Na
década de 1930, Melgaço atravessava uma profunda crise onde o
convívio com a fome e a miséria faziam parte do quotidiano. A
Câmara Municipal, querendo minorar
os efeitos desta crise, decide lançar um amplo conjunto de obras no
concelho a nível das instalações escolares, estradas e fontanários
bem como lavadouros públicos nas freguesias onde ainda ocorriam
frequentes surtos de tifo.
Assim
em
23 de Julho de 1937, a Câmara Municipal de Melgaço decide endereçar
ao Ministério das Finanças um
pedido de autorização
para contrair um empréstimo de
500 contos para financiar estas obras bem como para amortizar dívidas
antigas. No documento endereçado pela Câmara Municipal de Melgaço
ao Ministério das Finanças pode ler-se “A
Comissão Administrativa desta Câmara, em sessão de 15 do corrente
Julho de 1937), deliberou contrair um empréstimo de 500 000$00
(quinhentos mil escudos), destinado a:
1º
Pagar as quantias que ainda deve aos empréstimos anteriores
contraídos com a mesma Caixa.
2º
Pagar as dívidas do município ocasionadas pela execução da
estrada à periferia da vila e pelo desfalque efetuado pelo
tesoureiro da Câmara na importância correspondente à última
medição efetuada (vinte e cinco mil escudos) pela Direção de
Melhoramentos Rurais, importância que lhe foi entregue pelo Pagador
das Obras Públicas em Viana do Castelo, mas que não foi entregue à
Câmara pelo que se encontra entregue ao poder judicial o referido
tesoureiro.
3º
Pagar as dívidas ocasionadas pelo facto de as freguesias onde se
efetuaram as reparações em edifícios escolares as não terem
comparticipado com importância suficiente que diminuísse os
encargos da Câmara, devido às ampliações de que as obras foram
beneficiadas.
4º
– Executar a construção de fontanários e lavadouros nas
freguesias do concelho onde se verificam, periodicamente, epidemias
de tifo.
5º
– Comparticipar a construção dos caminhos rurais Pomares –
Penso, Sá – Paços e Vila – Cabana.
6º
– Desenvolver o plano de melhoramento das condições gerais do
concelho.
Tendo
a referida deliberação sido aprovada pelo Conselho Municipal, em
sessão de 21 do corrente, vem (…) pedir a Vossa Excelência a
necessária aprovação.
A
Bem da Nação.”
Contudo,
o pedido não recebeu aprovação imediata pelo Governo tendo o
Ministério das Finanças pedido informações adicionais e o
processo prolongou-se por muitos meses com trocas de missivas entre
o Município e o Governo. Desta forma, o presidente da Câmara de
Melgaço, João de Barros Durães, endereça uma carta ao Chefe de
Gabinete do Ministro das Finanças onde expõe o seu impaciência
para com a morosidade do processo e as suas consequências para a
precária situação de Melgaço traçando um quadro negro da
realidade melgacense na época. Na missiva datada de 2 de Março de
1938, pode ler-se:
“Melgaço,
2 de Março de 1938.
Ex.mo
Sr. Chefe do Gabinete de Sua Excelência e Sub-Secretário das
Finanças
Permito-me
vir expor e chamar à atenção de Vossa Excelência para os factos
seguintes, ciente que a eles V. Ex.a se dignará dar o devido valor e
providenciar no sentido de ser deferida a pretensão desta Câmara
que venho de novo expor a V. Ex.a.
1º
– Este concelho atravessa uma crise pavorosa de desemprego em todos
os ramos de trabalho, devido a circunstâncias variadas, em especial
à situação anormal de Espanha, à insuficiência de capitais
particulares, à repatriação de emigrantes que no estrangeiro
trabalhavam, principalmente na Espanha, França e Brasil, a anulação
de remessas de rendimentos e produto de salários do estrangeiro.
2º
– Esta crise possui a maior agudeza no concelho, pelo que há um
grande número de famílias debatendo-se na mais contristadora
miséria, não sendo raros os casos em que os seus elementos sofrem
as torturas da fome.
3º
– A fim de atenuar as graves proporções deste estado de
calamitosa miséria do operariado de todas as categorias, a Câmara
vem lutando pela execução de algumas obras que possam, dando-lhe
trabalho, fornecer-lhe meios de honradamente viver: há alguns anos
que a Câmara desenvolve notável ação no sentido de serem
realizados os melhoramentos fundamentais – viação, higienização
das águas, construção e reparação de edifícios escolares –
para o que tem obtido o auxílio do Estado.
4º
– Alguns factos anormais, já expostos a V. Ex.a e a necessidade de
continuar a realização do plano de ação da Câmara, esta
solicitou há meses autorização para contrair um empréstimo de 500
contos com a Caixa Geral de Depósitos.
5º
– Apesar de todas as solicitações feitas, ainda lhe não foi
concedida a autorização pedida embora os motivos justificativos
sobejamente demonstrassem a necessidade daquela operação ser
realizada com a maior urgência.
6º
– Esta demora tem causado ao Concelho os maiores prejuízos: além
de não terem sido integralmente pagos alguns encargos devido à
reparação de edifícios escolares e ao roubo que o ex-tesoureiro
efetuou, a Câmara vê-se obrigada a não realizar algumas obras de
grande importância para as quais já lhe foram concedidas
comparticipações pelo Estado, e a não desenvolver o projeto de
melhoramento das condições gerais do concelho.
7º
– Por este facto estão quasi completamente imobilizados 363.246$18
que representam os valores orçamentais de obras para que a Câmara possui projetos organizados e para quase todas as comparticipações
concedidas, embora para a realização delas apenas despendesse 109
379$72; por estas razões não poderá realizar a construção de
novos edifícios escolares, por cuja construção já se
responsabilizou, cujo valor orçamental atinge 319 930$00, embora
para a construção apenas necessite de 79 982$00.
8º
– Em síntese: a Câmara vê-se obrigada não realizar obras em
todo o concelho cujo valor orçamental atinge 683 176$00, embora para
elas apenas necessite de 189 362$22.
9º
– A realização destas obras viria a contribuir largamente para o
melhoramento das condições de vida do operariado do concelho, que
se encontra na maior miséria, e, concomitantemente, para dotar todo
o concelho com uma série de melhoramentos que muito o beneficiariam.
Tomo
a liberdade de chamar à atenção de V. Ex.a para os factos expostos
e de solicitar que, com a máxima urgência, seja concedida
autorização a esta Câmara para contrair o empréstimo projetado,
visto que a demora muito prejudica o concelho e a ação social da
Câmara.”
O
empréstimo seria autorizado finalmente em Maio de 1938 em Portaria
do Governo:
“PORTARIA
Manda
o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro das Finanças,
ouvido o Conselho Municipal de Melgaço e tendo em atenção o fim de
elevado interesse da obra a realizar, autorizar esta Câmara
Municipal, a contratar na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e
Previdência, um empréstimo até ao montante de 417 499$37,
amortizável em 15 anos, destinando 245 409$86 para pagamento do
saldo do empréstimo em débito à Caixa Geral de Depósitos, Crédito
e Previdência e o restante, em comparticipação com o Estado com as
obras de construções escolares e de um fontanário, reconstrução
do caminho do Lugar de Sá e reparações no caminho de Pomares e da
estrada da vila.
Ministério
das Finanças, em 19 de Maio de 1938.”
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