domingo, 12 de junho de 2022

O desaparecimento de duas capelas do Campo da Feira (vila de Melgaço)

 


Entre meados do século XVIII e meados do século XIX, existia, na vila de Melgaço, nos terrenos do Campo da Feira de Dentro, hoje Praça da República, não uma mas duas capelas.  

A mais antiga era chamada de Santo António do Campo da Feira de Dentro e ficava no Terreiro, muito próxima de onde é hoje a “desembocadura” da Rua Afonso Costa na dita praça, conforme se mostra na planta abaixo.


Planta da Praça Forte de Melgaço (1713)

Planta da Praça Forte de Melgaço (1758)

Em nenhuma destas plantas, não aparece ainda a capela da Senhora da Lapa, que ficava, mais ou menos, onde hoje se situa a esplanada da praça e ainda se pode ver em fotos do início do século passado . Nessa época, os terrenos onde hoje assenta a Praça da República e que se prolongavam para nascente até onde se situa o edifício do antigo Hospital, encontravam-se no interior de uma área amuralhada. Esta área fortificada tinha duas portas: uma a norte e outra a sul. Do lado sul, a entrada era no enfiamento do caminho que vinha do Rio do Porto e que subia através do atual traçado da rua Afonso Costa. Do lado norte, havia uma outra porta que fava para o caminho que desce para a rua da Fonte da Vila. Depois deste pequeno esclarecimento, acrescenta-se que havia na antiga Praça do Comércio, além da ermida de Santo António, uma outra dedicada a Nossa Senhora da Lapa, edificada na segunda metade do século XVIII em data após 1758 "...sem nunca fábrica lhe ser feita nem mesmo por António Manuel Teixeira da Gama, seu devoto que em 1766 pensava erguer-lha, à falta de outros, com os seus próprios bens." (ESTEVES, 1952) A documentação acerca desta capela é muito escassa ao contrário da de Santo António.

A construção da ermida de Santo António foi concluída na viragem para o século XVII a cargo da Misericórdia. Contudo, em meados do século XIX, dado o seu estado de conservação, ”...e pelo desejo de engrandecer a terra, alindando-a, tirando-lhe as belezas arcaicas…” (ESTEVES, A. (2003), em 1867, foi decretada pela Câmara a sua demolição. Num ofício datado de 29 de Julho desse ano, redigido pelo presidente da Câmara, podemos ler: “Tendo a Câmara da minha presidência tencionado regular e levar à melhor ordem possível, o terreiro do Campo da Feira de Dentro desta vila, ao nascente do qual se vai construir a Casa da aula do ensino primário, legada ao Concelho por virtude da disposição testamentária do benemérito Conde de Ferreira, sem cuja regularidade não é possível dar-se alguma assim no mesmo edifício, como na Rua Nova, com que tem de confinar pela parte do sul, é um dos obstáculos e o que mais entorpece o pensamento da Câmara, o alpendrado chamado de Santo António, e a capela antiga, de construção irregular, e em bastante ruína, de que é orago o mesmo Santo, que tudo se acha sob a administração, e gerência da Santa Casa da Misericórdia desta vila, da qual é V.a S.a, digno Provedor, e dignos mesários são pessoas que conhecem a necessidade da Câmara tomar a respeito medidas enérgicas. 

Decidia-se portanto a Câmara a promover a necessária expropriação, para qual tratava de se habilitar, mas sabendo deste desígnio o cidadão Tomás José Gonçalves, desta vila, que tem um edifício ao sul da mesma capela e que forçosamente o devia de chegar algum tanto à frente para o devido alinhamento, propôs à Câmara ocupar essa área de alinhamento sem embaraço, ou ónus: dar duzentos mil réis na expropriação se atender à indemnização do rendimento do alpendrado, e permitir todos os materiais deste e da capela para os fins que convenham; oferecendo mais à Câmara para regularidade do terreiro, e Rua Nova, e seu processo, ou preço de expropriação o terreno e casa que conserva ao nascente do alpendrado, e sul da mesma rua. 

