sábado, 24 de outubro de 2020

Santa Marinha de Roussas (Melgaço): uma freguesia com origens muito antigas

 


Começo por dizer que desconheço a razão pela qual o nome desta freguesia se passou a escrever desta forma (Roussas), com dois "ss". Na realidade, durante muitos séculos nunca foi utilizada a grafia atual. Basta-nos dar uma leitura pela documentação paroquial até início do século passado e outros documentos desde a Idade Média e verificamos que o nome da freguesia é normalmente escrita segundo a forma "Rouças" ou semelhantes. Por exemplo, num documento de Setembro de 1363 da diocese tudense, o nome da freguesia é escrito na forma “Sancte Marine de Rouçes”. Mas qual a origem do seu nome?

Segundo MARQUES, J. (2018), a origem do topónimo radica no verbo rumpu, rupi, ruptum, que significa romper, arrotear, lavrar, desbravar a terra. Acrescente-se que em documentação pertencente ao Cartulário de Fiães, o nome desta freguesia aparece sob diversas formas tais como Raucis, Roucis e Rouces, desde o século XII. A evolução fonética terá chegado à forma substantiva de ruptias/rupcias, depois cristalizada em Raucis. Segundo alguma estória da tradição oral local, a freguesia assim se chama porque, em tempos muito antigos, alguns condenados eram forçados a trabalhar (raucis) estas terras, outrora bravias, não estando contudo esta alegação documentada.

Efetivamente, a freguesia de Rouças é muito antiga sendo abundantemente referida nos documentos do Cartulário de Fiães durante o século XII e seguintes. Segundo, PINTOR, B. (1975), existem cerca de trinta documentos nos documentos de Fiães, desde 1152 a 1257, relacionados com Rouças. Nessa documentação, já na época se menciona a sua padroeira, Santa Marinha, santa mártir do século IV. Nesses documentos mais antigos, podemos encontrar referências a nomes de lugares e outros elementos naturais, alguns com o nome de vilas: Cavaleiros, Paçô, Vilela, regato de S. Mamede, Requeixo, Oleiros, Eiró, Corujeiras, Cuvilhós, Surribas, Bilhões, Porto da Candosa, entre outros (PINTOR, B., 1975). Parece ser de Rouças, o alcaide mais antigo de Melgaço do qual se conhece o nome, mencionado em documentos de 1240 e 1241. A pessoa citada aparece citada como Garcia Pires ou Garcia Tourões, variante do seu nome.

Diga-se que, por exemplo, em relação ao lugar de Cavaleiros, é referido em documentação de meados do século XII como sendo uma vila nessa época. De facto, em documento de 1160, já nos aparece com esta designação, mas precisamente numa escritura de venda de uma propriedade pertencente a uma freira chamada Marinha Pais ao Mosteiro de Fiães. A transação foi feita pelo preço de 100 moios, sendo 50 pagos em cavalos, vacas e outras coisas e 366 missas pelos outros 50.

Em 1166, a Condessa D. Froinile doou ao Mosteiro de Fiães um casal em Cavaleiros, a limitar com o regato de S. Mamede com Paço e com Melgaço, abaixo do monte de Côtaro.

Rouças aparece também referenciado num outro documento de meados do século XIII. Neste, datado de 1244, uma tal Elvira Pires vende ao mosteiro de Fiães uma vinha que havia recebido de seu filho Nuno Pires, militar, para saldar dívidas às igrejas de Santa Marinha de Rouças e de São Paio, e outras.

No séc. XIII, a igreja de Rouças pertencia ao Cabido de Tui, segundo um documento existente na Torre do Tombo elaborado “para servir de lembrança às Inquirições de 1258” (COSTA, L., 1981). Nestas inquirições, aparece-nos uma referência muito ligeira à freguesia de Rouças. Diz-se que fazia parte do Couto de Melgaço e que por isso estava isenta de obrigações especiais. Tinha-as englobadas no conjunto com as demais freguesias que formavam o referido couto e concelho (PINTOR, B., 1975). Nessa época, era pároco um tal Martinho Joanes. Ele e outros homens da freguesia prestaram informações sob juramento como era da praxe. Entre eles, aparece referenciado um tal D. Facundo. Limitaram-se a dizer que o rei não era patrono da igreja da sua terra e que fazia parte do Couto de Melgaço (idem).

