sábado, 3 de outubro de 2020

As mais antigas referências documentais às terras de Chaviães (Melgaço)

 



A freguesia de Chaviães serão tanto ou mais antiga que a nação portuguesaPara encontrar a mais antiga referência a um lugar de Chaviães, temos que recuar quase 900 anos, mais concretamente a 1155, onde encontramos num documento uma referência a uma propriedade em Gondufe. 

A origem do topónimo CHAVIÃES parece derivar do nome próprio masculino Flaviano, comum na época romana. Assim, o nome desta freguesia poderia ter evoluído de [Villa] Flavianis, que significa "a quinta de Flaviano". 

Segundo PINTOR, M. (1975), “a freguesia de Chaviães já existia nos princípios da nossa autonomia nacional. Quando D. Afonso Henriques deu foral a Melgaço em 1183, anexou-lhe metade indivisa de Chaviães que era património da coroa, não se dizendo a quem pertencia a outra metade. 

Nessa altura, já tinha a freguesia as suas estruturas firmadas, como podemos verificá-lo nos documentos de Fiães. 

Em 1177, um tal Pedro Pires testou ao mosteiro de Fiães o seu corpo e metade de um casal em Chaviães sob a igreja de Santa Seguinha. Devia ser pessoa de categoria pois declara no documento que robora por suas próprias mãos, o que nos dá a entender que era pessoa instruída, o que era raro. 

Esta é a mais antiga referência que encontro à igreja de Chaviães e sua primitiva padroeira Santa Seguinha, que se encontra nos documentos desse tempo com a grafia Seculina em latim. 

O grande investigador P. Pierre David notou essa invocação na diocese de Braga e chama-lhe Santa Segolène ou Sigolène d’Albi, do século XVII. A invocação de Santa Seguinha como padroeira de Chaviães ainda se mantinha quando se fez o tombo da freguesia em 1547, em que também se fala da igreja de Santa Maria Madalena. 

No dizer de Pierre David, o culto de Santa Maria Madalena difundiu-se nestas paragens por efeitos dos peregrinos que se dirigiam a Compostela. Santa Seguinha era festejada antigamente na França a 24 de Julho e velhos calendários informam ter falecido no ano de 770. 

Na Reconquista Cristã da península Ibérica, muito guerreiros de França vieram no espírito de aventura, lutar contra os mouros. Não só os guerreiros mas também os monges vieram para trabalhar na reconstrução religiosa. 

Bem conhecido o fidalgo D. Henrique, pai do nosso primeiro rei, que era filho do duque da Borgonha, na França. Era bissobrinho de S. Hugo, abade do célebre mosteiro de Cluni, da ordem de S. Bento, mosteiro onde se filiavam centenas se não milhares de outros mosteiros que adotavam a mesma regra. 

Há quem diga que o mosteiro de Fiães é mais antigo, mas eu não encontro notícias para antes do século XII. Este mosteiro, também era da ordem de S. Bento e veio a adotar a reforma de Cister, um ramo dos monges de Cluni de que foi expoente máximo o abade de Claraval S. Bernardo, contemporâneo do nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, fundador do mosteiro de Alcobaça que foi em Portugal a casa mãe da ordem de Cister. O mosteiro de Fiães, da ordem de S. Bento, cedo adotou a reforma de Cister, chamada de S. Bernardo, recebendo-a de Alcobaça. 

Este fenómeno do mosteiro de Fiães e a Santa Seguinha de origem francesa a patrocinar a igreja de Chaviães levam-me a compreender que por estes lados se tenham fixado nobres vindos de França com o Conde D. Henrique, ou aventureiros procedentes daquelas bandas que por cá se tenham celebrizado. 

Vários lugares de Chaviães se encontram mencionados no cartulário de Fiães. A mais antiga referência do lugar de Gondufe, em escritura de 1155, ano em que a 18 de Junho, um tal Nuno Dente doou juntamente com seus filhos ao Hospital de Jerusalém, metade da sua herdade no campo de Gondufe, com todos os seus edifícios, limitando por Fonte das Donas, por Parada e pela Vale até ao Minho. Já nesse tempo a ordem do Hospital de Jerusalém tinha casa em Valadares e a esta escritura assistiu Nuno Fernandes que lhe prestava obediência. Esta doação incluía quinhão de uma pesqueira em que também tinha parte a Leprosaria, que se não indica mas seria a de S. Julião, junto à vila de Melgaço. A Ordem do Hospital, cujo patrono é S. João Batista, passou mais tarde a chamar-se Ordem de Malta. 

Há no cartulário de Fiães, várias escrituras de propriedades em Gondufe. Em 1178, o Padre Guilherme Nunes fez doação da sua herdade em Gondufe, sob o Monte da Agueira ao de Cegos, ao corre da Fonte de Donas até ao rio Minho, metade para o Mosteiro de Fiães e metade para a sua servente Urraca Midis e filha, mas estas só com o usofruto, revertendo depois para o mosteiro. 