Nestas circunstâncias, dirige-se a Câmara à Il.ma Mesa da Misericórdia e lhe propõem, ou expropriação do alpendrado, e capela nos termos regulares da Lei, ou lhe oferece tudo quanto aquele cidadão Tomás José Gonçalves lhe garante, que é duzentos mil réis em dinheiro, e todos os materiais do edifício; não cumprindo à Câmara ponderar razões para a deliberação que a V. S.as cumpre tomar. 

Também a Câmara podia propor a mudança à sua custa do edifício; porém, abstém-se de tal proposta por entender que talvez V. S.as possam aplicar a quantia com mais vantagem por haver capela na Vila que não tendo dotação, sendo de gosto elegante, e achando-se sob a administração da Junta da Paróquia, será fácil conseguir que ela passe para a Misericórdia. Aguarda a Câmara a resolução de V. S.as para, segundo ela, se deliberar convenientemente e com a prontidão que o caso pede, pois o oferecimento caduca havendo demora… 

Note-se que a Rua Nova, ou Rua Nova de Melo, a que se alude no ofício transcrito, corresponde, ao traçado da rua que ladeia a atual Praça da República do lado sul, que é o prolongamento da Rua da Calçada. Conforme se refere no ofício, para se rasgar esta Rua Nova, era essencial a demolição da capela. 

Na perspetiva da demolição da ermida, a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço requereu então à Arquidiocese de Braga, autorização para transferir a imagem do orago para a capela de Nossa Senhora da Lapa, nas proximidades, do lado oposto da praça. A resposta da autoridade eclesiástica é exposta neste despacho de 22 de Agosto de 1867: “Obrigando-se a administração da Misericórdia de Melgaço a edificar nova capela, em sítio conveniente, para a colocação da Santa Imagem do milagroso taumaturgo, empregando-se na construção da mesma, as madeiras da que se pretende demolir, deferimos… 

Contudo, segundo ESTEVES, A. (2003), a Câmara Municipal e os administradores da capela conseguiram influenciar o arcebispo a substituir o despacho. Assim, não havendo lugar à construção de uma nova capela, a velha ermida de Santo António, bem como o seu alpendrado, foram demolidos. A imagem de Santo António seria transferida para a ermida de Nossa Senhora da Lapa, que se situava do lado oposto da praça, ao fundo da praça, conforme se pode observar na fotografia que se apresenta de seguida do início do século XX. Paulatinamente, a capela foi tomando o nome de Santo António, caindo no esquecimento a Senhora da Lapa.


Praça do Comércio (Melgaço, início do século XX)

Note-se que essa capela, no início do século passado, a ermida de da Senhora da Lapa era frequentemente referida como capela de Santo António e cada vez menos as pessoas se lembravam de que, em tempos, tinha sido dedicada a Nossa Senhora da Lapa. 

Em 1884, a capela sofreu um pequeno incêndio que lhe queimou as portas deixando a entrada franqueada e foi assaltada por uns indivíduos espanhóis. Podemos conferir esse facto no jornal espanhol “La Republica”, na sua edição de 5 de Fevereiro, que escreve que “una partida de ex-carlistas españoles quemó la puerta de la iglesia de San Antonio de Melgazo em Portugal, y franca así la entrada, se llevaron la custodia, los vasos sagrados y cuantas alhajas encontraron... 

Em 7 de Agosto de 1915, em sessão da Câmara Municipal, foi deliberado expropriar a capela de Santo António, antes da Senhora da Lapa, que existiu ao fundo da Praça da República, e os três prédios contíguos; o primeiro com frente para a referida Praça, onde estava o Café Melgacense, e os dois últimos no antigo Largo do Chafariz. Contudo, este pequeno templo seria apenas demolido em meados da década de vinte do século XX. Todavia, foi um temporal que precipitou o desaparecimento desta pequena capela. Assim, no dia 1 de Novembro de 1926, de noite, um violento temporal fez ruir o telhado desta ermida, com um pouco menos de três séculos de existência. Menos de dois meses depois daquela intempérie, em 27 de Dezembro de 1926, deu-se início à demolição da capela.

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