Na Inquirições de D. Dinis em 1290, volta a aparecer referenciada Rouças. Sabemos que as condições sociais se modificaram um pouco no tempo do rei D. Afonso III com a renovação dos forais. Rouças terá querido eximir-se a certas obrigações pela razão de amádigos. PINTOR, B. (1975) explica-nos melhor a razão para esta situação: “Amádigo era um privilégio concedido às famílias que criavam filhos de fidalgos, privilégio que podia abranger uma família ou um lugar e consistir em não pagar tributos ao rei. Ficavam honradas as famílias ou os lugares porque criando os filhos dos fidalgos tornavam-se de certo modo seus vassalos. Isto deu motivo a vários abusos. Por vezes, os fidalgos confiavam os filhos durante algum tempo a certas famílias, apenas com o intuito de as honrarem, e não custa a crer que tais amos dos seus filhos se tornassem agradecidos com presentes. Quando faleciam tais amos honrados, conhecidos por amádigos, ainda muitos fidalgos procuravam continuar com o privilégios concedidos ao lugar e até por vezes alargando-o às vizinhanças. Em tal caso, já não era isenção de amádigo e passava a chamar-se paramo.” Sabemos que em 1290, o rei D. Dinis aboliu esses privilégios, garantindo, no entanto, a quem já os tivesse.

Pela razão aludida no parágrafo anterior, e contrariando os desejos dos fregueses de Rouças que queriam ficar isentos de impostos reais pela razão de amádigos, os inquiridores apenas consideraram como honrado, a Quinta de Forno Telheiro, que provavelmente ficaria situada nas imediações da igreja paroquial onde hoje se encontra a localidade de Telheiro. Todo o resto da freguesia foi considerado devasso, ou seja, sujeito ao pagamento de impostos ao rei.

As Inquirições de 1301, não referem Rouças e as de 1307 garantem os privilégios de honra à “Quintã de Forno Telheiro” enquanto for de fidalgos (PINTOR, B., 1975).

Desta época, é uma lápide sepulcral que foi encontrada nos anos 50 do século passado junto ao Mosteiro de Fiães. A dita lápide pertencia a um residente, seguramente ilustre do lugar de Cavaleiros. Como sabemos isto? Na dita pedra, encontra-se a seguinte inscrição:

E:M:CCC:LIIII KL’S IULI

O’ M:Ih’IS DE CAVALEIROS

Segundo leitura de PINTOR, B., (1975), deve interpretar-se assim:

Era 1354 calendis Julii obiit Martunis Johanes de Cavaleiros”

Tal inscrição, em linguagem corrente, deve ler-se: “Na era de 1354, nas calendas de Julho, faleceu Martinho Joanes de Cavaleiros”. A era de 1354 corresponde ao ano de 1316.

Em 1320, uma concessão papal concedeu a D. Dinis a faculdade de receber, durante três anos, as contribuições das igrejas do reino para a guerra contra os Muçulmanos. Santa Marinha de Rouças foi taxada em 120 libras. No respetivo arrolamento estava adstrita à “Terra de Valadares”. No velho termos de Melgaço, apenas Chaviães foi taxado num valor superior.

Por bula do Papa Eugénio IV, de 14 de Julho de 1444, e a pedido do regente D. Pedro, a comarca eclesiástica de Valença foi separada do cabido de Tui (na altura adepta do papa de Avinhão) e é anexada à diocese de Ceuta (COSTA, L., 1981). Em 20 de Setembro de 1512, por um contrato celebrado entre o D. Diogo de Sousa, arcebispo de Braga, e D. Frei Henrique, bispo de Ceuta, a administração eclesiástica de Valença passou a pertencer à diocese de Braga, enquanto que a administração de Olivença ficou na posse da diocese de Ceuta. Santa Marinha de Rouças passou, então, a ser administrada pelo Arcebispado bracarense. Por um “memorial feito em tempo de Dom Manuel de Sousa (1545-1549), a paróquia foi avaliada em 40.000 reis encontrando-se referida como pertencente à Terra da «villa de Melgaço»”.