Em 1183, esta Urraca Midis e sua filha Peironela doaram ao mosteiro de Fiães a propriedade que recebera de Guilherme Nunes em Gondufe. Pela róbora, que correspondia à confirmação do contrato ou escritura nos nossos dias, receberam cinco soldos em dinheiro, um anho e uma abóbora de vinho. Daqui vemos que neste tempo servia também as abóboras para recolher o vinho e não só as cabaças como nos nossos dias. Ainda há quem chame cabaças aos cocos e às abóboras. (…) 

A escritura acha-se repetida no cartulário de Fiães, e na segunda em vez de abóbora de vinho escreveram cucurbita de vinho que vem a ser a designação científica e erudita da abóbora. 

Em 1241, era pároco Pedro Martins e o seu capelão João Joanes que assistiram à venda de uma propriedade outorgada por Frei Lopo Pires de santa Maria da Orada. 

Várias escrituras de Fiães mencionam propriedade em Cegos e Gondufe, e muitas outras o mosteiro devia ter em Chaviães, de que resultou um conflito com a Igreja local. 

Não temos elementos para conhecer toda a extensão do conflito. No cartulário, arquivaram o acordo estabelecido entre o Dom Abade com o mosteiro de uma parte e o reitor Pedro Martins, clérigos e consortes da igreja de Santa Seguinha de Chaviães da outra parte, relativo a terras, vinhas possessões e outras coisas mais. 

Tinha havido litígios e discussões, e por fim, nos termos das cartas vindas do Papa, o bispo de Tui, D, Lucas, nomeou árbitros a João Joanes, pároco de São Fagundo e procurador da igreja de Santa Maria da Porta, e Rodrigo Mendes, padre de Chaviães para que, em nome do bispo, restabelecessem a paz e a concórdia, e ambas as partes obedecessem à sua decisão. Eles, ouvidas as alegações de ambas as partes e bem consideradas, mandaram que fosse observado o costume em uso entre as igrejas do bispado de Tui: dariam à igreja metade dos dízimos, e os que morassem fora do Couto de Fiães, dariam os dízimos por inteiro, tanto frades como leigos, exceto das propriedades que o mosteiro adquiriu antes do concílio geral do papa Inocêncio III das quais no satisfariam dízimos se as trabalhassem por suas mãos ou a expensas suas, como se contem em seu privilégio; e se alguns habitantes de Chaviães cultivassem dentro do couto do mosteiro, dariam também metade dos dízimos ao mosteiro, isto é pelo couto da Agueira, pelo couto da Aveleira e do couto de Joazim. 

Mas a bem da paz e para não ficar prejudicada a sobredita igreja, o mosteiro lhe daria para posse permanente toda a herdade que tinha em Cernadas e no Louridal com todos os seus direitos, e os interessados da igreja de Chaviães dariam ao mosteiro para posse permanente uma propriedade do monte Pousadoiro, que foi de Marinha Joanes filha, chamada Saldebosco, que a dita igreja tinha por testamento da referida senhora. Além disso, o Reitor de Chaviães desistiria de toda a questão por injúrias recebidas da parte do mosteiro até à data, e entregaria em mão ao abade os documentos que tinha para reclamar. 

Este acordo de amigável composição foi realizado no mosteiro de Fiães em Julho de 1246. O documento foi redigido foi Múni Soares, monge de Ursária, a mando do Abade de Fiães, de Pedro Martins, reitor da igreja, e dos sobreditos árbitros João Joanes e Rodrigo Mendes. 

Em Fevereiro de 1247, o padre Rodrigo Mendes (possivelmente, pároco de Paços) outorgou na vila de Melgaço ao mosteiro de Fiães uma doação de toda a herdade que tem por pai e mãe, contando-se entre as testemunhas presentes Pedro Martins, reitor de Chaviães e o capelão João Joanes. 

As inquirições de 1258 pouco adiantam para a História de Chaviães. Era pároco João Joanes, que possivelmente seria o capelão que vimos de pároco em 1241, 1246 e 1247. Ele e mais alguns homens bons, devidamente ajuramentados, apenas informaram que metade de Chaviães de monte in fonte (terra culta e inculta), era reguengo, isto é, do património régio. (…) 

A metade reguenga de Chaviães pertencia à vila de Melgaço nos termos do foral outorgado pelo primeiro rei, D. Afonso Henriques, embora as inquirições não o digam. 

As inquirições de D. Dinis de 1290, 1301 e 1307 nada dizem que respeite a Chaviães. Na taxação das igrejas de 1320 figura Chaviães com 160 libras, a mais alta no velho concelho de Melgaço. 

No igrejário de D. Diogo de Sousa, de princípios do século XVI, encrontra-se mencionada a igreja de Chaviães com a indicação de ser de padroeiros leigos, isto é, o pároco era escolhido por leigos, mas não mencionam quem sejam. 

Em 1547, fez-se um tombo da paróquia de Chaviães, que alude a outro de 1502. Era abade de Chaviães Diogo Vaz que se intitulava “Capelão do Duque de Bragança”. 

A igreja de Chaviães é muito antiga, talvez a que existia no século XII e de arquitetura românica. No andar dos tempos, foram-lhe acrescentadas a torre, a capela mor, a sacristia e a casa das confrarias.” 

 

 

 

 

Extraído de: PINTOR, Pe. M. A. Bernardo (1975) - Melgaço Medieval. Augusto Costa & C. Lda., Braga. 

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