sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Melgaço, 1937 - Tempos de fome e um Plano de Melhoramentos da Câmara Municipal para o concelho



Na década de 1930, Melgaço atravessava uma profunda crise onde o convívio com a fome e a miséria faziam parte do quotidiano. A Câmara Municipal, querendo minorar os efeitos desta crise, decide lançar um amplo conjunto de obras no concelho a nível das instalações escolares, estradas e fontanários bem como lavadouros públicos nas freguesias onde ainda ocorriam frequentes surtos de tifo.
Assim em 23 de Julho de 1937, a Câmara Municipal de Melgaço decide endereçar ao Ministério das Finanças um pedido de autorização para contrair um empréstimo de 500 contos para financiar estas obras bem como para amortizar dívidas antigas. No documento endereçado pela Câmara Municipal de Melgaço ao Ministério das Finanças pode ler-se “A Comissão Administrativa desta Câmara, em sessão de 15 do corrente Julho de 1937), deliberou contrair um empréstimo de 500 000$00 (quinhentos mil escudos), destinado a:
1º Pagar as quantias que ainda deve aos empréstimos anteriores contraídos com a mesma Caixa.
2º Pagar as dívidas do município ocasionadas pela execução da estrada à periferia da vila e pelo desfalque efetuado pelo tesoureiro da Câmara na importância correspondente à última medição efetuada (vinte e cinco mil escudos) pela Direção de Melhoramentos Rurais, importância que lhe foi entregue pelo Pagador das Obras Públicas em Viana do Castelo, mas que não foi entregue à Câmara pelo que se encontra entregue ao poder judicial o referido tesoureiro.
3º Pagar as dívidas ocasionadas pelo facto de as freguesias onde se efetuaram as reparações em edifícios escolares as não terem comparticipado com importância suficiente que diminuísse os encargos da Câmara, devido às ampliações de que as obras foram beneficiadas.
4º – Executar a construção de fontanários e lavadouros nas freguesias do concelho onde se verificam, periodicamente, epidemias de tifo.
5º – Comparticipar a construção dos caminhos rurais Pomares – Penso, Sá – Paços e Vila – Cabana.
6º – Desenvolver o plano de melhoramento das condições gerais do concelho.
Tendo a referida deliberação sido aprovada pelo Conselho Municipal, em sessão de 21 do corrente, vem (…) pedir a Vossa Excelência a necessária aprovação.
A Bem da Nação.”
Contudo, o pedido não recebeu aprovação imediata pelo Governo tendo o Ministério das Finanças pedido informações adicionais e o processo prolongou-se por muitos meses com trocas de missivas entre o Município e o Governo. Desta forma, o presidente da Câmara de Melgaço, João de Barros Durães, endereça uma carta ao Chefe de Gabinete do Ministro das Finanças onde expõe o seu impaciência para com a morosidade do processo e as suas consequências para a precária situação de Melgaço traçando um quadro negro da realidade melgacense na época. Na missiva datada de 2 de Março de 1938, pode ler-se:
Melgaço, 2 de Março de 1938.
Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de Sua Excelência e Sub-Secretário das Finanças
Permito-me vir expor e chamar à atenção de Vossa Excelência para os factos seguintes, ciente que a eles V. Ex.a se dignará dar o devido valor e providenciar no sentido de ser deferida a pretensão desta Câmara que venho de novo expor a V. Ex.a.
1º – Este concelho atravessa uma crise pavorosa de desemprego em todos os ramos de trabalho, devido a circunstâncias variadas, em especial à situação anormal de Espanha, à insuficiência de capitais particulares, à repatriação de emigrantes que no estrangeiro trabalhavam, principalmente na Espanha, França e Brasil, a anulação de remessas de rendimentos e produto de salários do estrangeiro.
2º – Esta crise possui a maior agudeza no concelho, pelo que há um grande número de famílias debatendo-se na mais contristadora miséria, não sendo raros os casos em que os seus elementos sofrem as torturas da fome.
3º – A fim de atenuar as graves proporções deste estado de calamitosa miséria do operariado de todas as categorias, a Câmara vem lutando pela execução de algumas obras que possam, dando-lhe trabalho, fornecer-lhe meios de honradamente viver: há alguns anos que a Câmara desenvolve notável ação no sentido de serem realizados os melhoramentos fundamentais – viação, higienização das águas, construção e reparação de edifícios escolares – para o que tem obtido o auxílio do Estado.
4º – Alguns factos anormais, já expostos a V. Ex.a e a necessidade de continuar a realização do plano de ação da Câmara, esta solicitou há meses autorização para contrair um empréstimo de 500 contos com a Caixa Geral de Depósitos.
5º – Apesar de todas as solicitações feitas, ainda lhe não foi concedida a autorização pedida embora os motivos justificativos sobejamente demonstrassem a necessidade daquela operação ser realizada com a maior urgência.
6º – Esta demora tem causado ao Concelho os maiores prejuízos: além de não terem sido integralmente pagos alguns encargos devido à reparação de edifícios escolares e ao roubo que o ex-tesoureiro efetuou, a Câmara vê-se obrigada a não realizar algumas obras de grande importância para as quais já lhe foram concedidas comparticipações pelo Estado, e a não desenvolver o projeto de melhoramento das condições gerais do concelho.
7º – Por este facto estão quasi completamente imobilizados 363.246$18 que representam os valores orçamentais de obras para que a Câmara possui projetos organizados e para quase todas as comparticipações concedidas, embora para a realização delas apenas despendesse 109 379$72; por estas razões não poderá realizar a construção de novos edifícios escolares, por cuja construção já se responsabilizou, cujo valor orçamental atinge 319 930$00, embora para a construção apenas necessite de 79 982$00.
8º – Em síntese: a Câmara vê-se obrigada não realizar obras em todo o concelho cujo valor orçamental atinge 683 176$00, embora para elas apenas necessite de 189 362$22.
9º – A realização destas obras viria a contribuir largamente para o melhoramento das condições de vida do operariado do concelho, que se encontra na maior miséria, e, concomitantemente, para dotar todo o concelho com uma série de melhoramentos que muito o beneficiariam.
Tomo a liberdade de chamar à atenção de V. Ex.a para os factos expostos e de solicitar que, com a máxima urgência, seja concedida autorização a esta Câmara para contrair o empréstimo projetado, visto que a demora muito prejudica o concelho e a ação social da Câmara.”
O empréstimo seria autorizado finalmente em Maio de 1938 em Portaria do Governo:
PORTARIA
Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro das Finanças, ouvido o Conselho Municipal de Melgaço e tendo em atenção o fim de elevado interesse da obra a realizar, autorizar esta Câmara Municipal, a contratar na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, um empréstimo até ao montante de 417 499$37, amortizável em 15 anos, destinando 245 409$86 para pagamento do saldo do empréstimo em débito à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e o restante, em comparticipação com o Estado com as obras de construções escolares e de um fontanário, reconstrução do caminho do Lugar de Sá e reparações no caminho de Pomares e da estrada da vila.
Ministério das Finanças, em 19 de Maio de 1938.”

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