O foral de D. Manuel I, de 1513, fala de Rouças apenas por causa do casal de Cavaleiros e de uma vinha a propósito da qual se transcreve este extrato do dito foral: ”(…) E na freguesia de Rouças, o casal de Cavaleiros que trás Pero Mouro paga sabido de pão vinte alqueires, a saber, quinze de centeio e cinco de milho, e uma marrã. E se não tem escritura de obrigação pode-se mudar ao quarto se quiser”

O Censual de D. Frei Baltazar Limpo, organizado em 1551 e objeto de cópia no tempo de Frei Bartolomeu dos Mártires (1559-1581), refere que a Igreja de Rouças constava do sumário de D. Diogo de Sousa como pertencente ao “arcebispo e padroeiros” e pelo registo das confirmações do mesmo arcebispo a apresentação desta igreja era “em metade da igreja de Braga e na outra metade dos filhos de Lopo Soares” (COSTA, A., 1981).

A igreja de Rouças que ainda hoje podemos contemplar foi reconstruida no séc. XVII conforme consta da inscrição existente no tardoz da capela mor:

BLASIVS DE AN

DRADA DAGA

MA AbbAS IN

VITROq^ IVRE

LAVREATs AFVN

DAMENTIS ERE-

XIT MDCLXXXX.


a qual, segundo a leitura de PINTOR, B. (1975), diz o seguinte:

BRÁS DE ANDRADE DA GAMA, ABADE DOUTORADO EM AMBOS OS DIREITOS A ERIGIU DESDE OS ALICERCES EM 1690”


Em 11 de Maio de 1758, o abade de Sta. Marinha de Roucas, Cleto Joseph de Azevedo Sotto Maior, na sua resposta ao Inquérito das Memórias Paroquiais pombalino refere que a: “Aprezentação desta igreja antiguamente hera «in solidum» de Dom Gaspar de Menezes morgado da Caza do Porto sitta no Reino da Galiza, Bispado de Tui e hoje está alternativa hum anno pertence ao sobredito morgado e outro à «Mitra Primaz» e prezente foi aprezentação de Dom Manoel de Menezes governador da cidade de Tui e morgado da Caza do Porto” (IANTT, 1758). Acrescentava ainda o pároco memorialista que poderia ter de renda “quinhentos mil réis”.

É um templo barroco construído em alvenaria autoportante de granito rebocada e pintada a branco, com embasamento, cunhais, cornijas, molduras e ornamentos aparentes. Apresenta uma morfologia desenvolvida longitudinalmente em nave e capela-mor retangulares, tendo esta última adossado, do lado norte, um corpo servindo de sacristia. Coberturas diferenciadas a duas águas sobre cornija apoiada em cunhais pilastrados (na nave e na torre) e denteados (na capela-mor e na sacristia) terminados por pináculos piramidais embolados. Na fachada principal, orientada a poente, a entrada axial é por porta adintelada sobreposta por frontão triangular e pequena janela quadrangular. Remate por pseudo-frontão triangular com cruz latina no vértice. Num plano ligeiramente mais recuado, adossada a sul, ergue-se torre de dois registos separados por cornija, com campanário de quatro sineiras no último e cobertura piramidal. No interior destaca-se o retábulo-mor em talha ‘estilo nacional’ e os altares barrocos laterais.

Em termos de evolução da sua população, sabemos que em 1758, segundo o pároco, havia 207 fogos escrevendo em relação à sua população total “todas juntas fazem o numero de settecenteas e huma». No que toca ao Censo de 1878, esta freguesia contava com 986 habitantes (género masculino – 486 e género feminino - 500), distribuída por 283 fogos.

