O
Mosteiro de Paderne foi extinto em 27 de Setembro de 1770. Aquando da
extinção da sua comunidade monástica, foi elaborado um inventário
onde se faz uma descrição sumária do convento na época: “O
Mosteiro de S. Salvador de Paderne que consta de huma
igreja que contem sinco altares, hum na capela mor, dois da capelas
fundas, e dois a face debaixo de grade, e tem de huma casa de grades
para a pixa (pia) do Baptismo e de huma sacristia junto do claustro
para os religiozos. (…) Item uma casa de que serve de sacristia
para os clérigos de fora paramentada pello Mosteiro para os dois
altares”.
No
dito inventário, é feita referência ao rico recheio da igreja e do
convento, entre o qual constam várias imagens de santos, algumas das
quais ainda hoje ocupam lugar de destaque da bonita igreja de S.
Salvador de Paderne. No citado inventário de 1770, entre essas
imagens, há uma singela mas linda imagem de S. Teotónio de origem
bastante antiga, certamente anterior a meados do século XVIII. Sem
se conhecer a data da sua feitura, sabemos que já existia em 1758.
De facto, nas Memória Paroquiais redigidas nesse mesmo ano, o
padre António Rodrigues de Morais escreve que a dita imagem se
encontrava no altar-mor, e quando se refere a esta igreja, menciona
que “O
orago da freguezia é São Salvador e tem cinco altares: o altar-mor
com o painel do Salvador, e duas imagens de Santo Agostinho e de São
Teotónio.”
Contudo, sabemos que esta imagem de S. Teotónio, anos mais tarde, em 1770,
permanecia no altar-mor em lugar de destaque. Assim, neste mesmo
altar, além da mencionada imagem de S. Teotónio com resplendor de
prata que pesava 30 oitavas, e segundo o inventário, encontrava-se
ainda uma cruz em estanho prateada, com a imagem de Cristo, uma
imagem grande de Santo Agostinho, estofada e uma campainha de bronze.
A
presença da imagem de São Teotónio na igreja de S. Salvador de
Paderne, além de uma outra que se encontra na capela Crastos, é de um enorme simbolismo. Porquê? Para responder a esta
questão, temos que ter presente quem foi S. Teotónio.
Na
verdade, S. Teotónio nasceu nesta região, mais particularmente em
Ganfei, concelho de Valença. Corria o ano de 1082, sendo mais tarde confiado aos cuidados do seu tio-avô Crescónio, à época, bispo de
Coimbra. Mais tarde, formou-se em Teologia e Filosofia, tendo-se
tornado Prior da Sé de Viseu em 1112. No contexto da independência
portuguesa, S. Teotónio tornou-se um dos importantes aliados do
jovem infante Afonso Henriques, tendo-se tornado mais tarde seu
conselheiro.
Em
1132, foi um dos fundadores, em Coimbra, do Mosteiro de Santa Cruz,
adotando a regra dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, tendo-se
tornado no seu prior. Ora, o Convento de Paderne, inicialmente
beneditino, adotou, algures a partir do primeiro terço do século
XIII igualmente a Regra dos Cónegos de Santo Agostinho. Assim sendo,
é merecido o destaque que a imagem de São Teotónio, com as típicas
vestes de Cónego Regrante, detinha no altar principal a par da
imagem de Santo Agostinho. Neste sentido, o ilustre investigador melgacense José Marques, em MARQUES J. (1991), considera que “entre
essa devoções, sobressaem a da Santa Cruz, presente em todas as
cruzes dos altares, que, sendo comum a todos os fiéis, assume
especial sentido num mosteiro de religiosos crúzios, sendo,
igualmente expressiva a presença das imagens de Santo Agostinho, que
ocupava lugar de honra no altar-mor, como padroeiro que era, tal como
acontecia com a de São Teotónio, primeiro prior eleito de Santa
Cruz de Coimbra, convindo apurar também até que ponto a presença de outras imagens corresponde a devoções comuns a outros mosteiros da mesma Congregação. Interpretação idêntica se poderá tomar em relação às imagens e respetivas devoções à Senhora das Dores e da Senhora da Soledade, cujas representações, por vezes, se identificam que não é fácil separar da espiritualidade crúzia, por certo imbuída do espírito com que S. Teotónio visitou e meditou na Paixão de Cristo, durante a segunda peregrinação à Terra Santa, de que o seu biógrafo nos deixou preciosos testemunhos.”
Há
várias décadas que esta valiosa imagem tem as mãos partidas,
conforme se pode ver na fotografia antes, e tem estado arredada do
lugar que foi seu durante um largo tempo, no altar principal lado a
lado com Santo Agostinho. Dizem-me que a dita imagem esteve, em
tempos, na casa da fábrica, talvez esperando um pequeno restauro que
devolva toda a sua excelência simbólica nesta igreja, estando atualmente na sacristia. Note-se que S. Teotónio é o santo português mais antigo, tendo sido o
primeiro a ser canonizado, em 1163 pelo papa Alexandre III, um ano
após a sua morte.
Talvez
um dia esta importante imagem de S. Teotónio possa recuperar o seu
merecido lugar na História desta igreja… Porque é parte
inseparável do passado deste antigo convento.
Fontes consultadas:
- MARQUES, J. (1991) - O Mosteiro de Paderne em 1770. II Congresso Internacional do Barroco.
- Memórias Paroquiais de 1758 - Paderne.
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