crúzia, por certo imbuída do espírito com que S. Teotónio visitou e meditou na Paixão de Cristo, durante a segunda peregrinação à Terra Santa, de que o seu biógrafo nos deixou preciosos testemunhos.”
Há várias décadas que esta valiosa imagem tem as mãos partidas, conforme se pode ver na fotografia antes, e tem estado arredada do lugar que foi seu durante um largo tempo, no altar principal lado a lado com Santo Agostinho. Dizem-me que a dita imagem esteve, em tempos, na casa da fábrica, talvez esperando um pequeno restauro que devolva toda a sua excelência simbólica nesta igreja, estando atualmente na sacristia. Note-se que S. Teotónio é o santo português mais antigo, tendo sido o primeiro a ser canonizado, em 1163 pelo papa Alexandre III, um ano após a sua morte.
Talvez um dia esta importante imagem de S. Teotónio possa recuperar o seu merecido lugar na História desta igreja… Porque é parte inseparável do passado deste antigo convento.


Fontes consultadas:
- MARQUES, J. (1991) - O Mosteiro de Paderne em 1770. II Congresso Internacional do Barroco.
- Memórias Paroquiais de 1758 - Paderne.

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