No livro “Portugal Antigo e Moderno” do professor Pinho Leal, editado em 1876, esta freguesia de Rouças é descrita nestes termos: “A mitra apresentava o abade, que tinha 350 000 réis de rendimento. Esta paróquia foi primeiramente padroado da antiga e nobre família dos senhores do Paço de Rouças, que era nesta freguesia (…). Ainda se vêm as ruínas de uma antiquíssima casa chamada o Paço, solidamente construída, e, em parte, ainda habitada. O lugar em que está, chama-se mesmo Paço, nome tomado da dita casa. O padroado passou depois para Manoel Pereira (o Mil-Homens) da vila de Monção, e o solar para os Castros, de Melgaço. Por fim, passou o padroado para os arcebispos de Braga. O território desta freguesia, tem 7 kilómetros de comprido, por 5 de largo, estendendo-se desde a encosta oeste da serra de Pernidelo, até junto das muralhas da vila de Melgaço, pertencendo ainda à freguesia de Rouças, as primeiras casas da vila. Ainda que em terreno muito acidentado, os seus vales são fertilíssimos, e o vinho que produz é de óptima qualidade principalmente o dos sítios das Barreiras e Vale de Cavaleiros, em nada inferior ao excelente vinho de Monção. É nesta freguesia a grande quinta que foi do mosteiro de Fiães, deste concelho, e que, ficando sobranceira à vila, é uma belíssima vivenda. É hoje propriedade particular do Sr. Dr. José Joaquim Gomes. A igreja matriz é das maiores, não só da comarca, mas do distrito administrativo. O zelo do reverendo abade atual, e a devoção e religiosidade dos paroquianos, tem convergido para que este templo esteja ornado com a maior magnificência. Estes melhoramentos principiaram em 1864. Tem altar-mor e quatro laterais, todos ricamente adornados, e as santas imagens que os decoram, são de excelente escultura, sendo notável a de Nossa Senhora da Soledade, de tamanho quase natural, e oferecida à freguesia pela benemérita família Salgado, aqui residente. A sua torre dos sinos, é bastante alta e tem dois bons sinos. O coro é bom, e tem um pequeno órgão. Tem óptimas alfaias e paramentos, para o culto divino, tudo feito há poucos anos. No teto da igreja há boas pinturas, representando os apóstolos e os evangelistas; e a Fé, Esperança e Caridade (…). Está construída em um formoso sítio, pela sua posição elevada, e com dilatados horizontes. A festa da padroeira, faz-se a 18 de julho, que é o seu dia. É uma romaria concorridíssima, vindo gente até da Galiza, em grande número, com ofertas, para que Santa Marinha os cure, ou preserve de sesões. O lugar presta-se maravilhosamente para a romaria, porque é um vasto terreiro, o maior que se vê na província, em frente das igrejas, depois do de Fiães. Fica ao sul da igreja, e é assombrado por gigantescos e vetustos castanheiros, contemporâneos do primitivo templo. A residência paroquial foi reconstruida em 1870, desde os alicerces. É um edifício no gosto moderno, cómodo e decente e feito à custa dos paroquianos, que da melhor vontade, e por amor ao seu digno pároco, se prestaram a esta não pequena despesa. Há nesta freguesia seis capelas, que são: Santa Rita, na aldeia de Vilela, com missa em todos os domingos e dias santificados. É publica; Nossa Senhora da Conceição, no Côto do Preto. Tem uma bem esculpida pedra de armas, da ordem da Conceição, sobre a porta principal. É particular; Santo António, no logar da Corga. É particular; Nossa Senhora das Dores, no lugar de Cavaleiros, com missa em todos os domingos e dias santos. É publica; S. João Batista, no logar do Fecho. É particular; Nossa Senhora da Graça, a poucos metros de distância da antecedente, e que é a melhor de todas, tanto pela sua posição eminente à vila, como pela magnífica pedra de cantaria de que é construída. Do monte onde está a capela, é que sabe o finíssimo granito para as construções de todos os edifícios destes arredores.” (PINHO LEAL, 1874).




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